۞ ADM Sleipnir
Arte de Moyi Zhang |
— Que alegria, meu filho! Que alegria! — exclamou ela, esforçando-se para parecer mais contente do que realmente estava. — Durante esses últimos três anos, você esteve o tempo todo ao lado de seu pai, e eu não pude vê-lo sequer uma vez. Se soubesse o quanto senti sua falta! Por que decidiu interromper seus estudos e resolveu me visitar hoje? Eu estou tão feliz em lhe ver! Mas por que parece tão triste, meu filho? Seu pai está envelhecendo, e logo chegará o dia em que o dragão retornará aos mares de jade e a fênix voltará aos céus de cor escarlate. Você herdará o trono. O que está perturbando seu espírito?
— Quero lhe perguntar algo, mãe — disse o príncipe, inclinando o rosto até o chão. — Quem é a pessoa que se senta no trono e usa o nós real?
— Este jovem está perdendo o juízo! — exclamou a mãe, consternada. — Seu pai, é claro. Por que está fazendo essas perguntas?
— Suplico que perdoe minha ousadia — respondeu o príncipe. — Só assim terei forças suficientes para fazer uma nova pergunta. Caso contrário, jamais ousaria fazê-la.
— Entre mãe e filho não deve haver rancor — afirmou a rainha, sorrindo. — Considere-se perdoado. Você sabe que pode falar comigo com toda a confiança.
— Permita-me, então, perguntar algo — concluiu o príncipe, mais animado. — As relações com meu pai ainda são tão afetuosas e ternas quanto eram há três anos?
Ao ouvir isso, a rainha sentiu suas forças fraquejarem, como se o espírito lhe escapasse. Ainda assim, correu para fora do pavilhão, abraçou o príncipe com força e, entre lágrimas, disse:
— Faz tanto tempo que não vejo você, tanto que nem sei dizer! Por que, de repente, resolve vir ao palácio apenas para fazer uma pergunta dessas?
— Se há algo a me dizer, diga agora mesmo — insistiu o príncipe. — Seu silêncio pode colocar em grave perigo um assunto de extrema importância.
A rainha dispensou todas as suas damas de companhia e declarou, chorando com uma serenidade inesperada:
— Se você não tivesse me perguntado, esse segredo teria ido comigo para o túmulo e ninguém jamais o saberia. Mas, já que fez isso, deixe-me contar o seguinte: há três anos, seu pai era carinhoso e gentil. Desde então, tornou-se frio como o gelo. Quando estamos no leito e peço uma prova de amor, ele me rejeita, dizendo: "Lamento, mas estou muito fraco. Minhas forças estão se esvaindo, e estou envelhecendo."
Ao ouvir isso, o príncipe afastou-se do abraço da mãe e montou em seu cavalo. A mulher agarrou-se a ele, desesperada, e perguntou:
— Pode me explicar o que está acontecendo? Por que deseja partir antes de terminar de falar?
O príncipe voltou a ajoelhar-se, com o rosto rente ao chão, e respondeu:
— Não tenho coragem de fazer isso, embora saiba que devo uma explicação. Hoje de manhã, enquanto meu pai realizava as primeiras audiências, saí para caçar com sua permissão, acompanhado por falcões e caçadores. Por pura coincidência, cruzei o caminho de um monge enviado pelo Senhor das Terras do Leste ao Paraíso Ocidental em busca de escrituras sagradas. Ele estava acompanhado de um discípulo chamado Peregrino Sun, que afirma ser um verdadeiro especialista na arte de dominar monstros. Foi ele quem me revelou que meu verdadeiro pai foi assassinado no jardim imperial e que seu corpo repousa no poço octogonal de paredes de mármore. Após cometer essa traição indescritível, o taoísta assumiu a identidade de meu pai e usurpou impunemente o trono do dragão. Porém, na noite passada, meu pai apareceu em sonho ao monge e pediu que ele enviasse seu discípulo à cidade para vingar sua morte. No início, relutei em acreditar, mas depois pensei melhor e decidi vir perguntar diretamente a você. Agora que falou comigo com toda sinceridade, sei que estamos convivendo com um demônio.
— Como pode acreditar tão facilmente nas palavras de um estranho? — repreendeu a rainha.
— Não foi bem assim — defendeu-se o príncipe. — Meu pai deixou uma prova.
Ao ouvir isso, a rainha perguntou do que se tratava. O príncipe então retirou um bastão de jade com incrustações de ouro e o entregou a ela. A rainha reconheceu o objeto de imediato e, sem conseguir conter as lágrimas, disse:
— Se ele está morto há mais de três anos, por que não veio primeiro a mim para contar? Por que me deixou em segundo plano, depois de um monge e até mesmo de seu próprio filho?
— Do que exatamente está falando, mãe? — questionou o príncipe, confuso.
— Na noite passada, por volta da quarta vigília, também tive um sonho. Completamente encharcado, seu pai apareceu ao meu lado e confessou que estava morto. Disse ainda que havia pedido ao monge Tang para enfrentar o demônio e resgatar o seu corpo. Lembro-me claramente dessas palavras, mas há uma parte que ainda não consegui compreender totalmente. Eu estava justamente refletindo sobre isso quando você apareceu e começou a me fazer essas perguntas. Se não se importa, quero ficar com esse bastão de jade. Vá e diga ao monge que faça o que deve ser feito para que nos livremos da influência demoníaca desse impostor e a verdade seja revelada. Creio que não há maneira melhor de honrar os esforços de seu pai na sua criação.
