14 de março de 2025

A Jornada ao Oeste: Capítulo L

  ۞ ADM Sleipnir

Arte de Moyi Zhang

CAPÍTULO L:

A NATUREZA SEGUE SENTIMENTOS CONFUSOS ATRAVÉS DA LUXÚRIA E DO DESEJO. O ESPÍRITO ENFRAQUECIDO E A MENTE AGITADA ENCONTRAM UM REI DEMONÍACO.

"O coração deve ser varrido com frequência,
E a poeira das emoções, removida,
Para que o Buda não caia na armadilha do abismo.
Somente quando a essência estiver purificada
Poderá a verdadeira origem ser compreendida.
Aparar a chama da natureza,
Respirar como ensinou o Mestre Caoxi,
Domar o macaco e o cavalo da mente.
Somente quando a respiração fluir serena, dia e noite,
Será possível alcançar a maestria do verdadeiro adepto."

Esses versos fazem parte de um poema tsu intitulado Nan-Kou-Tse, que narra como o monge Tang escapou da armadilha de gelo do Rio que Alcança o Céu e conseguiu atravessá-lo montado em uma tartaruga branca. Após essa façanha, os quatro monges retomaram a estrada principal e seguiram sua jornada rumo ao Oeste. O inverno já estava bem avançado, e eles, envoltos pela névoa, viam à distância os contornos das florestas e as imponentes montanhas, que se erguiam sobre uma rede de riachos e córregos. Não demorou muito para que se deparassem com uma montanha colossal que bloqueava seu caminho. A trilha havia se tornado extremamente estreita, e, pela inclinação íngreme dos penhascos à frente, era evidente que nenhum cavalo conseguiria subir por ali. 

Imediatamente, Sanzang puxou as rédeas e chamou seus discípulos.

— O que deseja nos dizer, mestre? — perguntou o Peregrino, correndo em direção ao monge, seguido por Bajie e o Monge Sha.

— Perceberam a altura dessa montanha à nossa frente? — questionou o monge Tang. — Ela deve estar cheia de tigres, lobos e todo tipo de feras prontas para nos atacar. Recomendo que fiquem atentos e redobrem a cautela.

— Não se preocupe, mestre — respondeu o Peregrino, tentando tranquilizá-lo. — Estamos unidos como se fôssemos um só, lutando pelo que é justo e verdadeiro. Prometemos dar o nosso melhor para enfrentar qualquer monstro que cruze o nosso caminho. Quanto aos tigres e lobos, não há por que temer.

Sanzang sentiu-se mais tranquilo ao ouvir aquelas palavras e esporeou o cavalo para iniciar a subida. o demorou muito para percebem que o mestre estava certo: a travessia se revelou extremamente difícil. A montanha era tão alta que parecia tocar o céu, erguendo-se como uma torre gigantesca que até as nuvens tinham dificuldade para passar. Os penhascos eram igualmente imponentes, às vezes lembrando tigres ferozes em guarda. Em alguns pontos, pinheiros centenários se erguiam com majestade, parecendo dragões prestes a alçar voo. Escondido entre as rochas, um pássaro cantava uma melodia belíssima. As ameixeiras que cresciam entre os rochedos exalavam um perfume doce e envolvente. Ao longe, o estrondo das torrentes parecia um eco distante da fúria das nuvens contra o pico da montanha. No topo, a neve reinava como uma soberana tirânica, lançando ventos cortantes que faziam os tigres rugirem de fome. Nas áreas cobertas de gelo, as pegas não conseguiam encontrar seus ninhos, e os cervos vagavam sem um lugar para descansar. Os viajantes, lutando contra o frio intenso, mal conseguiam dar um passo sem abaixar a cabeça para se proteger do vento gélido. No entanto, ignorando todas as adversidades, os quatro monges continuaram sua escalada, tremendo de frio. 

Quando finalmente chegaram ao outro lado da montanha, avistaram à distância o que parecia ser uma torre e algumas casas de aparência peculiar. 

O monge Tang puxou as rédeas de seu cavalo e disse aos discípulos:

— Estou com tanta fome e tanto frio que não imaginam a alegria que sinto ao ver essas construções à frente. Deve ser um vilarejo, um templo ou um mosteiro. Vamos até lá pedir um pouco de comida. Seguiremos viagem assim que tivermos algo no estômago.

O Peregrino arregalou bem os olhos e percebeu que o lugar tinha um ar sinistro, envolto em uma névoa densa que parecia anunciar algo ruim.

— Esse não é um bom lugar, mestre — disse ele, virando-se para o monge Tang.

— Por que não? — questionou Sanzang. — Não há pessoas vivendo ali?

— Como posso explicar? — respondeu o Peregrino, sorrindo. — Ao longo do caminho para o Oeste, há incontáveis demônios e monstros com poder suficiente para erguer vilarejos e casas apenas para atrair viajantes incautos. Você já deve ter ouvido o ditado: "um dragão pode gerar nove tipos diferentes de filhos". Um deles é uma ostra gigante (1), cuja respiração brilha como relâmpagos e, às vezes, assume a forma de casas e edifícios. Se pássaros ou corvos passarem voando por ali e pousarem nesses falsos vilarejos para descansar, são imediatamente devorados. Trata-se de uma armadilha incrivelmente engenhosa. A razão pela qual aconselhei a não nos aproximarmos desse lugar é que ele está envolto em um ar carregado de maus presságios.

