31 de janeiro de 2024

Alastor

۞ ADM Sleipnir

Arte de Elijuh Jaye

Alastor (grego Αλαστωρ, "espírito vingador") é um nome que, na mitologia grega, refere-se a várias figuras. A principal delas era o espírito personificado (daimon) da rivalidade familiar – a imposição de vingança às gerações mais jovens pelos crimes de seus antepassados. Ele era relacionado às Erínias, as deusas da vingança e retribuição, mas a vingança presidida por Alastor era dirigida contra a família do assassino e não contra o próprio assassino. 


Outras ocorrências do nome

Epiteto de Zeus

Alastor também era um epíteto de Zeus em seu papel como vingador, de acordo com o gramático Hesíquio de Alexandria (vivido por volta do séc V ou VI) e a obra Etymologicum Magnum, cujo autor é desconhecido.

Mortais

Pelo menos três mortais compartilham do mesmo nome. O primeiro foi um príncipe de Pilos e filho do rei Neleu e de Cloris, filha de Anfião. Quando Héracles tomou Pilos, ele matou Alastor e seus irmãos, com exceção de Nestor que se tornaria rei no futuro.  O segundo foi um soldado, também da cidade de Pilos, que lutou sob o comando de Nestor durante a Guerra de Tróia. O terceiro Alastor foi um guerreiro lício que foi companheiro de Sarpedão. Ele lutou na Guerra de Tróia e foi morto durante a batalha pelo herói grego Odisseu.

Cavalo de Hades

Segundo o escritor romano Claudiano (370-440) em sua obra De Raptu Proserpinae ("O Estupro de Prosérpina"), Alastor era o nome de um dos quatro cavalos que puxam a carruagem de Hades (como curiosidade, os outros chamam-se Orfaneu, Nicteu e Eton).

O Rapto de Proserpina, de Christoph Schwartz

Demonologia

O nome Alastor foi posteriormente incorporado à demonologia cristã como um demônio específico. Nesta versão, Alastor também executa a vingança pelos crimes dos pais contra os filhos. Ele também tenta mortais a cometerem assassinatos. De acordo com o Dictionnaire Infernal de Jacques de Plancy, Alastor é o executor de decretos no tribunal de justiça de Lúcifer. Mesmo entre os demônios do inferno, diz-se que ele é excepcionalmente cruel e severo. Em seu Livro da Magia e dos Grandes Pactos (1910), Arthur Edward Waite (1857- 1942) descreve Alastor como o 'Comissário de Obras Públicas do Inferno".

Ilustração de Alastor no Dictionnaire infernal


Cultura Popular

Alastor é frequentemente referido na cultura popular. Nos games, ele aparece nas franquias Devil May Cry (DMC1), Castlevania (Aria of Sorrow e Portrait of Ruin), Viewtiful JoeTitan Quest.

No anime e mangá Shakugan no ShanaAlastor é o Senhor Carmesim a quem Shana está vinculada. Seu verdadeiro nome é "Chama do Céu" (天壌の劫火 Tenjō no Gōka) e ele é o Deus da Retribuição (天罰神Tenbatsushin), um Deus do Reino Carmesim que governa o julgamento e a condenação. Muito temido, Alastor é o mais forte de todos os Lordes Carmesim.

Em Hazbin Hotel (Amazon), Alastor é conhecido como o Demônio do Rádio, sendo um dos mais poderosos demônios do Inferno.

Arte de Vanessa Romeo

fontes:


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29 de janeiro de 2024

Arquetu

۞ ADM Sleipnir

Arte de Mayte Blazquez

Arquetu é um personagem pertencente a mitologia cantábrica, cuja criação foi atribuída pelo etnólogo e escritor espanhol Adriano García-Lomas (1891 - 1972) ao também escritor espanhol Manuel Llano (1898-1931). Ele é descrito como um ancião de longos cabelos ruivos e usando um hábito branco com manchas roxas. Em sua testa, ele possui uma cruz pintada de verde e rodeada por chaves e cadeados. Pendurado em seu ombro direito, ele traz uma bolsa cor de nuvem e sob seu braço esquerdo ele carrega um pequeno baú de bronze polido com decorações de prata e cheio de ouro.

Escultura do Arquetu na Rota Mitológica do Monte Tejas,  na região cantábrica de Besaya

A passos lentos, o Arquetu viaja pelas montanhas e vales da Cantábria, ajudando as pessoas e aconselhando-as a não desperdiçarem suas riquezas, principalmente em farras e víciosAo encontrar alguém que perdeu seus bens por essas causas, ele primeiro o repreende por seu comportamento esbanjador, mas depois fica com pena dele e tira algumas moedas brilhantes do baú e o empresta, para que invista no seu trabalho e o faça dar frutos. Mas se o a pessoa pegar as moedas e gastá-las novamente em seus vícios, o Arquetu a condena a passar o resto de seu dias pedindo esmolas nas estradas.

Arte de Begoña Méndez 


fontes:
  • Monstruos, Duendes Y Seres Fantasticos De La Mitología Cantabra, de Pollux Hernúñez;
  • Entre Anjanas e Duendes - Mitología Tradicional Ibérica, de Mercedes Cano Herrera
  • https://grimoriodebestias.blogspot.com/2022/03/arquetu.html

26 de janeiro de 2024

Bes

۞ ADM Sleipnir

Arte de GAO Yushan

Bes (também conhecido como Bisu ou Aha) é um deus anão pertencente à mitologia egípcia, adorado como um deus da guerra, como um protetor das mulheres grávidas, das crianças e das famílias e ainda associado à sexualidade, ao humor, à música e à dança. 
Embora não tivesse templos nem sacerdotes ordenados em seu nome, ele era um dos deuses mais populares do antigo Egito, sendo frequentemente representado em utensílios domésticos como móveis, espelhos e recipientes ou aplicadores de cosméticos, bem como em varinhas e facas.