O príncipe voltou a montar em seu cavalo, saiu do palácio pela porta dos criados e deixou a cidade. Lágrimas lutavam para escapar de seus olhos enquanto ele seguia veloz, como uma flecha, em direção ao encontro com o monge Tang. Não demorou muito para avistar o monastério. Assim que chegou, os soldados correram para ajudá-lo a desmontar. O sol já começava a se pôr. O príncipe ordenou que os soldados permanecessem em seus postos e correu ao encontro do Peregrino para pedir ajuda.
Naquele momento, o Rei dos Macacos saía do salão principal. Ao vê-lo, o príncipe caiu de joelhos e disse:
— Acabo de retornar, mestre.
— Levante-se, por favor — pediu o Peregrino, aproximando-se. — Conseguiu realizar a tarefas que lhe confiei?
— Sim — respondeu o príncipe, relatando em detalhes a conversa que teve com sua mãe.
— Se ele é tão frio como você descreve — concluiu o Peregrino —, deve ser a reencarnação de algum tipo de criatura de sangue frio. Mas não se preocupe. Eu me encarregarei de fazer justiça. Já está ficando tarde, e temo que hoje não seja possível agir. É melhor que retorne à cidade. Eu irei pela manhã.
— Prefiro permanecer ao seu lado — replicou o príncipe, golpeando o chão com a testa (2) repetidas vezes. — Assim podemos viajar juntos.
— Acho que isso não seria muito prudente — disse o Peregrino. — Se nos virem entrando juntos na cidade, o monstro ficará desconfiado e pensará que você veio me buscar intencionalmente. Isso o deixará ainda mais irritado, e ele acabará culpando você por tudo.
— Isso também acontecerá se eu voltar agora — comentou o príncipe.
— Por quê? — perguntou o Peregrino.
— A resposta não está clara para você? — disse o príncipe. — Esta manhã me deram permissão para sair da cidade com meus falcões e cães. Se eu retornar ao palácio sem nenhuma caça, podem me acusar de incompetência e mandar me prender em Yu-Li (3). Quem vai ajudá-los a entrar na cidade pela manhã? Além de mim e minha mãe, ninguém mais sabe o que está acontecendo.
— Por que não disse isso antes? — exclamou o Peregrino. — Isso é fácil de resolver. Vou agora mesmo arranjar algumas presas para você.
Com um salto, ele subiu além das nuvens, fez um gesto mágico e recitou um encantamento:
— Estou aqui acompanhando o monge Tang e pretendo capturar um demônio — explicou o Peregrino. — Porém, durante a caçada, o príncipe não conseguiu capturar nenhuma presa e não tem coragem de voltar ao palácio de mãos vazias. Por isso, decidi pedir um pequeno favor a vocês. Tragam alguns cervos, antílopes e lebres, além de algumas aves selvagens. Acredito que isso será suficiente para preservar sua honra.
Os dois deuses chamaram imediatamente os soldados-espírito sob seu comando e ordenaram que encurralassem os animais selvagens com um forte vento tempestuoso. Dessa forma, conseguiram capturar inúmeros galos-monteses, faisões, cervos, raposas, texugos, tigres, leopardos e lobos. Ao ver tantos animais reunidos, o Peregrino explicou, satisfeito:
Os deuses inclinaram a cabeça em sinal de respeito e cumpriram a ordem imediatamente, fazendo o vento cessar e espalhando os animais ao longo do caminho.
Ao testemunhar os extraordinários poderes do Peregrino, todas as dúvidas do príncipe desapareceram. Antes de retornar ao pátio do monastério para ordenar que seus soldados iniciassem o caminho de volta, ele prostrou-se mais uma vez com o rosto em terra, despedindo-se de seu benfeitor.
Os caçadores ficaram atônitos ao verem, ao longo do caminho, uma quantidade tão grande de animais selvagens. Para capturá-los, não precisaram sequer soltar os cães ou os falcões. Bastava estender a mão. Entusiasmados, não paravam de aclamar o príncipe, felicitando-o pela abundância de caça encontrada naquele dia. Desconheciam, no entanto, que tudo aquilo era obra do Rei dos Macacos. O clima de euforia era tanto que começaram a entoar cânticos de vitória enquanto seguiam para a capital, de cabeça erguida.
O Peregrino, por sua vez, retornou para junto do monge Tang. Naquela noite, os monges do monastério foram ainda mais respeitosos com eles do que na noite anterior. Não era para menos, pois haviam presenciado a inesperada amizade entre os viajantes e o príncipe herdeiro. Nenhum dos monges se opôs a servir-lhes uma refeição vegetariana. Assim que terminaram a refeição, o monge Tang recolheu-se ao salão Zen para descansar.
Quando soou a primeira vigília, o Peregrino ainda não havia pregado os olhos, perdido em suas reflexões. De repente, saltou da cama e foi até onde o monge Tang descansava.
— Mestre — sussurrou em seu ouvido.
Sanzang, que também não havia conseguido dormir, sabia bem como o Peregrino era inquieto e decidiu não responder, fingindo que estava dormindo.
O Peregrino, impaciente, agarrou a cabeça do mestre, começou a agitá-la e exclamou:
— Como é possível que já esteja dormindo?
— Maldito macaco! — exclamou o monge Tang, perdendo a paciência. — Não é hora de descansar? Por que precisa fazer todo esse alvoroço?
— Há algo que gostaria de discutir com o senhor — esclareceu o Peregrino.
— Do que se trata? — perguntou o mestre.