— Entendo — concluiu Sanzang. — Então não entraremos ali. No entanto, preciso dizer que estou com uma fome terrível.

— Nesse caso — respondeu o Peregrino —, desça do cavalo e sente-se no aqui enquanto vou procurar algo para você comer.

Sanzang concordou com a ideia e desceu do cavalo. Enquanto Bajie cuidava do cavalo, o Monge Sha colocou a bagagem no chão, pegou a tigela de esmolas e a entregou ao Peregrino.

Pelo que há de mais sagrado, não saiam daqui — aconselhou Wukong ao Monge Sha. — Cuidem bem do mestre e esperem até que eu volte para seguirmos viagem.

O Monge Sha prometeu seguir a recomendação à risca, mas o Peregrino ainda não estava tranquilo e insistiu, voltando-se para Sanzang:

— Aquele lugar à frente traz mais presságios ruins do que bons. Peço que fiquem exatamente aqui enquanto vou mendigar um pouco de comida, entendido?

— Não precisa repetir tantas vezes — repreendeu Sanzang. — Apenas vá e tente não demorar.

O Peregrino despediu-se dos três companheiros, mas, antes de partir, voltou-se mais uma vez em direção ao mestre e disse:

— Sei que é difícil para você ficar parado no mesmo lugar por muito tempo. Se me permitir, oferecerei uma proteção extra.

Então, o Peregrino tirou de trás da orelha o seu bastão de ouro e desenhou um grande círculo no chão. Em seguida, pediu ao monge Tang que se sentasse no centro, enquanto Bajie e o Monge Sha permaneciam de pé ao lado dele. O cavalo e a bagagem também foram colocados dentro do círculo, a poucos passos de distância.

O Peregrino juntou as mãos na altura do peito e, inclinando-se diante do monge Tang, declarou:

— Este círculo que tracei é tão resistente quanto um muro de aço. Os habitantes desse vilarejo, sejam tigres, lobos, espíritos ou demônios, não ousarão se aproximar de vocês. Mas, para que sua proteção seja realmente eficaz, precisam permanecer dentro dele o tempo todo. Se ficarem aqui, nada de mal lhes acontecerá. Porém, se ignorarem minhas palavras e saírem da proteção do círculo, estarão em grande perigo. Pelo que há de mais sagrado, por favor, sigam minhas instruções!

Sanzang e os outros dois discípulos prometeram seguir as instruções à risca e sentaram-se, sérios, dentro do círculo. Mais tranquilo, o Peregrino montou em uma nuvem e partiu em direção ao sul, em busca de um lugar onde pudesse conseguir um pouco de comida.

Não demorou muito para que ele avistasse um vilarejo cercado por árvores altas e antigas. Desceu da nuvem e, observando com atenção, percebeu que a neve havia ressecado os salgueiros, enquanto o gelo petrificava os lagos. Alguns bambus ainda resistiam ao frio, balançando levemente ao vento, e as copas densas dos pinheiros mantinham seu verde intenso. À sombra dessas árvores, havia algumas cabanas com telhados feitos de galhos, todos cobertos de geada. Perto delas, uma ponte meio destruída e abandonada completava a cena. As cercas que separavam as casas estavam cheias de narcisos prestes a florescer, e dos beirais pendiam elegantes pingentes de gelo. O vento gelado penetrava até os ossos, mas trazia um aroma peculiar. Apesar da espessa camada de neve cobrindo o vilarejo, as ameixeiras estavam repletas de flores. A beleza daquela paisagem chamou a atenção do Peregrino. 

Enquanto ele observava tudo com admiração, uma das portas de madeira rangeu ao se abrir, e um ancião apareceu. Ele usava um gorro de lã, uma túnica surrada e um par de sandálias de palha. Caminhava apoiado em um bastão e, ao levantar os olhos para o céu, exclamou:

— Veja só, o vento do noroeste está começando a soprar! Isso significa que amanhã o tempo estará bom.

Mal terminou de falar, um pequeno cão pequinês surgiu atrás dele e correu em direção ao Peregrino, latindo furiosamente. O ancião virou-se e se deparou com Wukong, que estava parado bem atrás dele, segurando a tigela de esmolas. O Peregrino então inclinou-se respeitosamente e disse:

— Sou um humilde monge, senhor, enviado pelo Grande Imperador da dinastia Tang, das Terras do Leste, ao Paraíso Ocidental em busca das escrituras sagradas de Buda. Ao passarmos por esta região, meu mestre sentiu fome, e por isso vim até sua respeitável morada para pedir um pouco de comida vegetariana.

O ancião sacudiu a cabeça e, batendo algumas vezes o bastão no chão, respondeu:

— Parece que escolheu o caminho errado.

— Não acredito que seja esse o caso — retrucou o Peregrino.

— O caminho que leva ao Paraíso Ocidental passa a mais de três mil quilômetros ao norte daqui — explicou o ancião. — Acho que, antes de pedir esmolas, você deveria se preocupar em encontrar a trilha certa.