Iconografia

Bes era geralmente descrito como um anão gordo e barbudo, com a língua para fora da boca e sacudindo um chocalho. Além disso, suas pernas são arqueadas e sua genitália é totalmente exposta. Ele é sempre representado voltado para a frente, o que na arte egípcia era muito raro. Além dele, só a deusa Hathor era representada dessa forma. Ele geralmente usa uma coroa emplumada e a pele de um leão ou pantera e, ocasionalmente, usa a coroa Atef e é representado como uma divindade alada. Há também uma série de amuletos e representações de Bes que exibem apenas sua cabeça (ainda voltada para a frente), embora a maioria deles date do Terceiro Período Intermediário ou posterior.

Bes era às vezes representado com características felinas ou leoninas e muitas vezes ostenta uma longa cauda, o que levou à especulação de que, em tempos mais antigos, ele não era, na verdade, um anão, mas um leão ou gato erguendo-se nas patas traseiras. Se ele realmente começou como uma divindade felina, isso o ligaria ainda mais a Hathor, que estava muito intimamente associada a Bastet (uma deusa gata) e Sekhmet (uma deusa leoa) e ao "Olho de Rá" (a temível protetora de Rá). Além disso, seu nome pode ser derivado da palavra núbia para gato ("besa") e é escrito usando o determinativo para um mamífero em vez do determinativo de um deus ou homem (a pele da vaca). É igualmente provável que sempre tenha sido visto como um anão com a força e o poder de um gato.


Bes também era ocasionalmente retratado com asas de falcão, com quatro braços, ou usando a coroa hemhem. Em alguns casos, Bes era coroado com um escaravelho ou gato. Estatuetas de Bes em pé sobre dois leões, dois carneiros ou duas esfinges podem evocar o deus-sol surgindo acima do horizonte (Aker). Ainda, representações elaboradas de Bes a partir de textos mágicos mostram uma profusão quase ilimitada de características, como múltiplas cabeças de animais, inúmeras asas, cauda de crocodilo, entre outros.


Papel como protetor e guerreiro

Com o tempo, Bes passou a ser visto como o campeão de tudo que era bom e inimigo de tudo que era mau. Parece que ele era originalmente conhecido como "Aha" ("lutador") porque podia estrangular ursos, leões e cobras com as próprias mãos. Ele é descrito como um demônio, mas não era considerado malévolo. Pelo contrário, ele era um apoiador de Rá, que o protegia de seus inimigos. Como resultado, era um deus da guerra que protegia o faraó e o povo do Egito contra forças do mal. Frequentemente era representado em facas na esperança de que isso estendesse sua proteção ao portador da lâmina. Sua imagem também aparece em inúmeras "varinhas mágicas" e em uma quantidade incrível de amuletos.

Protetor das mulheres, crianças e Deus do Parto

Bes era em particular um protetor das mulheres e crianças e frequentemente era retratado ao lado do jovem Hórus protegendo-o enquanto ele amadurecia. Como resultado, ele também se tornou um deus do parto. Acreditava-se que ele assustava quaisquer espíritos malignos à espreita pela câmara de parto dançando, gritando e sacudindo seu chocalho. Se a mãe estivesse enfrentando um parto difícil, uma estátua de Bes era colocada perto de sua cabeça e sua ajuda era invocada em seu nome.

Bes não só auxiliava no parto como permanecia ao lado da criança após o seu nascimento para protegê-la e entretê-la. Dizia-se que se um bebê ria ou sorria sem motivo, era porque Bes estava fazendo caretas engraçadas. Durante o Império Novo (entre os séc. XVI e XI a.C), ele era uma figura regular entre as ilustrações nas paredes de um mammisi (pequena capela situada ao lado de um templo maior, e associada ao nascimento de determinada divindade).

Arte de One0nlyLarry


Proteção Contra Espíritos Malignos 

Bes também afastava os espíritos malignos que causavam acidentes e provocavam confusão (assim como se acreditava que as gárgulas medievais afastavam os espíritos malignos das igrejas). Muitos antigos egípcios colocavam uma estátua de Bes perto da porta de suas casas para protegê-los de infortúnios. Sua proteção também podia ser invocada tatuando diretamente sua imagem no corpo.

Artistas costumavam fazer tatuagens de Bes por causa de sua associação com a dança e a música. Acredita-se também que prostitutas sagradas egípcias podiam ter uma tatuagem de Bes próxima de sua região púbica com o intuito de prevenir doenças venéreas, mas também é possível que as tatuagens estivessem relacionadas à fertilidade.

A Origem de Bes

Por conta de sua aparência, bem destoante dos demais deuses egípcios, é frequentemente sugerido que Bes não era uma divindade de origem egípcia, mas sim provavelmente semita ou oriunda de alguma outra região da África, sendo integrado ao panteão egípcio durante o Império Médio.

Certamente, Bes era descrito em inscrições como "Vindo da Terra Divina" e era conhecido como o "Senhor de Punt". No entanto, ele também é mencionado em registros encontrados no Alto Egito datando do Império Antigo, sugerindo que ele pode ser egípcio, mas que seu culto não se disseminou até o Império Novo. Atualmente, há evidências insuficientes sobre suas origens para ter certeza de qualquer uma das teorias.


Popularidade e Culto 

Arqueólogos recuperaram inúmeras máscaras e trajes de Bes datados do Império Novo. Acredita-se que esses itens eram usados regularmente e, portanto, podem ter sido de propriedade de artistas profissionais. Neste ponto da história, Bes era frequentemente associado a Taweret (outra divindade que oferecia proteção durante o parto). Na verdade, ele era considerado seu marido até o Período Ptolemaico. Os dois eram tão populares entre o povo comum que amuletos de ambos foram encontrados até mesmo em Akhetaton (a cidade de Aquenáton), apesar da substituição de muitos dos outros deuses pelo deus único Aton.