— Hoje, não fiz outra coisa além de exibir meus poderes diante do príncipe, levando-o a acreditar que ele era tão alto quanto uma montanha e tão vasto quanto o próprio oceano — respondeu o Peregrino. — Cheguei a dizer que capturar aquele demônio seria tão fácil quanto tirar algo de uma bolsa, bastando apenas estender a mão. No entanto, estive refletindo sobre isso por algum tempo e cheguei à conclusão de que será um pouco mais complicado. Por isso, não consigo dormir.
— Se acha que será tão difícil — disse Sanzang, tentando tranquilizá-lo —, talvez seja melhor desistir dessa ideia.
— Não posso desistir — replicou o Peregrino. — Preciso capturá-lo a qualquer custo, embora, para ser honesto, não sei como justificar essa ação.
— Que absurdo! — exclamou o monge Tang. — Esse demônio matou um rei e usurpou o seu trono. O que quer dizer com "não sei como justificar"?
— O senhor só sabe meditar, recitar sutras e exaltar as grandezas de Buda — retrucou o Peregrino. — Mas conhece, por acaso, os princípios legais estabelecidos por Xiao He (4)? Existe um provérbio que diz: "Quem prende um ladrão deve, antes, recuperar o que foi roubado". Aquele demônio está no trono há mais de três anos, e ninguém descobriu sua verdadeira natureza. Ele dormiu com as damas dos três palácios, governou com prudência, conquistou o apoio de seus ministros, tanto civis quanto militares, e ninguém jamais suspeitou de nada. Se eu conseguir capturá-lo, será extremamente difícil apresentar provas de seus crimes. Não haverá como condená-lo.
— Por que não? — perguntou o monge Tang.
— Embora fale de forma tão simples quanto uma cabaça — respondeu o Peregrino —, ele com certeza encontrará algo para se defender. Não imagina o que ele poderá dizer? Já consigo ouvir suas palavras: "Sou o Senhor do Reino do Galo Negro. O que fiz contra os Céus para que venham me prender como um ladrão comum?". Que provas eu terei para desmontar todos os seus argumentos?
— Já tem algum plano em mente? — perguntou novamente o monge Tang.
— Sim — reconheceu o Peregrino, olhando-o diretamente nos olhos —, mas existe um obstáculo muito sério para sua realização: com todo respeito, o senhor tem o hábito de ser excessivamente parcial.
— O que quer dizer com isso? — protestou o monge Tang.
— Vou lhe dar apenas um exemplo — explicou o Peregrino. — Bajie tem o cérebro de um mosquito; ainda assim, o senhor sempre toma o lado dele.
— Como assim "sempre tomo o lado dele"? — protestou o monge Tang com ainda mais energia.
— Se não toma — concluiu o Peregrino —, então não verá problema em ficar aqui com o Monge Sha, enquanto Bajie e eu vamos ao Reino do Galo Negro para investigar os jardins imperiais. Abriremos o poço de mármore e retiraremos o cadáver do verdadeiro rei. Assim, quando voltarmos à cidade amanhã de manhã, não precisaremos nos preocupar com mais nada além de enfrentar o demônio. Se ele nos desafiar, mostraremos o esqueleto e o acusaremos de seu crime, gritando com todas as forças: "Você matou este homem!". Além disso, quando reconhecerem o cadáver, o príncipe, a rainha e todos os oficiais estarão do nosso lado. Com isso, estarei totalmente livre para lutar do jeito que sei fazer. É isso que eu chamo de uma causa digna de colaboração, porque teremos provas concretas para sustentar nossas ações.
O monge Tang ficou satisfeito com o raciocínio, mas balançou levemente a cabeça antes de responder:
— O seu plano parece muito bom, mas temo que Bajie não queira ir com você.
— Está vendo? — replicou o Peregrino, soltando uma gargalhada. — Depois diz que ele não é o seu favorito! De onde tirou que ele não vai querer me acompanhar? Se me permitir explicar a situação, tenho certeza de que vou convencê-lo com a minha língua afiada e flexível. Não me importa que seja Zhu Bajie. Mesmo que fosse Zhu Qiujie (5), eu o faria vir comigo. Pode confiar.
— Está bem — cedeu o monge Tang. — Vá acordá-lo.
O Peregrino se aproximou do leito de Bajie e gritou em seu ouvido:
— Acorde de uma vez!
Bajie estava exausto de tanto cansaço. Além disso, ele era do tipo de homem que, assim que coloca a cabeça no travesseiro, ninguém consegue acordá-lo. O Peregrino não teve outra escolha a não ser pegá-lo pelas orelhas e puxá-lo pelos cabelos, sem nenhuma consideração. Fez isso com tanto afinco que Bajie finalmente parou de roncar e, abrindo os olhos, reclamou em voz alta:
— Chega de brincadeira e vá dormir de uma vez! Não percebe que amanhã temos que continuar nossa jornada?
— Ninguém está brincando — retrucou o Peregrino. — Você precisa levantar agora mesmo. Temos algo importante a resolver.
— Do que se trata? — perguntou Bajie.
— Não ouviu o que o príncipe disse? — replicou o Peregrino.
— Como poderia ouvir, se nem sequer o vi? — resmungou Bajie.
— Não importa. Eu te contou — mentiu o Peregrino. — Ele me disse que o demônio possui um tesouro capaz de derrotar dez mil soldados sozinho. Amanhã, quando entrarmos na cidade, teremos que enfrentar esse demônio. Mas, se ele resolver usar o tal tesouro, estaremos completamente indefesos e seremos humilhados. Pensei que, antes do combate, seria melhor colocarmos as mãos nessa maravilha. Entendeu onde quero chegar?