— O senhor tem razão — disse o Peregrino, sorrindo. — De fato, ele passa ao norte daqui. Mas não se preocupe, meu mestre está sentado bem próximo a ele, esperando ansioso que eu volte com a comida.

— Você não sabe o que está dizendo! — repreendeu o ancião. — Se é verdade que seu mestre está esperando para comer, ele pode acabar morrendo de fome. Levaria seis ou sete dias de caminhada sem parar para percorrer mil quilômetros. E isso considerando um viajante experiente. A volta levaria o mesmo tempo, no mínimo. Acha mesmo que seu mestre conseguiria ficar quinze dias sem comer nada?

— Para falar a verdade — explicou o Peregrino, rindo —, não faz nem meia hora que me despedi do meu mestre. Na verdade, cheguei aqui no tempo exato de tomar uma xícara de chá. Assim que conseguir a comida, voltarei para o lado dele na mesma velocidade, e ele poderá comer tranquilamente o que eu trouxer.

Ao ouvir isso, o ancião ficou apavorado e, tremendo, murmurou para si mesmo:

— Só pode ser um espírito maligno!

Em seguida, virou-se e correu para dentro de casa. No entanto, o Peregrino foi mais rápido, segurou-o pelo braço e perguntou:

— Para onde pensa que vai? Se tem algo para comer, peço humildemente que me dê logo como esmola.

— Não, não — respondeu o ancião, balançando a cabeça. — Não posso lhe dar nada. Vá mendigar em outra casa.

— O senhor não está sendo muito generoso — retrucou o Peregrino. — você mesmo disse que o caminho para o Oeste está a mais de mil quilômetros daqui. Se me obrigar a bater em outra porta, terei que viajar essa mesma distância novamente, e então meu mestre pode, de fato, morrer de fome.

— Minha família é composta por seis ou sete pessoas — explicou o ancião — e acabamos de colocar cerca de três quilos de arroz para cozinhar. Ainda não deve estar pronto, mas, mesmo assim, peço que vá procurar comida em outro lugar.

— Os antigos costumavam dizer — afirmou o Peregrino — que "não é o mesmo sentar-se em casa do que visitar três". Sendo assim, ficarei por aqui descansando até que o arroz esteja pronto.

Ao perceber a insistência do Peregrino, o ancião ficou furioso. Então, ele pegou o bastão e começou a golpeá-lo. O Peregrino, no entanto, permaneceu impassível, deixando que o velho lhe batesse na cabeça sete ou oito vezes seguidas. Para ele, aquilo não passava de uma leve coceira.

— Que cabeça dura tem esse monge! — exclamou o ancião, surpreso. — Parece feita de ferro!

— Pode me bater o quanto quiser — disse o Peregrino, sorrindo. — Mas é bom lembrar o número de golpes, porque cada um vai lhe custar uma medida de arroz. Então, vá com calma e conte direitinho.

Assustado, o ancião soltou o bastão e correu para dentro de casa, gritando como um louco:

— Um espírito! Um espírito!

Os moradores da casa ficaram apavorados e rapidamente trancaram portas e janelas. Observando a pressa com que agiram, o Peregrino murmurou para si mesmo:

— Aquele ancião disse que haviam acabado de lavar o arroz e o colocaram para cozinhar. Será que é verdade? Como diz o ditado: "os taoístas mendigam dos ricos, e os budistas, dos tolos". Acho que vou dar uma olhada para conferir.

O Peregrino fez um gesto mágico com os dedos e, no mesmo instante, tornou-se invisível. Dessa forma, não teve dificuldade em chegar até a cozinha. 

De fato, havia um grande caldeirão no fogo, cheio de arroz até a metade. Ele mergulhou a tigela de esmolas no recipiente e a retirou repleta de comida. Com seu objetivo cumprido, montou  novamente em uma nuvem e retornou ao lado de seu mestre.

Enquanto isso, o monge Tang começava a ficar cada vez mais impaciente com a demora do Peregrino. Sem esconder o descontentamento, perguntou com certa irritação:

— Onde será que aquele macaco foi mendigar arroz?

— Quem sabe! — exclamou Bajie, no mesmo tom. — Provavelmente está se divertindo no lugar onde foi buscar comida, enquanto nós ficamos aqui, presos como se fossemos prisioneiros.

— O que quer dizer com isso? — indagou Sanzang, franzindo a testa.

— Não sabe que os antigos traçavam um círculo no chão para delimitar uma prisão? Pois foi exatamente isso que ele fez com o seu bastão de ferro, e ainda teve a audácia de dizer que essa proteção era mais forte do que um muro de aço. Mas eu pergunto: de que adianta esse círculo quando aparecerem os tigres e outras feras desta montanha? Vamos acabar servindo de refeição e nada mais.

— O que sugere que façamos, Wuneng? — questionou Sanzang, pensativo.

— Como pode ver — respondeu Bajie —, este lugar não nos protege nem do frio, nem do vento. Se concordarem, podemos retomar a viagem e seguir pelo caminho do Oeste. Se Wukong encontrar comida, ele virá voando em sua nuvem e nos alcançará num piscar de olhos. Quando isso acontecer, podemos parar e comer o que ele trouxer. Mas se continuarmos parados aqui, vamos acabar congelando os pés.