O culto a Bes atingiu seu auge durante o Período Ptolemaico. Ele aparece em inúmeras representações em templos, milhares de amuletos e talismãs foram feitos à sua imagem, e até mesmo havia oráculos de Bes para permitir que as pessoas se beneficiassem de sua sabedoria. Ele recebeu também uma nova esposa, conhecida como Beset, que era uma versão feminina dele mesmo. Câmaras conhecidas como "Câmaras de Bes" foram construídas com imagens de Bes e uma deusa nua (provavelmente Beset) pintada nas paredes. Acredita-se que essas câmaras eram destinadas a promover a cura, remediar certos problemas de fertilidade ou promover sonhos eróticos. Os romanos também adoravam Bes e o retratavam vestido como um legionário.

Bes também se tornou popular entre os fenícios e no Chipre. Alguns estudiosos tem sugerido que a versão ptolomaica de Bes era na verdade um deus composto feito de dez deuses bastante obscuros: Aha, Amam, Bes, Hayet, Ihty, Mafdjet, Menew, Segeb, Sopdu e Tetenu. No entanto, esta teoria não é amplamente suportada e nenhuma evidência capaz de esclarecer a situação foi recuperada até o momento.

Associações com outros deuses

Bes também foi associado a vários deuses mais poderosos, incluindo Amon, Min, Hórus e ReshepEle era mais frequentemente associado a Hórus, "a criança" (Harpócrates). Bes frequentemente aparecia em amuletos e estelas representando o jovem Hórus e em inscrições destinadas a proteger contra picadas de serpentes, etc. (conhecido como "cippi"). Os dois deuses também formavam a divindade composta Horbes, embora Beset (esposa de Bes durante o período ptolomaico) também tenha sido descrita como a mãe de Hórus. Bes também estava intimamente associado a Hathor, que também era descrita como a mãe ou esposa de Hórus. A deusa era conhecida como a "Senhora de Punt" e também era uma deusa do parto, da dança e da música, compartilhando muitos símbolos iconográficos com Bes.


24 de janeiro de 2024

Sumano

۞ ADM Sleipnir

Sumano (em latim: Summānus) era o deus romano dos trovões noturnos, em contraposto a Júpiter, o deus dos trovões diurnos. Acredita-se que seu nome tem origem no termo Summus Manium "o maior dos Manes"(Manes, para os antigos romanos, refere-se  à almas deificadas de ancestrais já falecidos) ou  em Submanus, "sob mão". 

Um deus, várias interpretações

A natureza exata de Sumano não era clara, nem mesmo para o grande poeta Ovídio. O historiador Plínio acreditava que ele era uma divindade de origem etrusca, e um dos Novensiles (um grupo composto por nove deuses do trovão). O escolar Marcus Terentius Varro, no entanto, lista Sumano entre os deuses que ele considera de origem sabina, a quem o rei Titus Tatius dedicou altares (arae) em consequência de um votum (uma promessa feita a divindade). Paulus Diaconus (Paulo, o Diácono) o considerava um deus do relâmpago.

Para o escritor Martianus Capella, Sumano era outro nome para Plutão como o "mais alto" (summus) dos Manes. Essa identificação foi retomada por escritores posteriores, como Camões ("Se no reino sombrio de Summanus / Agora suportas a mais severa punição...") e Milton, em uma comparação para descrever Satanás visitando Roma: "Assim Summanus, envolto em um redemoinho de chamas azuis, cai sobre pessoas e cidades." Georges Dumézil argumentou que Sumano representaria o elemento estranho, violento e impressionante dos deuses da primeira função, ligados à soberania celestial. O aspecto duplo do poder soberano celestial seria refletido na dicotomia Varuna-Mitra na religião védica e em Roma na dicotomia Summanus-Dius Fidius. Os primeiros deuses desses pares incorporariam o aspecto violento, noturno e misterioso da soberania, enquanto os segundos refletiriam seu aspecto tranquilizador, diurno e legalista.

Templo e Culto 

O templo de Sumano foi erguido durante a Guerra Pírrica, (280–275 a.C.). Ele ficava localizado a oeste do Circo Máximo (latim Circus Maximus), provavelmente na encosta do monte Aventino. A cada 20 de junho, véspera do solstício de verão, bolos redondos chamados summanalia, feitos de farinha, leite e mel e moldados como rodas, eram oferecidos a ele como um sinal de propiciação. Sumano também recebia o sacrifício de dois bois pretos ou carneiros (animais escuros eram normalmente oferecidos a divindades ctônicas).

O teólogo Agostinho de Hipona registrou que, em tempos antigos, Sumano era mais exaltado do que Júpiter, mas com a construção de um templo mais magnífico do que o de Sumano, Júpiter tornou-se mais honrado. 

Cícero relata que uma estátua de argila do deus que ficava no telhado do Templo de Júpiter Capitolino foi atingida por um raio, o qual arrancou sua cabeça. Os harúspices anunciaram que ela havia sido atirada no rio Tibre, onde de fato acabou sendo encontrada. O templo de Sumano em si foi atingido por um raio em 197 a.C.