— Você está sugerindo que eu me torne um ladrão? — reclamou Bajie. — Bom, não importa. No entanto, quero deixar uma coisa bem clara. Depois que pegarmos o tesouro e derrotarmos o demônio, não quero que haja discussão sobre quem ficará com ele. Exijo que seja só meu. Combinado?
— E para que quer isso? — perguntou o Peregrino.
— Veja bem — respondeu Bajie —, eu não sou bom com palavras como você. É difícil para mim sair pedindo as coisas, e, honestamente, ninguém me leva a sério. Também não sou como o mestre, que recita sutras e convence qualquer um com sua sabedoria. Mas com esse tesouro, tudo seria diferente. Os camponeses tremeriam ao me ver, e ninguém ousaria me negar o que eu pedisse. Sem contar que, em caso de necessidade, poderia trocá-lo por comida.
— Tudo bem — concordou o Peregrino. — Para mim, não faz diferença que você fique com ele. O que me interessa é a fama, não os tesouros.
Bajie ficou tão feliz que não pensou duas vezes antes de pular da cama. Vestiu-se rapidamente e saiu atrás do Peregrino. Como bem diz o ditado, "assim como o vinho tinge de vermelho o rosto do homem, o ouro move a mente do Tao".
Bajie e o Peregrino abriram a porta com cuidado e se afastaram do local onde Sanzang estava deitado. Então, montaram uma nuvem e seguiram em direção à cidade, a qual não demoraram muito a alcançar.
Era justamente a hora da segunda vigília quando puseram os pés nas ruas. O Peregrino levantou a cabeça e disse:
— Irmão, começou a segunda vigília!
— Sim — confirmou Bajie. — Todos estão dormindo profundamente.
Em vez de seguirem para a porta principal, decidiram contornar a cidade e se aproximaram da porta dos fundos. Antes de alcançá-la, ouviram o som ritmado dos passos dos soldados que a guardavam, ecoando na quietude da noite.
— Que azar! — exclamou o Peregrino. — Esta porta também está protegida. Como vamos entrar?
— Que tipo de ladrão é você? — acusou Bajie. — Onde já se viu ladrões entrarem tranquilamente pela porta? É melhor pularmos a muralha.
O Peregrino acatou a sugestão e, com um salto ágil, entrou no palácio. Bajie não demorou a segui-lo, embora de maneira um pouco mais desajeitada. Procuraram com atenção o caminho que levava aos jardins imperiais e logo o encontraram. A entrada era marcada por um pequeno campanário, e acima dela brilhavam, à luz das estrelas e da lua, três caracteres que formavam a inscrição: "O Jardim Imperial".
Movido pela curiosidade, o Peregrino se aproximou e constatou que a porta estava fechada e selada com largas tiras de papel. Virou-se para Bajie e ordenou:
— Faça alguma coisa!
Bajie ergueu o seu ancinho e, com um golpe poderoso, o deixou cair sobre a porta, destruindo-a em pedaços.
O Peregrino, sem hesitar, avançou. Contudo, assim que pôs os pés no jardim, começou a saltar e lamentar-se de maneira tão estranha que Bajie, tomado pelo pânico, agarrou-lhe o braço e exclamou:
— Que susto você me deu! Nunca vi um ladrão agir assim! Quer acordar todo mundo para que nos capturem e nos levem diante do juiz? Não se esqueça de que aqui eles são tão severos com estrangeiros que, se escaparmos com vida, ainda assim teremos que passar o resto dos nossos dias servindo no exército!
— É natural que me pergunte a razão de todo esse alarde— reconheceu o Peregrino. — Mas não pude evitar, ao ver a ruína que se abateu sobre aquelas grades ornamentadas, aqueles pequenos templos e torres meio desabadas, aqueles canteiros de flores abandonados e cobertos de lama, e aquelas peônias completamente secas. Não percebeu que as rosas e os jasmins perderam a fragrância, os lírios e as orquídeas pararam de florescer, os hibiscos deram lugar aos espinhos e sarças, e todas as flores exóticas murcharam? Os montes desmoronaram, os lagos secaram e os peixes que antes neles nadavam apodrecem na lama. Os pinheiros esverdeados e os bambus avermelhados, que antes eram o orgulho deste lugar privilegiado, agora servem de combustível para as chamas. Os caminhos foram invadidos por plantas selvagens que não exalam nenhum perfume. Os galhos dos pessegueiros estão quebrados e as raízes dos ameixeiros e pessegueiros ficaram expostas. Até o labirinto de pontes está coberto de musgo. Juro que nunca vi um jardim tão negligenciado!
— Entendo seus sentimentos — disse Bajie, tentando consolar o Peregrino —, mas o que adianta lamentar-se assim? Não vale a pena desperdiçar o fôlego com isso. O que precisamos fazer é terminar o nosso trabalho o mais rápido possível.