Infelizmente, Sanzang deu ouvidos às palavras de Bajie. Acabou concordando, e os três deixaram o círculo quase ao mesmo tempo. Bajie pegou as rédeas do cavalo, enquanto o Monge Sha se encarregou da bagagem. O mestre, sem se preocupar em montar, seguiu a pé.

Ao continuarem pelo caminho, chegaram diante de uma torre voltada para o sul. Na entrada principal, havia um muro de tijolos pintados, que se conectava a uma porta menor, ornamentada com esculturas de periquitos de cabeça para baixo, pintados em cinco cores. A porta estava entreaberta. 

Bajie amarrou o cavalo a um poste de pedra, enquanto o Monge Sha colocou a bagagem no chão. Sanzang, sensível ao vento gelado, sentou-se no umbral para se proteger do frio.

— Esta deve ser, sem dúvida, a mansão de algum general ou nobre — comentou Bajie, dirigindo-se ao mestre. — Se não há ninguém por perto, é porque todos devem estar lá dentro, se aquecendo. Fiquem aqui enquanto eu vou dar uma olhada.

— Tenha cuidado e aja com cortesia — aconselhou o monge Tang.

— Pode ficar tranquilo — respondeu Bajie. — Desde que me converti e abracei o Zen, tornei-me uma pessoa bem-educada. Não sou como esses tolos que vivem nos povoados.

Dito isso, Bajie amarrou o ancinho à cintura, ajeitou sua túnica de seda azul da melhor forma possível e entrou na torre, caminhando com um ar exageradamente pomposo. Diante dele, abriam-se três salões imensos, com as cortinas erguidas. Tudo estava mergulhado em um silêncio absoluto, sem qualquer sinal de presença humana. Os móveis e utensílios típicos de uma residência pareciam ter desaparecido como por encanto. Ao atravessar os biombos, ele seguiu por um longo corredor que levava a uma construção de dois andares. As janelas do piso superior estavam entreabertas, revelando discretamente cortinas de seda amarela.

— Quem mora aqui — pensou Bajie — deve ter tanto medo do frio que passa o dia inteiro dormindo.

Sem qualquer consideração pelos bons modos, subiu os degraus de dois em dois até o andar de cima. Puxou as cortinas para enxergar melhor e quase caiu para trás de susto. Sobre uma cama de marfim, repousava um esqueleto de um branco pálido. O crânio era grande como um jarro, e os ossos das pernas, retos como lanças, mediam mais de um metro e meio de comprimento.

Quando se acalmou, Bajie não conseguiu conter as lágrimas que escorreram livremente pelo seu rosto. Suspirando e balançando a cabeça, dirigiu-se ao esqueleto e disse:

— Me pergunto se você foi um marechal de uma nação outrora poderosa ou um general de um reino já esquecido. Um herói movido pelo desejo de vitória, e agora não passas de um simples monte de ossos. Suas mulheres e filhos lhe abandonaram. Não restou ninguém para servi-lo. Seus antigos soldados já não queimam incenso em sua honra. Que tristeza vê-lo rejeitado até pela própria carne! Eis o destino final daqueles que cedem às ambições de poder!

Enquanto Bajie se lamentava, percebeu um leve tremular de luz por trás das cortinas e pensou:

— Acho que me enganei. Apesar das aparências, deve haver alguém aqui ainda, queimando incenso de vez em quando.

Ele correu em direção às cortinas e logo percebeu que os feixes de luz vinham, na verdade, de trás de alguns biombos em um cômodo adjacente. Atrás deles, havia uma mesa laqueada, sobre a qual repousavam vários ornamentos de seda ricamente bordados. Bajie pegou-os um por um e contou três ao todo. 

Sem pedir permissão a ninguém, juntou-os e desceu com eles para o andar de baixo. Atravessando rapidamente os salões, Bajie saiu ao ar livre e informou ao mestre:

— Lá dentro não há qualquer sinal de vida. Pelo que pude perceber, trata-se, na verdade, da mansão de um morto. Subi até o topo da torre e só encontrei um esqueleto e algumas cortinas amarelas. Em um cômodo ao lado, achei esses três ornamentos de seda e os trouxe para que os veja. Tenho certeza de que vão nos trazer sorte. Pelo menos, como a temperatura está caindo, podem servir para nos aquecer. Mestre, tire esse manto surrado e vista um desses ornamentos. Assim, não sentirá tanto frio.

— Não, de jeito nenhum! — exclamou Sanzang, recusando-os. — O Livro da Lei diz claramente: "Tomar aquilo que não nos pertence, seja às escondidas ou abertamente, é próprio de ladrões". Se alguém descobrisse o que acabou de fazer, poderíamos ser denunciados às autoridades como bandidos. Portanto, devolva esses ornamentos e coloque-os exatamente onde os encontrou. Ficaremos aqui, abrigados do frio. Quando Wukong voltar, retomaremos a jornada. Aqueles que renunciaram à família não devem se apegar a coisas sem importância.