O Monte Sumano

O Monte Sumano, localizado nos Alpes perto de Vicenza (Veneto, Itália), é tradicionalmente considerado um local dos cultos de Plutão, Júpiter Summanus e os Manes. A área foi um dos últimos redutos da antiga religião romana na Itália, como mostrado pelo fato de que Vicenza não teve bispo até 590 d.C. Escavações arqueológicas encontraram um espaço de santuário que remonta à Idade do Ferro (século IX a.C.) e foi continuamente ativo até a antiguidade tardia (pelo menos no século IV d.C.). A flora local é muito peculiar, porque era costume, nos tempos antigos, que os peregrinos trouxessem oferendas de flores de suas próprias terras natais. O cume da montanha é frequentemente atingido por raios. A montanha em si tem uma profunda gruta chamada Bocca Lorenza, na qual, segundo a lenda local, uma jovem pastora se perdeu e desapareceu. A história pode ser uma adaptação do mito de Proserpina, que foi abduzida por Plutão.

Monte Sumano

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22 de janeiro de 2024

Meret

۞ ADM Sleipnir

Arte de Galgannet

Meret ("A Amada", também escrito Mert ou Merit) é na mitologia egípcia uma deusa associada a alegria, principalmente aquela obtida através do canto e da dança. Ela era geralmente retratada como uma mulher com cabelos longos, com os braços levantados no ato de bater palmas ou de se alegrar, tocando vários instrumentos musicais e usando um cocar de flor de lótus . Ela às vezes tinha uma tigela de oferendas ou um vaso Nemset nas mãos e era especialmente associada à harpa.


Meret era uma esposa simbólica ocasionalmente atribuída ao deus do Nilo, Hapi. Nesse papel, ela geralmente era representada com as mesmas associações de Hapi, usando na cabeça ou a flor de lótus azul para o Alto Egito, ou a planta de papiro para o Baixo Egito. Entre as classes mais baixas, onde o nacionalismo era menos importante do que uma colheita bem-sucedida, Meret era considerada mais fortemente como a esposa de Hapi do que as protetoras do Baixo e Alto Egito (Wadjet e Nekhbet), que eram mais comumente consideradas suas esposas nas classes mais altas. 

19 de janeiro de 2024

Katxeré, a Mulher Estrela

۞ ADM Sleipnir

Arte de Rodrigo Viany (Sleipnir)

Katxeré, a Mulher Estrela (também chamada Katxerê, Catxerê ou Katxedekúi), é uma figura que segundo as crenças do povo indígena Krahô (Craô), habitante no nordeste do Estado do Tocantins, desceu do céu e transformou suas vidas, ensinando-lhes a plantar e preparar milho, batata, inhame, mandioca e amendoim. A lenda a seguir conta como tudo aconteceu.

No interior da tribo Krahô, havia um jovem solteiro que certa noite, como de costume, dormia sob as estrelas no pátio da aldeia. Naquela noite em especial, havia no céu uma estrela que o observava dormir. Apiedando-se do jovem por ele estar dormindo solitário, a estrela decidiu descer do céu e unir-se a ele. Para isso, ela se metamorfoseou em um sapo, pulando em direção ao seu peito. O jovem acordou assustado e, sem pensar duas vezes, agarrou o sapo e o atirou no chão. O sapo pulou novamente em sua direção e o jovem novamente o agarrou e o atirou para longe. O sapo pulou uma terceira vez na barriga do jovem, e quando este estava prestes a agarrá-lo novamente, o sapo revelou sua verdadeira identidade para ele. Ela contou que se chamava Katxeré, e que desceu do céu para que ele não ficasse mais sozinho. Eles então passaram a noite juntos (mas sem se unirem carnalmente).

ilustração por J.Lanzellotti

Ao amanhecer, Katxeré diminuiu de tamanho, tornando-se uma mulher minúscula, e então pediu ao jovem para guardá-la em uma cabaça que ficava pendurada em sua casa. Ela pediu ao jovem que, antes dele sair para caçar, destampasse a cabaça e olhasse para ela, e assim ele o fez. Depois, tampou a cabaça novamente, amarrou sua tampa e a pendurou novamente no lugar. Antes de sair para caçar, ele recomendou que ninguém mexesse nela, mas sua irmã, cheia de curiosidade, abriu a cabaça e descobriu que havia uma minúscula mulher dentro dela. Ao retornar, o jovem foi até a cabaça e, ao examinar o nó tradicional de sua tribo, percebeu que alguém havia violado seu segredo. Furioso, ele declarou que viveria com Katxeré como marido e mulher, e que não dormiria mais no pátio como os solteiros. Ele retirou Katxeré de dentro da cabaça, e ela retomou seu tamanho original.

Na manhã seguinte, eles foram juntos se banhar no rio e avistaram uma árvore cheia de espigas, que estava sendo bicada pelos periquitos. Katxeré ensinou aos Krahô como plantar, colher e preparar o milho, bem como a mandioca, o inhame e o amendoim, que até então eram desconhecidos para eles. Ela também orientou o jovem a criar uma roça, ensinando-o a derrubar com um facão, a capinar e a plantar. Em seguida, disse:

- Agora, vou ao céu, onde vivem meus parentes, buscar mudas de batata, inhame, mandioca e amendoim para plantá-los na roça.

Katxeré então partiu rumo ao céu, mas logo voltou trazendo consigo as mudas que havia prometido. Elas foram plantadas e cultivadas, e os índios adotaram essas plantas para sempre. 

Katxeré volta para o céu

Infelizmente para o jovem e para a tribo Krahô, um ato de violência faria com que Katxeré voltasse aos céus para nunca mais retornar. Certa uma noite em que seu marido estava caçando, cinco homens chegaram à sua casa, e sabendo de sua ausência, abusaram sexualmente de Katxeré, adormecendo depois do ato abominável. Aproveitando-se do sono deles, Katxeré cuspiu na boca de cada um, e todos eles acabaram morrendoQuando seu marido voltou, ela contou-lhe tudo o que havia acontecido, e depois subiu de volta ao céu, para nunca mais retornar.