Embora a visão daquele jardim tenha mergulhado o Peregrino em profunda tristeza, ele não esqueceu nem por um momento do sonho do monge Tang. Assim, lembrou-se de que o poço estava sob uma bananeira. Não demorou muito para encontrá-la. Sua exuberância era tamanha que parecia pertencer a outro jardim, dada a desolação ao seu redor. Suas raízes certamente tinham uma natureza espiritual. Não é à toa que é considerada o símbolo da vacuidade absoluta. Seus galhos finos lembravam o papel e suas folhas pareciam pétalas. Porém, essa fragilidade é apenas uma ilusão, pois dentro da bananeira pulsava um coração de mercúrio. Ela se entristece quando a chuva noturna a aflige. Sua sensibilidade era tão grande que os ventos de outono a faziam tremer de medo. No entanto, seu crescimento era regido pelos próprios Céus e ela se alimentava da força que originou tudo o que vemos. Não é surpreendente que seus usos sejam tantos e tão variados. Nada a supera na confecção de pergaminhos e leques. Nem mesmo as penas das fênixes podem ser comparadas a ela. As gotas de orvalho escorriam por seu caule com a mesma delicadeza com que poderiam deslizar por uma coluna de fumaça. Sua fragilidade era tão grande que os patos selvagens não ousavam pousar sobre ela, e ninguém se atrevia a amarrar um cavalo sob sua sombra. O frio fazia com que perdesse suas forças, e a luz da lua apagava suas cores, mas ela resistia ao calor e ao poder ardente do sol. Envergonhada por não ter a graça das pereiras e pessegueiros, a bananeira se erguia solitária à esquerda do muro branco.
— Vamos ao trabalho — disse o Peregrino a Bajie. — O tesouro está enterrado justamente sob esta bananeira.
Bajie levantou o ancinho com ambas as mãos e, com um só golpe, arrancou a bananeira solitária. Em seguida, mergulhou seu focinho na terra e começou a escavar em busca do tesouro. Após remover cerca de um metro de areia, encontrou uma laje de pedra e exclamou, empolgado:
— Que sorte a nossa! Acho que encontrei o tesouro. O que mais poderia estar sob essa enorme laje? Me pergunto se está em uma caixa ou em um recipiente de barro.
— Por que não levanta a pedra e vê? — sugeriu o Peregrino.
Bajie fez como foi sugerido, usando seus dentes. Assim que conseguiu remover a laje, raios de luz extraordinariamente brilhantes emergiram de seu interior, fazendo-o exclamar novamente:
— Que sorte! Este tesouro brilha como se fosse de ouro!
Mas ao olhar mais atentamente, ele percebeu que o brilho que ele pensava ser ouro era, na verdade, o reflexo das estrelas e da lua na água de um poço.
— Se você quer pegar o tesouro — disse, visivelmente desanimado —, será preciso descer você mesmo até lá.
— O que quer dizer com isso? — perguntou o Peregrino.
— Que é um poço — respondeu Bajie. — Se tivesse me avisado no monastério, teria trazido as cordas que usamos para amarrar nossa bagagem, e descer não seria difícil. Como vou fazer isso com as mãos vazias? É praticamente impossível descer por uma parede como essa.
— Está disposto a descer? — perguntou novamente o Peregrino.
— Claro que sim — respondeu Bajie —, mas como acabei de dizer, não tenho cordas.
— Isso é fácil de resolver — afirmou o Peregrino. — Tire suas roupas, vamos lá!
— Receio que minhas roupas não sejam muito boas — disse Bajie. — Exceto por esta camisa, o resto não serve para nada.
O Grande Sábio pegou o seu bastão com as extremidades douradas e, segurando-o pelas pontas, exclamou: — Suba! — e, imediatamente, ele adquiriu uma extensão de nove ou dez metros.
O Peregrino voltou-se para Bajie e acrescentou:
— Segure uma das pontas e eu vou te baixar devagar.
— Combinado — concordou Bajie —, mas pare quando eu chegar perto da água.
— Fique tranquilo — disse o Peregrino.
Bajie segurou uma das pontas do bastão, enquanto o Peregrino o baixava com cuidado para o interior do poço. Quando Bajie alcançou a água, gritou, erguendo a cabeça:
— Já estou tocando a água!
Mas, em vez de parar, o Peregrino mergulhou o bastão no poço com todas as suas forças. Surpreendido, Bajie caiu de cabeça, soltou o bastão e, enquanto engolia água, pensou:
— Maldito Peregrino! Avisei que parasse quando chegasse à altura da água, mas, em vez disso, me afundou nela quando menos esperava.
— Já encontrou o tesouro? — gritou o Peregrino lá de cima, soltando uma gargalhada.
— Que tesouro é esse de que você está falando? — perguntou, por sua vez, Bajie. — Aqui só tem água.
— Deve ter afundado — explicou o Peregrino. — Por que não mergulha um pouco e vê se encontra?
Bajie, acostumado com a natureza da água, imediatamente seguiu o conselho. No entanto, o poço era extremamente profundo. Mergulhou uma segunda vez e, ao abrir os olhos, viu um edifício tão alto quanto uma torre, no qual estavam escritas as seguintes palavras: "Palácio de Cristal de Água".
— Uau! — exclamou Bajie. — Me enganei de caminho e, sem perceber, acabei indo parar nada menos que no oceano. Onde mais poderia haver um Palácio de Cristal de Água? A não ser, claro, que haja um neste poço, o que me parece bem improvável.
O que Bajie não sabia era que ele estava na residência do Rei Dragão dos Poços. Nesse exato momento, um yaksa de plantão abriu a porta do palácio e, ao vê-lo, correu para informar ao seu senhor, dizendo:
— Que terrível desastre se abateu sobre nós, grande senhor! Lá fora há um monge com um nariz muito longo e umas orelhas enormes. Além disso, ele está completamente nu e não parece estar morto, pois não para de falar.