— Eu garanto que não há ninguém por perto — insistiu Bajie. — Nem mesmo cães ou galinhas sabem que estamos aqui. Quem poderia nos acusar de algo, se apenas nós sabemos o que aconteceu? Não há testemunhas. É como se tivéssemos encontrado esses ornamentos pelo caminho. Por que essa preocupação com "tomar algo às escondidas ou abertamente"?

— Que maneira tola de pensar! — repreendeu Sanzang. — Ainda que os homens não vejam seus atos, acredita que eles passarão despercebidos ao Céu? Xuandi escreveu: "Mesmo que alguém aja contra sua consciência em segredo, Deus tudo vê, pois seus olhos brilham como um relâmpago". Devolva imediatamente esses ornamentos! Não é correto desejar aquilo que não nos pertence.

Bajie não se convenceu. Soltou uma gargalhada e, com um tom de desdém, disse ao monge Tang:

— Desde que tomei forma humana, já vesti muitas roupas, mas nenhuma tão valiosa quanto essas. Se não quer experimentá-las, ao menos deixe que eu o faça. Vou vestir esta e ver se consigo aquecer um pouco as costas. Quando Wukong chegar, eu a tiro e devolvo ao lugar antes de retomarmos a viagem.

— Vendo as coisas por esse ângulo — concluiu o Monge Sha — acho que também vou experimentar uma.

Os dois retiraram suas túnicas e vestiram os ornamentos. No entanto, assim que tentaram ajustá-los, perderam o equilíbrio e desabaram no chão como bonecos. Os ornamentos haviam se transformado, de repente, em uma espécie de camisa de força. Uma energia irresistível os puxava para trás, prendendo seus braços firmemente às costas. Sanzang os repreendeu severamente, mas, percebendo que estavam em perigo, correu para ajudá-los. Seus esforços, no entanto, foram inúteis. Não havia maneira de arrancar aqueles ornamentos.

O alvoroço foi tão intenso que acabou chamando a atenção de um monstro. A torre, na verdade, era uma armadilha criada por ele para atrair e capturar viajantes. Assim que ouviu, de sua caverna, os gritos angustiados dos monges, saiu para ver o que acontecia e, satisfeito, constatou que havia conseguido mais duas vítimas. Imediatamente, chamou seus servos demoníacos, que desmontaram a torre e as demais construções como se fossem meros cenários. O monge Tang, o cavalo e toda a bagagem também foram capturados e levados para o interior da caverna, junto com Bajie e o Monge Sha. 

O monstro estava sentado em um lugar de destaque, para onde conduziram o monge Tang. Ao vê-lo ajoelhado diante de si, perguntou:

— De onde vem para ousar roubar meus ornamentos sem mais nem menos? 

— Este humilde monge — respondeu Tang, soluçando — foi enviado pelo Grande Imperador da Dinastia Tang, das Terras do Leste, em busca das Escrituras Sagradas do Paraíso Ocidental. Ao passarmos por aqui, senti fome e ordenei ao mais velho de meus discípulos que fosse buscar um pouco de comida. Antes de partir, ele sugeriu que ficássemos sentados na montanha e, confesso, se tivéssemos seguido seu conselho, jamais teríamos pisado em sua corte de imortais em busca de abrigo contra o vento. Esses dois discípulos cederam à avareza e tentaram ficar com suas vestes. Meus conselhos para que as devolvessem não surtiram efeito. Queriam apenas aquecer o corpo, mas a desobediência os fez cair nas garras do Grande Rei. Suplico que tenha compaixão de nós e nos permita seguir viagem para que possamos obter as Escrituras. Se atender ao meu pedido, seremos eternamente gratos e falaremos de sua generosidade ao nosso senhor assim que retornarmos às Terras do Leste.

— Ouvi dizer — comentou o monstro, sorrindo com malícia — que, se alguém comer um pequeno pedaço da carne do monge Tang, seus cabelos brancos voltarão a ser negros e todos os dentes perdidos crescerão de novo. Hoje tive a grande sorte de recebê-los em minha casa, sem sequer tê-los convidado. Como esperam que eu poupe suas vidas? No entanto, gostaria de saber o nome do discípulo mais velho e para onde ele foi mendigar comida.

— Nosso irmão mais velho — respondeu Bajie, em tom desafiador — não é outro senão Sun Wukong, o Grande Sábio, Sósia do Céu, que há cerca de quinhentos anos causou uma grande confusão nos domínios celestiais.

O monstro não respondeu de imediato, mas foi tomado pelo medo e pensou consigo:

— Há muito tempo ouço falar dos poderes extraordinários desse sujeito. Jamais imaginei que acabaria tendo que enfrentá-lo em uma situação como esta.

Em seguida, ergueu a voz e ordenou a seus servos:

— Amarrem-os com cordas novas e levem-os para os fundos da caverna! Assim que capturarmos esse outro discípulo, cozinharemos todos e os devoraremos!

Os demônios obedeceram prontamente, amarrando os prisioneiros com firmeza antes de arrastá-los para os fundos da caverna. O cavalo foi trancado nos estábulos, e a bagagem, armazenada em um depósito. Depois disso, todos os habitantes da caverna afiaram suas armas e aguardaram a chegada do Peregrino.