Uma outra versão dessa lenda diminui o número dos abusadores de cinco para apenas um. Também substitui o ato do cuspe para uma espécie de "poção mágica" que Katxeré faz e convida o povo da tribo a beber. Um por um, eles vão bebendo da poção e morrendo, até os demais ficarem com medo de experimentá-la.

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17 de janeiro de 2024

Iannic-ann-ôd

۞ ADM Sleipnir

Arte de El Mogwai

Iannic-ann-ôd (também Yannig an Aod e Yann-an-Ord, "Pequeno João da costa" na língua bretã) são criaturas espectrais pertencentes ao folclore bretão, ditas serem as almas perdidas daqueles que se afogaram no mar e cujos corpos nunca foram recuperados. Dizem que seus gritos podem ser ouvidos por toda a costa bretã à noite, imitando os gritos de pessoas em perigo na esperança de atrair pessoas para a água.

De acordo com o folclore, se uma pessoa responde uma vez ao chamado de um Iannic-ann-ôd, ele salta metade da distância que os separa em um único salto. Responder ao seu chamado uma segunda vez, faz com que ele salte a metade da distância restante, aproximando-se da pessoa. Se a pessoa for tola de responder seu chamado pela terceira vez, ele irá quebrar seu pescoço e matá-la.



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15 de janeiro de 2024

Tsui-Goab

۞ ADM Sleipnir


Tsui-Goab (Tsũi-||goab) é o ser supremo e o deus dos céus da mitologia dos khoikhoi, (também conhecidos como Khoi, Khoekhoe ou Khoisan), um grupo de povos indígenas do sudoeste da África, principalmente na África do Sul e na Namíbia. A maioria dos estudiosos traduz seu nome como "Joelho Ferido", referindo-se a uma lesão que sofreu em sua batalha com Gaunab, o deus das trevas. Algumas fontes, no entanto, traduzem seu nome como "Alvorecer Vermelho" devido ao seu papel como o deus da aurora e da luz.

Além de atuar como ser supremo, Tsui-Goab também é o deus dos trovões e relâmpagos; os khoikhoi rezam a ele quando precisam de chuva. Ao ouvir uma tempestade se aproximando, algumas tribos se reúnem para cantar um hino de louvor ao deus. Como os relâmpagos dispersam a escuridão, esse fenômeno meteorológico é considerado parte da guerra contínua de Tsui-Goab com Gaunab. Diz-se que Tsui-Goab vive em um "céu belo", enquanto seu arqui-inimigo, Gaunab, "vive em um céu escuro, bastante separado do céu de Tsui-Goab". Como o deus da luz, Tsui-Goab luta contra o deus das trevas todas as noites, trazendo o amanhecer à terra todas as manhãs. 

Segundo a lenda, Tsui-Goab travou uma guerra contra Gaunab. Gaunab era mais forte que Tsui-Goab e conseguiu derrubá-lo diversas vezes. Mas Tsui-Goab se recompôs, ganhando força a cada encontro. Tsui-Goab finalmente conseguiu expulsar Gaunab da terra e de volta para sua casa sombria, conhecida como "Céu Negro". Antes de fugir, no entanto, Gaunab conseguiu machucar o joelho de Tsui-Goab. Desde então, Tsui-Goab anda mancando. A guerra deles continua, com dia e noite lutando continuamente pelo domínio.


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12 de janeiro de 2024

A Jornada ao Oeste: Capítulo XVIII

۞ ADM Sleipnir

Arte de Moyi Zhang


CAPÍTULO XVIII:


MONTE TANG ESCAPA DO PERIGO NO TEMPLO DE GUANYIN. O GRANDE SÁBIO SE LIVRA DO MOSNTRO NA CIDADE DE GAO


Depois de se despedir da Bodhisattva, o Peregrino desceu da nuvem, pendurou a túnica em um cedro próximo e adentrou a Caverna do Vento Negro. No entanto, não encontrou nenhum demônio. Todos haviam fugido apavorados assim que viram quem era a Bodhisattva e o terrível castigo que ela infligia ao seu senhor. Isso não diminuiu a sede de vingança do Peregrino. Espalhou uma grande quantidade de lenha por todos os corredores da caverna e ateou fogo. Em pouco tempo, a Caverna do Vento Negro se transformou na Caverna da Brisa Vermelha. Após concluir a tarefa, o Peregrino pegou a túnica, montou na nuvem e partiu para o norte.

Enquanto isso, Sanzang esperava ansiosamente o seu retorno, perguntando-se impacientemente se a Bodhisattva concordaria em ajudá-los ou se tudo não passava de uma estratégia do Peregrino para abandoná-lo à própria sorte. Esses pensamentos atormentavam seu espírito quando viu uma nuvem vermelha brilhante se aproximando, da qual o Peregrino desceu.

- Mestre! - exclamou o Peregrino, jubiloso, prostrando-se no chão. - Aqui está sua túnica!

Sanzang ficou encantado, assim como os outros monges, que expressaram seu entusiasmo:

- Viva! Nossas vidas não correm mais perigo!

- Ao partir - repreendeu Sanzang, no entanto, dirigindo-se ao discípulo enquanto pegava a túnica -, você disse que estaria de volta após o café da manhã ou, no máximo, por volta do meio-dia. Pode me dizer por que demorou tanto? Imagino que tenha percebido que o sol já está se pondo.

O Peregrino então relatou como havia solicitado a ajuda da Bodhisattva e como juntos haviam dominado o monstro. Ao ouvir isso, Sanzang pegou um pouco de incenso e, virando-se para o sul, ofereceu-o em sinal de gratidão à sua benfeitora. Após a oferta, voltou-se para seu discípulo e ordenou:

- Agora que recuperamos a Túnica de Buda, vamos arrumar nossas coisas e partir o mais rápido possível.

- Por que tanta pressa? - replicou o Peregrino. - Está anoitecendo. Por que não esperamos até amanhã de manhã para continuar nossa jornada?