— Deve ser o Marechal dos Juncos Celestes — concluiu o Rei Dragão dos Poços, visivelmente surpreso.— O Deus da Patrulha da Noite chegou aqui ontem com uma ordem imperial celeste, exigindo que eu libertasse o espírito do Senhor do Reino do Galo Negro, para que pudesse se encontrar com o monge Tang e então pedir ao Grande Sábio, Sósia do Céu, que capturasse o demônio que o matou. Isso explica a presença do Marechal dos Juncos Celestes. Certifiquem-se de tratá-lo bem e dêem-lhe uma recepção condizente com sua posição.
Após trocar de roupa, o próprio Rei Dragão saiu pela porta do palácio seguido por todos os seus súditos e, erguendo a voz, disse:
— Honre-nos aceitando nossa hospitalidade, Marechal dos Juncos Celestes.
— Ainda bem! — exclamou Bajie para si mesmo. — Pelo visto, aqui são todos amigos.
Embora o texto e todas as fontes consultadas afirmem que Bajie adentrou o palácio completamente nu, as ilustrações o mostram vestido. Bom para nós rs |
Sem se preocupar com as normas de etiqueta, Bajie entrou completamente nu no Palácio de Cristal de Água e ocupou o assento principal.
— Ouvi dizer, meu caro marechal — disse o Rei Dragão —, que escapou da sentença de morte graças à sua decisão de abraçar a fé budista e ao seu compromisso de acompanhar o monge Tang ao Paraíso Ocidental para obter as escrituras sagradas. Posso perguntar o que o trouxe até aqui?
— Estava prestes a contar — respondeu Bajie. — Sun Wukong, meu irmão de fé, queria, em primeiro lugar, lhe transmitir sua mais respeitosa saudação, e, em segundo, pedir que entregasse a ele um certo tesouro que o senhor tem escondido aqui.
— Lamento muito — desculpou-se o Rei Dragão —, mas, na verdade, aqui não tenho nenhum tesouro. Não sou tão rico quanto os Reis Dragão de rios tão importantes como o Yangtse, o Amarelo, o Huai e o Ji. Eles podem voar pelos ares e se metamorfosear na criatura que desejarem. Não é à toa que são donos de tesouros cujas origens remontam ao princípio dos tempos. Eu, por outro lado, estou aqui trancado há sei lá quantos séculos, tanto que já esqueci como eram o sol e a lua. Onde eu poderia arranjar tal tesouro?
— Deixe de desculpas e traga o que lhe pedi imediatamente — pressionou Bajie.
— Eu lhe asseguro que não tenho nenhum tesouro — insistiu o Rei Dragão. — Como quer que eu lhe entregue o que não possuo? Se quiser, pode verificar por si mesmo.
— Tudo bem — concluiu Bajie. — Não esperava menos de vossa parte.
O Rei Dragão se dirigiu para o interior do palácio, seguido por Bajie. Depois de deixarem o Palácio de Cristal de Água, adentraram um corredor imenso, onde encontraram um cadáver que deveria medir cerca de um metro e oitenta de altura.
— Este — disse o Rei Dragão, apontando com a mão — é o único tesouro que temos aqui.
Bajie se aproximou e viu que se tratava de um rei morto. Ele ainda usava a coroa e uma túnica vermelha característica, além de botas de excelente qualidade e um cinturão de jade. O corpo parecia estar ali há muito tempo, pois estava rígido como pedra. Bajie passou a mão pelo nariz e comentou:
— Isso não é nenhum tesouro. Lembro-me de que, nos meus tempos de monstro, me alimentava exatamente de cadáveres como esse. Não me perguntem quantos devorei ao longo da vida, pois não me lembro. O que posso afirmar é que foram muitos. Insisto, é difícil de acreditar que considerem como um tesouro algo que não tem absolutamente nenhum valor.
— Parece que não estão cientes do que aconteceu aqui — afirmou o Rei Dragão. — Este, na verdade, é o cadáver do Senhor do Reino do Galo Negro. Quando ele chegou ao fundo deste poço, tomei a liberdade de mumificá-lo com uma pérola conservadora, para que a água não o desintegrasse. Tenho certeza de que, se o levarem ao Grande Sábio, Sósia do Céu, que, aliás, está muito interessado em trazê-lo de volta à vida, conseguirão algo mais do que um tesouro. Assim que ele ressuscitar, vocês serão inundados de riquezas e honrarias.
— Nesse caso — concluiu Bajie, mais animado —, eu o levarei. Mas quem vai pagar pelo transporte?
— Receio que eu não possa — respondeu o Rei Dragão. — Como já mencionei, não tenho dinheiro.
— Essa é boa! — reclamou Bajie. — Aqui todo mundo quer que eu faça as coisas de graça. Já estou cansado de trabalhar sem receber nada em troca!
— Se não está disposto a carregá-lo — concluiu o Rei Dragão —, o melhor que pode fazer é ir embora.
Bajie fez isso sem se despedir nem agradecer. Mesmo assim, o Rei Dragão ordenou a dois yaksas fortes que pegassem o cadáver e o jogassem para fora do Palácio de Cristal de Água. Ao chegarem à porta, arrancaram a pérola que repelia os líquidos e, instantaneamente, as águas se lançaram sobre o cadáver, como se fossem um torrente. Ao ouvir o estrondo, Bajie olhou para trás, mas não conseguiu ver a porta do Palácio de Cristal de Água. A pressão da água era sufocante e, desesperado, esticou os braços, conseguindo se agarrar ao cadáver do rei. Bajie sentia uma profunda repulsa pelos mortos, mas aquela era a única maneira de escapar da morte por afogamento. O cadáver subia, de fato, para a superfície com a velocidade de uma flecha. Assim que a cabeça de Bajie saiu da água, ele lutou com todas as suas forças para se agarrar às paredes escorregadias do poço, enquanto gritava:
— Baixe o bastão de ferro e me salve!