Quando Wukong finalmente retornou ao local na montanha onde havia deixado o monge Tang e os demais, encontrou o lugar completamente vazio. Todos haviam desaparecido. O círculo que ele havia desenhado com o seu bastão de ferro ainda era visível, mas dentro dele não havia ninguém, nem mesmo o cavalo. Preocupado, olhou para onde antes estavam a torre e as construções e percebeu que também haviam sumido. No lugar delas, restavam apenas algumas rochas de formas estranhas.

— Só pode ser isso! — exclamou o Peregrino, desolado. — Eles caíram exatamente no perigo que eu havia previsto!

Seguindo as pegadas do cavalo, percorreu cinco ou seis quilômetros pelo caminho que levava para o Oeste, mas não encontrou mais nenhum sinal de seus irmãos. Quando já se sentia desanimado, ouviu, ao longe, uma voz na direção norte da encosta. Aproximou-se para dar uma olhada e viu um ancião trajando uma túnica de lã e um gorro, aparentemente muito quente. Usava botas quase novas de couro e se apoiava em um bastão com uma empunhadura que se assemelhava à cabeça de um dragão. Ao seu lado, caminhava um jovem criado.  O ancião também carregava um ramo de ameixeira coberto de botões e, enquanto caminhava, murmurava uma espécie de canção. O Peregrino deixou a tigela de esmolas no chão e, inclinando-se respeitosamente diante do ancião, disse:

— Este humilde clérigo tem o prazer de cumprimentá-lo.

— De onde vêm? — perguntou o ancião, retribuindo o cumprimento.

— Viemos da Terra do Leste — respondeu o Peregrino — e estamos a caminho do Paraíso Ocidental em busca das escrituras de Buda. Somos quatro monges em uma grande missão. Como meu mestre estava há dias sem comer, saí para procurar comida vegetariana. Aconselhei-o a esperar em um canto da montanha, mas, quando voltei, ele e meus dois irmãos haviam sumido. Não sei para onde foram. Posso perguntar se os viu por aqui?

— Um deles tinha o focinho muito longo e grandes orelhas? — indagou o ancião.

— Sim, sim — respondeu o Peregrino rapidamente.

— E o outro, com uma aparência sombria, estava puxando um cavalo, no qual viajava um monge de rosto pálido e aparência robusta? — perguntou novamente o ancião.

— Sim, sim — repetiu o Peregrino.

— Vocês tomaram o caminho errado — sentenciou o ancião. — Aconselho que não perca tempo tentando encontrá-los e fuja imediatamente, se quiser salvar sua vida.

— O monge de rosto pálido é meu mestre — explicou o Peregrino —, e os outros dois são meus irmãos. Todos compartilhamos o mesmo desejo de chegar ao Oeste e obter as escrituras. Como posso simplesmente desistir de procurá-los?

— Há alguns anos — relatou o ancião — passei por esta região e sei que o caminho que tomaram os levou diretamente para as garras de um monstro terrível.

— Diga-me quem é esse monstro e onde ele vive, para que eu possa resgatá-los — implorou o Peregrino.

— Esta é a Montanha do Elmo de Ouro — respondeu o ancião —, e nela se encontra a caverna de mesmo nome, lar do Grande Rei Búfalo de Um Chifre (2). Ele possui imensos poderes mágicos e é um mestre consumado nas artes marciais. Se seus companheiros caíram em suas mãos, é provável que já tenham perdido a vida. Sugiro que desista dessa busca, se quiser escapar da morte. Não vá, por favor! Não quero decidir por você, entenda. Só que eu realmente não gostaria de vê-lo morto. A decisão final, claro, é sua.

— Agradeço sua preocupação — replicou o Peregrino, inclinando-se várias vezes em forma de respeito —, mas não posso abandoná-los.

Então, o Peregrino se preparou para dividir o arroz que havia conseguido no vilarejo ao sul com o ancião, mas este empurrou a tigela de esmolas com seu bastão. Em seguida, tanto ele quanto o criado se ajoelharam e, revelando sua verdadeira identidade, começaram a bater a testa no chão, dizendo:

— Não ousamos esconder nada de vossa grandeza, Grande Sábio. Na verdade, somos apenas o deus da montanha e o espírito local desta região. Assim que soubemos de sua chegada, corremos para recebê-lo. Permita-nos cuidar de sua tigela de arroz enquanto o senhor exibe seu extraordinário poder. Quando tiver libertado o monge Tang, entregaremos a oferenda a ele, para que compreenda o respeito e a devoção que lhe dedicam.

—Vocês mereciam ser espancados, espíritos ignorantes! — bradou o Peregrino, furioso. — Se já sabiam que eu estava aqui há tanto tempo, por que não vieram me receber antes? E mais, podem me explicar por que usaram disfarces tão ridículos?

— Sabendo que o senhor possui um temperamento forte — confessou o espírito local —, não ousamos encará-lo diretamente. Preferimos aborda-lo com meio desse disfarce que, como bem disse, é de gosto duvidoso.

— Está bem — disse o Peregrino, controlando sua ira. — Desta vez, não vou espancá-los. Mas cuidem bem dessa tigela de esmolas e me ajudem a capturar o monstro.

O espírito local e o deus da montanha assentiram, sem objeções. O Grande Sábio ajustou sua túnica de pele de tigre à cintura com o cinto, ergueu seu bastão de ouro e correu para o interior da montanha, em busca da caverna do monstro. 