- O ancião Sun está certo - opinaram todos os monges, ajoelhando-se. - Está escurecendo. Além disso, temos uma promessa a cumprir. Agora que fomos libertados e você recuperou seu tesouro, gostaríamos de compartilhar nossa humilde refeição com vossas ilustres reverências.  (1) Amanhã, poderão continuar sua jornada para o Oeste.

- Fantástico! - exclamou o Peregrino. - Uma ideia realmente excelente!

Os monges tiraram de suas bolsas tudo o que conseguiram salvar do incêndio e presentearam seus ilustres hóspedes. Em seguida, prepararam oferendas vegetarianas, queimaram papel-moeda para os espíritos e recitaram vários trechos das escrituras apropriados para evitar desgraças e assédios do mal. A cerimônia durou até bem tarde da noite. Na manhã seguinte, selaram o cavalo e carregaram as bagagens. Os monges os acompanharam por um longo trecho do caminho. O Peregrino liderava o grupo. 

A primavera tinha chegado com todo o seu esplendor, e os cascos do cavalo deixavam um leve rastro de plantas esmagadas na grama. Os salgueiros estavam cobertos de orvalho, e os pessegueiros se repetiam como um bosque persistente. Vinhas selvagens cresciam delicadamente em todos os lugares. Bandos de patos tomavam sol nas margens dos rios, enquanto as flores mais perfumadas pareciam atrair borboletas. O outono havia passado, o inverno terminado, e a primavera estava em seu auge. Quando finalmente poderiam obter as autênticas escrituras?

Mestre e discípulo vagaram pela floresta por uma semana. Um dia, quase anoitecendo, avistaram uma vila ao longe, e Sanzang exclamou, jubiloso:

- Olhe, Wukong, um lugar habitado! O que acha de pedirmos abrigo e continuarmos a jornada amanhã?

- Antes de decidir - respondeu o Peregrino -, devemos saber se é um lugar bom ou ruim.

Sanzang puxou as rédeas, e o Peregrino examinou a vila com seus olhos poderosos. As casas se agrupavam em aglomerados, protegidas por cercas de bambu. Na frente de cada porta, havia uma árvore que se erguia até o alto. Suas formas elegantes refletiam em um riacho que cortava a vila de um lado a outro. Os salgueiros que ladeavam o caminho exibiam orgulhosos suas copas verdes, competindo em suavidade com o aroma das flores em cada quintal. O crepúsculo rapidamente dava lugar às sombras, enquanto os pássaros não paravam de fazer barulho em seus ninhos. De cada lar subia uma coluna de fumaça branca, enquanto o gado voltava mansamente para os seus estábulos. Porcos e galinhas, lustrosos e bem alimentados, dormiam placidamente à sombra de cada casa. De uma delas emanava uma canção tão melancólica quanto a noite que estava prestes a cair.

- Acho que podemos seguir em frente, mestre - disse o Peregrino após sua rápida inspeção. - Parece uma vila habitada por pessoas boas. Portanto, acredito que é um bom lugar para passarmos a noite.

O monge esporeou o cavalo, e logo chegaram à trilha que levava diretamente à aldeia. Lá encontraram um jovem usando um chapéu de algodão e uma jaqueta azul. Ele segurava um guarda-chuva na mão e um fardo aparentemente pesado nas costas. As calças estavam arregaçadas, revelando um par de sandálias de palha com três laços. Quando o Peregrino o alcançou, ele vinha caminhando a passos largos, como se fosse uma pessoa decidida.

- Para onde você vai com tanta pressa? - perguntou Wukong. - Se não se importa, gostaria que nos dissesse o nome deste lugar.

- Não há mais ninguém nesta vila? - queixou-se o homem, tentando se libertar. - Por que você precisa perguntar isso justo a mim?

- Não fique zangado - aconselhou o Peregrino. - "Aquele que ajuda o outro está, na verdade, ajudando a si mesmo." Pode me dizer qual é o problema em me dizer o nome desta vila? Talvez eu possa ajudá-los a resolver os seus problemas.

Incapaz de se libertar do aperto do Peregrino, o homem estava tão enfurecido que pulava descontroladamente. 

-Amaldiçoado! Estou amaldiçoado! ele gritou. - Como se eu já não tivesse problemas suficientes com os problemas da minha família, ainda tenho a infelicidade de encontrar um sujeito careca como você.

- Eu deixarei você ir se conseguir abrir minha mão - disse o Peregrino, divertindo-se.

O homem se contorceu para a esquerda e para a direita, mas não conseguiu nada. Era como se estivesse firmemente preso por um par de tenazes de ferro. Estava tão furioso que jogou o fardo e o guarda-chuva no chão e tentou, sem sucesso, socar e arranhar o Peregrino. Segurando-o com uma mão e segurando a bagagem com a outra, Wukong o manteve a uma distância segura para evitar ser atingido. Quanto mais ele tentava, mais forte o Peregrino apertava. O homem estava furioso.

- Não há ninguém vindo por aí? - perguntou Sanzang a Wukong. - Por que não pergunta para o próximo que passar e deixa este homem ir?. Não entendo por que você está tão irritado com ele.

- Não entende, mestre? - replicou o Peregrino, rindo. - Se eu deixá-lo ir, a diversão acaba.

Percebendo que era inútil continuar lutando, o homem respondeu finalmente:

- Este lugar é chamado Vila do Senhor Gao e está localizado no Reino do Tibete. A maioria das pessoas que vive nesta aldeia tem o sobrenome Gao, daí o nome. Agora, se não se importa, gostaria de continuar meu caminho.

- Você não está vestido para dar um passeio por aí - respondeu o Peregrino. - Então, me diga a verdade: para onde você está indo e com que objetivo? Se o fizer, prometo que o deixarei ir.