— Você encontrou o tesouro? — perguntou o Peregrino.
— Esse morto de que você fala é exatamente o tesouro em que eu estava interessado — confessou o Peregrino. — Por que não o sobe para cá?
— Como assim, por quê? — protestou Bajie. — Este homem deve estar morto há muito tempo. Não me atrevo a carregá-lo!
— Bem, isso é com você — concluiu o Peregrino. — Eu vou embora.
— Posso saber para onde? — gritou Bajie, alarmado.
— Para o monastério descansar um pouco — respondeu o Peregrino.
— Quer dizer que não vai esperar por mim? — gritou Bajie novamente.
— Se subir, sim — respondeu o Peregrino —, mas, pelo visto, você é incapaz de fazer isso.
— Espere um minuto! — bradou Bajie, aterrorizado diante da perspectiva de ter que escalar sozinho as paredes do poço. — Não entende? Isso é muito pior do que subir pelas muralhas da cidade. Para começar, é mais longo, termina em uma boca pequena e é totalmente redondo. E, para piorar, há muito tempo ninguém tira água desse poço, e as paredes estão cobertas de musgo, o que as torna ainda mais escorregadias. Como vou sair daqui, se não me ajudar? Apelo aos seus sentimentos fraternos. Por minha parte, estou disposto a carregar esse morto.
— Isso parece melhor — disse o Peregrino. — Faça isso logo, para que eu possa me retirar e descansar de uma vez.
O cadáver havia voltado a se afundar, e Bajie teve que meter novamente a cabeça na água. Não demorou a encontrá-lo. Carregou-o nas costas e nadou com força em direção à superfície. Lá, voltou a se apoiar nas paredes escorregadias e gritou:
— Já estou com ele.
O Peregrino olhou dentro do poço e viu que, de fato, o cadáver do rei descansava sobre as costas de Bajie. Só então ele se dispôs a por o bastão na água. Bajie estava no limite de suas forças. Ao ver o bastão se aproximando, abriu a boca e se agarrou com os dentes em uma de suas extremidades.
Assim, ele finalmente foi elevado até a borda do poço. Tão logo se sentiu em terra firme, Bajie deixou o cadáver cair no chão e vestiu-se com os trapos que estavam no mesmo local onde os havia deixado. Enquanto se vestia, o Peregrino se aproximou do rei. Para sua surpresa, verificou que ele estava intacto, como se ainda estivesse vivo.
— Como é que ele não apodreceu, se está morto há mais de três anos? — perguntou-se o Peregrino, surpreso.
— Parece que você não sabe o que aconteceu — retrucou Bajie. — O dragão do poço me informou que o conservou com a ajuda de uma pérola. Por isso, seus traços não mudaram nem um pouco.
— Que sorte! — exclamou o Peregrino. — Isso quer dizer que a vingança dele vai ser cumprida e, portanto, nós sairemos vitoriosos. Volte a carregá-lo e vamos embora.
— E para onde você quer que eu o leve? — perguntou Bajie, relutante.
— Para que o mestre o veja — explicou o Peregrino.
— Que tipo de vida é esta! — queixou-se Bajie mais uma vez. — Estava dormindo tão tranquilamente, quando esse maldito macaco me enganou com suas palavras, me fazendo fazer um trabalho tão ingrato como este. Quem é que tem a ideia de fazer alguém carregar um morto? Que nojo! Com certeza algum líquido fétido e sanguinolento vai escapar e vai acabar encharcando todas as minhas roupas. Mesmo que eu as lave dez mil vezes, não conseguirei tirar esse cheiro pútrido delas, e terei que jogá-las fora. Como vou usá-las de novo, com todo mundo me olhando com nojo?
— Pare de reclamar — aconselhou o Peregrino. — Carregue-o com cuidado e, quando chegarmos ao monastério, eu lhe dou uma túnica nova. Combinado?
— Você devia ter vergonha! — repreendeu-o Bajie. — Suas roupas são ainda piores que as minhas. Como você tem coragem de me fazer uma proposta dessas?
— Cuidado com o que fala! — resmungou o Peregrino. — Vai carregar o cadáver ou não?
— Não! — respondeu Bajie com um grito.
— Nesse caso, abaixe as calças — ordenou o Peregrino, irritado — para que eu possa te dar vinte ou trinta golpes com o meu bastão de ferro.
— Seu bastão é pesado demais! — exclamou Bajie, tremendo da cabeça aos pés. — Se você me der todos esses golpes, vou acabar igual a esse rei.
— Se você tem tanto medo do castigo — disse o Peregrino —, o melhor que pode fazer é carregar o cadáver e seguir em frente sem reclamar.
Bajie, de fato, tinha um medo terrível de ser açoitado. Tentou disfarçar o quanto pôde sua repulsa e colocou o cadáver nas costas. Assim que saíram do jardim, o Grande Sábio fez um gesto mágico com os dedos, recitou um feitiço e, virando-se para o sudoeste, encheu os pulmões de ar. Ao soltá-lo com toda a força, levantou-se um vento furioso que lançou Bajie para fora do palácio. Não demoraram a deixar a cidade para trás. Aos poucos, porém, o vento foi se acalmando e, por fim, tiveram que continuar o caminho a pé. Embora não dissesse nada, Bajie estava furioso e só pensava em como se vingar do Peregrino.