Ao passar por um desfiladeiro, percebeu que as rochas tinham formas ainda mais estranhas do que em outras partes. Logo abaixo de um penhasco esverdeado, havia duas portas de pedra. Diante delas, uma horda de demônios armados com lanças e espadas montava guarda. O ambiente era envolto em uma névoa densa e ameaçadora; o musgo adquirira um tom azul intenso, as rochas eram abruptas e escarpadas, e os caminhos sinuosos pareciam as caudas entrelaçadas de serpentes. Apesar do cenário hostil, os macacos gritavam incessantemente, os pássaros cantavam sem parar e fênices dançavam aos pares, como se estivessem em Peng-Ying (3). Um bosque de ameixeiras, voltado para o leste, começava a florescer, enquanto os bambus, aquecidos pelo sol, exibiam o verde exuberante de suas folhas. A neve acumulava-se no fundo dos desfiladeiros como poeira, congelando as correntes d'água. Ao longe, viam-se dois bosques de pinheiros e cedros milenares. Nas proximidades, ramos de chá avermelhado brotavam entre as pedras. Sem se deter para contemplar a paisagem, o Grande Sábio aproximou-se das portas da caverna e, levantando a voz, bradou, furioso:

— Escutem, demônios! Entrem logo na caverna e avisem ao seu senhor que Sun Wukong, o Grande Sábio, Sósia do Céu e discípulo do monge sagrado da corte dos Tang, acabou de chegar. Digam a ele que, se quiser que todos vocês continuem vivos, deve libertar meu mestre imediatamente.

Os demônios então correram para dentro da caverna e disseram ao seu senhor:

— Grande Rei, lá fora há um monge com o rosto coberto de pelos e uma boca enorme. Ele se chama Sun Wukong, o Grande Sábio, Sósia do Céu, e exige a libertação imediata de seu mestre.

— Finalmente, ele está aqui! — exclamou o monstro, visivelmente satisfeito. — Desde que abandonei meu antigo palácio e desci à terra, nunca tive a chance de praticar minhas artes marciais. Agora, enfim, poderei enfrentar um adversário à minha altura.

Sem perder tempo, ordenou que trouxessem suas armas. Os demônios começaram a gritar animados e, em poucos instantes, retiraram uma lança com mais de quatro metros de comprimento, entregando-a ao seu senhor. O monstro então ergueu a voz e declarou:

— Todos devem seguir minhas ordens. Quem avançar será recompensado, mas quem recuar será punido com a morte.

Os demônios se apressaram em jurar obediência absoluta. Satisfeito com a lealdade de seus servos, o monstro saiu até a entrada de sua caverna e, com um tom arrogante, perguntou:

— Quem é esse tal de Sun Wukong?

O Peregrino observou atentamente o monstro e viu que ele era extremamente feroz e grotesco. Possuía um único chifre bastante danificado, um par de olhos brilhantes, uma pele rugosa e áspera que formava um vinco horrível na região da cabeça, e uma massa de carne escura e brilhante abaixo das orelhas. Como se isso não bastasse, sua língua era tão longa que ele conseguia lamber as próprias narinas, e sua enorme boca abrigava dentes excessivamente amarelados e irregulares. Sua pele estava coberta por uma tonalidade azul estranha, e seus tendões tinham a dureza e resistência do aço. Parecia um rinoceronte ou um boi, embora não fosse capaz de iluminar as águas (4) nem de arar os campos. Apesar de ser capaz de abalar o Céu e a Terra com sua força, ele era completamente inútil para a agricultura. Em suas mãos, azuladas e marcadas por uma espessa rede de tendões escuros, segurava com firmeza uma lança de aço. Bastava um único olhar para entender por que era chamado de Grande Rei Búfalo de Um Chifre.

— Aqui está o seu antepassado, Sun — disse o Peregrino, aproximando-se. — Se libertar meu mestre, nada de mal lhe acontecerá. Caso contrário, cairá morto antes mesmo de escolher onde quer ser enterrado.

— Cuidado com suas palavras! — bradou o monstro. — Quer me explicar que tipo de poderes possui para se atrever a falar assim comigo?

— Maldita besta! — replicou o Peregrino com arrogância. — Parece que você é o único que não conhece os poderes do Rei dos Macacos!

— Seu mestre está sob meu poder — explicou o monstro — porque ousou roubar meus ornamentos e teve o azar de ser capturado. Para sua informação, pretendo cozinhá-lo a vapor. Que tipo de guerreiro você pensa que é para vir até minha porta e exigir a liberdade de alguém como ele?

— Meu mestre é um monge justo e honesto! — exclamou o Peregrino, convicto. — Ele jamais roubaria algo de alguém, muito menos de um monstro desprezível como você.

— Com meu próprio poder, construí uma cidade imortal nos recantos dessa montanha — explicou o monstro. — E seu mestre teve a audácia de entrar lá sem ser convidado. Ele se encantou com tudo o que viu, mas no final acabou levando três ornamentos de seda cobertos de brocados. Se não acredita, pergunte a quem o viu fazer isso, pois há muitas testemunhas. Se fosse uma pessoa justa, estaria do meu lado e o repreenderia como merece. Mas, já que prefere medir forças comigo, faço uma proposta: se aguentar três golpes meus, eu liberto o seu mestre. Caso contrário, você também conhecerá a Região das Sombras!