- Pertenço à família do velho Senhor Gao - explicou o homem, percebendo que não tinha escolha a não ser fazer o que lhe era exigido. - Me chamo Gao Cai. A filha mais nova do Senhor Gao tem vinte anos e nunca foi prometida em casamento a ninguém. No entanto, há cerca de três anos ela foi sequestrada por um monstro que a tomou como esposa. Ao Senhor Gao não agradou muito ter um monstro como genro, pois, como ele mesmo disse, a reputação de sua família sofreu um duro golpe e não há maneira de estabelecer relações com a família do marido de sua filha. Quem pode se orgulhar de ter amizade com um monstro? Durante todo esse tempo, ele tentou obter a anulação desse casamento, mas o monstro se recusou firmemente. Além disso, ele manteve a garota trancada nos fundos de sua casa e não a permitiu ver sua família por quase meio ano. Desesperado, o velho me deu algumas onças de prata e pediu que eu encontrasse alguém capaz de ajudá-lo a capturar o monstro. Desde então, não descansei um único dia, e tudo o que consegui foi me encontrar com três ou quatro monges sem valor e taoístas impotentes. Nenhum deles conseguiu dominar a besta. Naturalmente, acabei de levar uma boa reprimenda por minha incompetência. O pior é que só tenho meia onça de prata para continuar procurando. Como vê, só o que me faltava era esbarrar em você, mau presságio, que atrasou minha viagem. Enfim, isso é tudo o que eu queria dizer quando mencionei que os problemas de minha família eram praticamente insolúveis. Agora que contei a verdade, gostaria de seguir meu caminho.

- Você está com sorte - respondeu o Peregrino. - Seus problemas e meus poderes se complementam como o quatro e o seis no jogo de dados. A partir de agora, você não precisará mais continuar viajando nem desperdiçar seu dinheiro. Embora seja difícil acreditar, nós não somos monges sem valor nem taoístas impotentes. Temos, de fato, alguma experiência em capturar monstros. Como bem diz o ditado, "Agora você não só tem um médico atencioso, mas também curou seus olhos". Volte para o chefe de sua família e diga que teve a enorme sorte de encontrar dois monges enviados pelo Senhor das Terras do Leste ao Paraíso Ocidental em busca das escrituras de Buda. Não preciso lembrá-lo que somos especializados em capturar monstros e demônios.

- Não zombe de mim, por favor! - exclamou Gao Cai - Estou farto disso. Espero que compreenda que, se me enganar e não tiver nenhum tipo de poder para capturar monstros, só vai aumentar meus problemas, em vez de resolvê-los.

- Garanto que tudo sairá bem - tranquilizou-o o Peregrino. - Leve-nos até sua casa, por favor.

Como não perdia nada em verificar se o que dizia era verdadeiro ou não, o homem pegou novamente a carga e o guarda-chuva e conduziu os dois viajantes até a porta de sua casa.

- Esperem aqui um momento, enquanto vou avisar o dono da casa - disse o homem.

O Peregrino o deixou em liberdade e, colocando a bagagem no chão, ajudou seu mestre a descer do cavalo. Enquanto esperavam pacientemente na porta, Gao Cai entrou na mansão e dirigiu-se à sala principal, que ficava bem no centro da casa. Lá ele se deparou com o senhor Gao, que exclamou, mal-humorado, ao vê-lo:

- Maldito descarado! Por que você não está procurando um domador de monstros? O que está fazendo de volta aqui?

- Permita-me informá-lo do que aconteceu - suplicou inseguro Gao Cai, colocando a carga no chão. - Justo no final da rua, encontrei dois monges muito estranhos. Um estava montado em um cavalo e o outro carregava um fardo nas costas. Antes que pudesse fazer qualquer coisa, me agarraram e se recusaram a me soltar até que eu lhes dissesse para onde ia. No início, recusei-me categoricamente a atendê-los, mas eles se mostraram extremamente persuasivos e, além disso, eu não conseguia me livrar deles. Foi então que contei a desgraça que se abateu sobre nossa família. Aquele que me segurava ficou muito feliz e disse que ele se encarregaria de dominar a besta.

- De onde são esses monges? - perguntou, interessado, o senhor Gao.

- Um diz ser irmão do Imperador das Terras do Leste - respondeu Gao Cai - e estão indo para o Paraíso Ocidental para prestar seus respeitos a Buda e obter suas escrituras.

- Se eles chegaram até aqui vindos de tão longe - concluiu o senhor Gao -, isso significa, certamente, que possuem poderes muito especiais. Onde estão esses homens agora?

- Lá fora, esperando - respondeu Gao Cai.

O senhor Gao trocou rapidamente de roupas e saiu, acompanhado de Gao Cai, para recebê-los, dizendo:

- Que prazer poder desfrutar da companhia de tão honrados monges!

Sanzang virou-se rapidamente e deparou-se com um anfitrião tão efusivo bem na frente de seus olhos. Era um homem já idoso vestindo um chapéu de seda negra, uma túnica branca de brocado de Sichuan, um par de botas de pele de boi da cor de arroz não polido e um cinto de seda preta. Sem parar de sorrir amavelmente, acrescentou:

- Aceitem minhas reverências, veneráveis viajantes.

Sanzang devolveu a saudação, mas o Peregrino não mexeu um músculo. Ao perceber, por sua vez, sua aparência estranha, o ancião não ousou falar com ele. O Peregrino se sentiu profundamente ofendido e confrontou-o, dizendo:

- Posso saber por que não me saúda?

Alarmado, o ancião virou-se para Gao Cai e o repreendeu, dizendo:

- Por que você fez isso comigo? Já temos em casa um monstro horrendo como genro que não conseguimos nos livrar, e  você tinha que trazer um espírito do trovão para nos arruinar?

