21 de novembro de 2012

A Maldição do Sino do Zoo do Rio

۞ ADM Sleipnir


Não são só os urros dos leões que colocam para correr almas do zoológico do Rio de Janeiro. Mais temível que o rei da selva é um antigo sino arraigado na ala administrativa do parque, cujo tilintar é tido como a própria convocação da morte.

Até onde alcança a memória e a inventividade dos funcionários, tocar seu badalo é hábito a ser punido com severidade: todas as vezes em que o ato foi consumado, alguém bateu as botas. À exceção dos animais, protegidos por uma estátua de São Francisco de Assis, faxineiros, garis e auxiliares administrativos – e até celebridades como Michael Jackson e Dercy Gonçalves – parecem ter sucumbido à melodia fúnebre incitada pelos incrédulos.

Dia desses, um gari foi contratado sob condição expressa de não atentar contra o artefato de bronze, que leva a irônica inscrição de Fundição Alegria. O faxineiro não resistiu: num sábado tranquilo, fez o sino soar três vezes. Saiu achando tudo uma grande bobagem até que, na quinta-feira, sua tia não sobreviveu a um atropelamento. O sujeito confessou o “crime” e, diante do pesar, o zoológico apenas o repreendeu.

Não adiantou.

Intrigado, dois dias depois ousou ressoar novamente o badalo maldito. Passadas algumas horas, sentiu uma fraqueza súbita, dores em todos o corpo e tonturas, e foi socorrido pelos funcionários. Mas a misteriosa “doença” só inflamou a descrença do rapaz, que na semana seguinte insistiu em sua missão. Acabou sobrando, cinco dias mais tarde, para o rei do pop, Michael Jackson. Aí ele, enfim se convencei.

“Achava que as mortes não tinham relação com o sina, mas quando o Michael morreu, percebi que tinha ido longe demais”, lembra o funcionário.

O assunto é levado tão a sério que, meses atrás, durante um procedimento rotineiro de conservação do patrimônio, a direção do zoológico determinou que o vaso cônico fosse protegido do badalo por espumas, para evitar qualquer som funesto.

“Eu não tenho essa superstição, mas tinha de prevenir, né”, afirma Sérgio Luiz felippe, presidente do Rio Zoo.

O mesmo tipo de cuidado é observado em manutenções corriqueiras, como a aplicação de verniz: o trabalho que seria feito por uma só pessoa reúne ao menos mais uma, cuja vital função é fiscalizar os movimentos da haste metálica, evitando o contato.

“Quando um funcionário novo chega, é logo alertado. Hoje, mexer no sino dá até suspensão. Primeiro, porque atrapalha o serviço de todo mundo, já que ninguém consegue trabalhar depois de ouví-lo tocar. E, depois, porque a gente respeita e não que ser responsável por mais uma casualidade”, diz uma antiga funcionária que prefere não se identificar, não por medo, mas por vergonha de acreditar no badalo satânico.

A maldição do sino remete aos tempos da escravidão, antes mesmo de a Quinta da Boa Vista, em São Cristóvão, abrigar a realeza portuguesa. Dizem os antigos que lá havia grandes fazendeiros que castigavam seus escravos ao som dos badalos. Antes de se transformar em zoológico, centenas de ano depois, o espaço deu lugar a uma escola para crianças excepcionais e o sino chegou a ser usado – em princípios, sem maiores contratempos – para anunciar o início da aulas. Ao menos, até 1945.

Nessa época, quando o zoológico se mudava para a Quinta da Boa Vista, causou espécie a presença de um homem centenário, conhecido apenas por Lauro, que morava numa das salas transformadas em escritório da Fundação Rio Zoo. O homem, que se negava a deixar o lugar, cuidava com afinco do sino amaldiçoado, ameaçando quem se aproximasse. Acharam prudente deixá-lo quieto e, por vias tortas, ele acabou tornando-se uma espécie de zelador do badalo – ao menos até a sua morte, atribuída a causas naturais, há uns bons anos.

A fama do sino corre, entre funcionários, que temem removê-lo. Os visitantes não compartilham, porém, do mesmo temor – e encontrar alguém que conheça a história parece tão impossível quanto deixar o assunto no ramo das lendas urbanas. Um dos responsáveis pela alimentação dos animais, Upirajara Rijo, apelido Bira (e não Pira), leva nas costas 45 anos de trabalhos no zoo e o peso de ser um dos “antigos”. É a veteranos como ele que se deve, em grande parte, a “conscientização” dos companheiros da gravidade de um badalada.

“O sino é assassino. É batata, é só tocar que morre alguém. Eu nem encosto nele. Olhar não tem problema, mas é só tocas que o sino chama alguma coisa de ruim que vai levar alguém. Não é bom nem falar em tirar ele daqui. Para que mexer com quem está quieto?”

Marcos Delgado, zootecnista e responsável pela alimentação e nutrição dos animais, evita até o contato visual. “Eu não toco, respeito o sino. Se puder, não passo nem perto.”

Estima-se que, em 20 anos mais de 15 almas subiram aos céus após o sino ser tocado. A esposa de um funcionário da oficina do zoológico, que zombava dos poderes ocultos, teria sido uma das vítimas. O irmão de uma auxiliar administrativa se suicidou; o pai de uma arquiteta faleceu; um dos responsáveis pelos projetos de incentivo também se foi , assim como o merendeiro e a mãe de um tratador de animais. Segundo defendem os mais tementes, o poder do sino chega a durar um mês, período que separou o falecimento de Dercy Gonçalves de uma badalada mais debochada.

Diante dos acontecimentos, ninguém mais ousa nem encostar no sino, que jaz com o badalo devidamente amarrado, no meio do pátio.

“A última vez que um engraçadinho tocou, sobrou para o funcionário da jardinagem”, reclama o biólogo Rodrigo de Cerqueira, que entre idas e vindas, trabalha no zoo desde 1992. Convocado a incitar a melodia Cerqueira recuou. “É superstição, mas também nem chego perto.”

O faxineiro que não acreditava na maldição e tocou o sino em três ocasiões. Primeiro, perdeu uma tia. Depois, só não se foi por causa do socorro de colegas do zoo. Por fim, veio o anúncio da morte de Michel Jackson. “Percebi que tinha ido longe demais.” Dercy Gonçalves teria sido outra vítima fatal.


2 comentários:



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