— Maldita besta! — gritou o Peregrino. — Não precisa se mostrar tão valentão! Quem vai se despedir desta vida é você. Se quer saber o que é bom, venha provar o sabor do meu bastão!

O monstro não temia o combate. Ele ergueu sua lança e tentou desferir um golpe mortal no rosto do Peregrino. Assim, começou uma batalha extraordinária. Quando o bastão com extremidades douradas cortava o ar, seu brilho lembrava as serpentes de luz dos raios. Já os movimentos da lança estriada evocavam a imagem de um dragão emergindo das profundezas do oceano. Os demônios, posicionados em ordem de batalha na frente das portas da caverna, estimulavam os combatentes com o som de seus tambores. O Grande Sábio confiava apenas em sua força para enfrentar um inimigo tão feroz, avançando e recuando com uma destreza incomparável. Frente a ele, a lança do monstro se movia com precisão absoluta, carregada pela força da espiritualidade, mas o bastão de ferro não ficava atrás. Eram dois guerreiros excepcionais travando um duelo singular. O monstro exalava um vapor avermelhado que subia em espirais, ameaçando desencadear uma tempestade. Já os olhos do Grande Sábio lançavam raios que lembravam bordados impossíveis feitos nas nuvens. Nunca teria ocorrido um combate tão terrível, se o grande monge Tang não tivesse sido submetido a uma prova verdadeiramente insuportável.

Por mais de trinta vezes os dois combatentes cruzaram suas armas, sem que houvesse um vencedor. Ao perceber a precisão de Wukong no manuseio do bastão — durante todo o combate, ele não cometeu o menor erro —, o monstro exclamou, saltando de alegria:

— Que macaco mais extraordinário! De fato, não lhe faltam qualidades para lançar os céus em uma confusão total.

O Grande Sábio também estava surpreso com a forma como ele brandia a lança, esquivando-se de todos os golpes com uma habilidade que ele nunca havia visto antes.

— Que espírito fantástico! — exclamou ele. — Com esses poderes, esse monstro poderia até mesmo ser capaz de roubar o elixir!

O combate prosseguiu por mais de vinte rodadas consecutivas. Então, o monstro virou a ponta da lança para o chão e ordenou que os demônios entrassem em ação. Armados com cimitarras, espadas, porretes e lanças, eles avançaram em um ataque feroz, cercando completamente o Grande Sábio. Mas o Peregrino, impassível, apenas gritou:

— Bem-vindos! Era exatamente isso o que eu estava esperando.

Com uma destreza incomparável, ele bloqueou todos os golpes que vinham de frente, de trás, de leste e de oeste, mas os demônios não desistiam. Cansado de tanto lutar, o Peregrino lançou seu bastão ao ar e bradou:

— Transforme-se!

Num instante, o bastão se multiplicou em centenas, depois milhares de outros idênticos, que avançaram sobre os demônios como se fossem cobras voadoras. Ao verem aquilo, os demônios começaram a tremer de medo. Tentando proteger a cabeça e o pescoço da melhor forma que podiam, correram para dentro da caverna. 

Apenas o Grande Rei permaneceu imóvel. Rindo com desprezo, disse:

— Macaco insolente, não se precipite! Observe o meu truque.

Ele então retirou de sua manga um bracelete branco e brilhante e, lançando-o para o alto, bradou:

— Ataque!

Imediatamente, todos os bastões de ferro se fundiram em um só, que foi sugado pelo bracelete. 

O Grande Sábio, de mãos vazias, se viu forçado a dar um salto desesperado para salvar a própria vida. O monstro, satisfeito com sua vitória, retornou à caverna, enquanto o Peregrino, tomado pela vergonha, não sabia para onde ir. Sobre o ocorrido, um poema diz:

"O Caminho cresceu um pé, mas o demônio cresceu dez.
Cegos e perdidos, não viram que a casa era ilusão.
Infelizmente, não havia espaço para o corpo do Dharma:
Em ações e pensamentos, cometeram grande erro."

Não sabemos, por enquanto, como tudo isso terminou. Quem desejar descobrir precisará prestar atenção nas explicações que serão oferecidas no próximo capítulo.


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Notas do Capítulo L

  1. A amêijoa gigante é a lendária Shen, cujo sopro era capaz de criar miragens de vastas cidades na imensa solidão dos oceanos;
  2. Em chinês,  獨角兕大王 (Dújiǎo Sì Dàwáng);
  3. Peng-Ying, juntamente com Ying-Chou e Penglai, é uma das três ilhas onde os imortais têm sua morada;
  4. Conta-se que, durante uma de suas campanhas, Wen-Chiao, da dinastia Tsin, encontrou um rio tão profundo que ninguém conseguia medir a que distância ficava seu fundo. Seus acompanhantes, no entanto, o alertaram de que o rio era habitado por seres muito estranhos, o que ele mesmo confirmou ao iluminar suas águas com chifres de rinoceronte acesos.


  • Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
  • Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
fontes consultadas para a pesquisa:

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Ruby