— Este macaco tem me zombado o quanto quis — pensava enquanto caminhava. — Mas vou me vingar dele assim que chegarmos ao monastério. Direi ao mestre que é imprescindível que o rei volte à vida e, quando esse maldito macaco se mostrar incapaz de fazê-lo, vou convencê-lo a recitar aquele feitiço que lhe causa fortes dores de cabeça. Então, vou rir à vontade e só assim esquecerei do mal que ele me causou.
No entanto, a poucos passos de distância, mudou de ideia e pensou novamente:
— Não, não. Isso não vai funcionar. Ele pode ir até o Rei Yama e conseguir que esse homem volte à vida. Não é a primeira vez que ele faz isso. Preciso preparar tudo de forma que ele não consiga chegar ao Mundo das Sombras. O rei precisa recuperar a vida, mas sem recorrer aos senhores do além.
Ainda refletindo, não tinha terminado seu raciocínio quando chegaram às portas do monastério. Bajie se dirigiu diretamente ao salão do Zen e, deixando cair o cadáver no chão, gritou:
— Mestre, levante-se e venha ver isso!
Sanzang não havia conseguido dormir a noite inteira. Estava justamente comentando com o Monge Sha como o Peregrino havia conseguido arrastar o preguiçoso Bajie. Estava inquieto pela demora, mas ao ouvir as vozes, levantou-se rapidamente e perguntou:
— O que quer que eu veja?
— Este antepassado do Peregrino, que tive de carregar nas costas — respondeu Bajie.
— Maldito idiota! — exclamou o Peregrino. — Desde quando eu tenho antepassados?
— Se esse tipo não é da sua família — respondeu Bajie —, não entendo como você se deu ao trabalho de me obrigar a carregá-lo. Você não faz ideia do quanto isso me custou!
O monge Tang e o Monge Sha verificaram, espantados, que os traços do rei se mantinham tão frescos quanto quando estava vivo. No entanto, isso fez com que a tristeza tomasse conta do mestre, que exclamou, visivelmente pesaroso:
— Em qual vida passada, majestade, ganhou um inimigo tão terrível, que acabou provocando sua morte nesta? Que má sorte ser privado do filho e da esposa! Ninguém sabe do destino fatal, nem mesmo a mulher que passou tantos anos ao lado dele. Como os súditos poderiam oferecer incenso e libações?
O mestre estava tão emocionado que não conseguiu continuar falando. Lágrimas desciam em torrentes por suas bochechas.
— Pode-se saber o que a morte dele tem a ver contigo, mestre? — perguntou Bajie, com um sorriso sarcástico. — Pelo que eu sei, ele não pertence à sua família. Então, por que chorar dessa maneira por ele?
— Para aqueles que renunciaram à família — explicou o monge Tang, com serenidade —, a compaixão é o princípio fundamental que guia nossas vidas. Não consigo entender como pode ser tão insensível.
— Insensível, eu? — defendeu-se Bajie. — Se estou tranquilo, é porque o Peregrino disse que pode trazê-lo de volta à vida. Se não fosse isso, jamais teria concordado em carregá-lo. Pode acreditar.
O mestre, tão facilmente influenciável como sempre, foi enganado por Bajie. Ao ouvir suas palavras, levantou a voz e declarou:
— Se você Wukong, realmente tem o poder de trazê-lo de volta à vida, seus méritos são muito maiores do que os daqueles que erguem um templo de sete andares. Sem contar as vantagens que isso nos traria. Seria como se já tivéssemos prestado nossas reverências a Buda na Montanha do Espírito.
— Não sei como pode acreditar nas bobagens que esse idiota diz! — exclamou o Peregrino, irritado. — Sabem que, quando um homem morre, ele passa por períodos de três ou cinco vezes sete. Antes de reencarnar, ele precisa passar pelo menos setecentos dias purgando os pecados cometidos neste mundo de luz. Como vou trazê-lo de volta, se já se passaram mais de três anos desde sua morte?
— Entendo — disse Sanzang, abatido.
— Não acredite nisso, mestre! — insistiu Bajie, com ressentimento evidente. — Eu sei que ele pode fazer isso. E, para provar, basta usar o feitiço que você e eu conhecemos. Ele é tão eficaz que o Peregrino fará o que for preciso para devolver a vida a esse homem.
Foi o que fez o monge Tang. O macaco começou a sentir uma dor tão insuportável que os olhos quase saltaram de suas órbitas.
Não sabemos como conseguiu trazer o rei morto de volta a vida. Quem desejar descobrir, deverá prestar atenção às explicações oferecidas no próximo capítulo.
CAPITULO XXXIX EM BREVE ...
Notas do Capítulo XXXVIII
- Ru-Lai é o título dado a Buda como Tathagata, que significa "Aquele que vem transformar todos os homens em budas";
- Como forma de respeito e reconhecimento, os chineses costumavam realizar a cerimônia do "ke-tou". Nela, a pessoa se prostrava três vezes seguidas, com o rosto no chão, batendo repetidamente a testa contra o solo;
- Yu-Li é uma região próxima a Tang-Ying, em Henan, onde Wen, o Senhor de Zhou, foi feito prisioneiro;
- Xiao He foi o primeiro-ministro do primeiro imperador da dinastia Han. Ele ajudou de forma eficaz a manter o reino unido, sendo também responsável por importantes reformas legislativas;
- O nome Zhu Bajie soa de maneira semelhante a "oito mandamentos", mas aqui o termo é usado de forma jocosa, pois, na verdade, significa "nove mandamentos".
- Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
- Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
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