- De que adiantou chegar a uma idade tão avançada, se você é incapaz de distinguir o bem do mal? - repreendeu o Peregrino. - Não é sábio julgar as pessoas pela aparência. Eu posso ser muito feio, mas tenho poderes muito especiais. Vou capturar o monstro, depois vou exorcizá-lo e devolver sua filha. Isso é suficiente para você? Não entendo por que só se fixam nas aparências!

O ancião começou a tremer de medo, mas conseguiu reunir coragem suficiente para dizer:

- Entrem, por favor.

O Peregrino então pegou as rédeas do cavalo e pediu a Gao Cai que cuidasse da bagagem. Sem nenhum respeito pelas normas, pegou uma cadeira com a tinta descascada e convidou seu mestre a se sentar. Ele mesmo trouxe outra e se sentou, sem que ninguém pedisse.

- Parece que sabem como se sentir confortáveis não é? - exclamou o senhor Gao.

- Só me sinto confortável em um lugar quando passo pelo menos seis meses nele - replicou o Peregrino.

Depois de se sentarem, o senhor Gao perguntou:

- Fui informado que vocês vieram das Terras do Leste. É verdade?

-Sim, é verdade - admitiu Sanzang. - O imperador nos enviou ao Paraíso Ocidental em busca das escrituras de Buda. Estamos há vários dias sem descanso e gostaríamos de passar a noite nesta aldeia. Nossa intenção é continuar a jornada amanhã de manhã.

- Se vocês dois só buscam um lugar para passar a noite, por que toda essa conversa sobre capturar monstros? - indagou, desapontado, o senhor Gao.

- Certamente estamos procurando um lugar para passar a noite - confirmou o Peregrino. - Mas isso não nos impede de capturar alguns monstros para nos divertirmos um pouco. A propósito, quantos você tem em sua casa?

- Céus! - exclamou o senhor Gao, levando as mãos à cabeça. - Quantos monstros eu tenho aqui?  Tenho apenas esse monstro como genro, e já sofremos o bastante com ele!

- Conte-me tudo o que souber sobre ele - pediu o Peregrino -: como ele chegou a este lugar, que tipo de poderes ele tem... enfim, coisas assim. Conte tudo desde o início e não omita um único detalhe. É essencial conhecê-lo bem para poder capturá-lo.

- Desde tempos antigos - começou a explicar o senhor Gao - esta vila jamais teve problemas com fantasmas, monstros ou demônios. Minha única desgraça foi não ter nenhum filho homem. Meus três descendentes foram, infelizmente, mulheres. A mais velha se chama Orquídea Perfumada, a do meio, Orquídea de Jade, e a terceira, Orquídea Verde. Desde a mais tenra infância, as duas primeiras foram prometidas a pessoas desta mesma aldeia, mas eu esperava que a terceira pudesse se casar com um homem que concordasse em viver sob este teto e desse aos seus filhos o meu sobrenome. Em troca, ele se tornaria meu herdeiro e cuidaria de mim quando eu perdesse as forças. Há cerca de três anos, aproximadamente, apareceu um jovem de bela aparência. Ele disse ser da montanha de Fu-Ling e afirmou chamar-se Zhu. Explicou que não tinha pais nem irmãos e que, portanto, não se importaria de levar meu sobrenome. Eu o aceitei imediatamente, pensando que alguém sem laços familiares era a pessoa mais adequada para realizar meu plano. No início, devo admitir, ele foi muito cortês e diligente. Trabalhou duro nos campos, arando-os até mesmo sem a ajuda de um búfalo. Quando chegou a época da colheita, ele recolheu a safra sem usar uma foice. Chegava tarde em casa à noite e levantava-se muito cedo. Não é de surpreender que todos estivéssemos muito satisfeitos com ele. O único problema é que sua aparência começou a mudar.

- Explique-me essas mudanças - instigou o Peregrino.

- Bem... - continuou dizendo o senhor Gao -, no começo ele era moreno e robusto, mas depois se transformou em um verdadeiro imbecil com orelhas muito grandes, um nariz proeminentemente protuberante e uma crista de cerdas muito fortes atrás da cabeça. O pior é que seu corpo seguiu uma evolução semelhante, transformando-se em algo pesado e totalmente desprovido de atrativos. Ele se parece, na verdade, com um porco. Não é de surpreender que ele tenha um apetite insaciável. Em cada refeição, ele consome entre três e cinco arrobas de arroz; para ele, um pequeno lanche consiste em mais de cem bolinhos e tantos biscoitos. Ainda bem que ele segue uma dieta vegetariana! Se ele resolvesse devorar carne e vinho, tenho certeza de que acabaria com todas as minhas posses em menos de meio ano.

- Talvez ele tenha tanto apetite porque, como você mesmo reconheceu, ele trabalha demais - comentou Sanzang.

- Isso não é o maior problema - replicou o senhor Gao. - O mais preocupante é que ele gosta de cavalgar no vento e não é raro vê-lo desaparecer pelos ares montado em uma nuvem. Além disso, ele levanta pedras e sujeira com tanta frequência que minha casa e meus vizinhos não têm um momento de paz. Para piorar, ele trancou minha filha, Orquídea Verde, na parte de trás da casa, e como não a vemos há mais de meio ano, não sabemos se ela ainda está viva. Não temos dúvidas de que ele é um monstro. Por isso, decidimos exorcizá-lo e expulsá-lo daqui.

- Não há nada difícil nisso- disse o Peregrino. - Fique tranquilo. Ainda esta noite, vou capturá-lo e vou exigir que ele assine  um documento de anulação e devolva sua filha. O que acha disso?

Extremamente satisfeito, o velho senhor Gao disse: 

Um documento assinado por ele não serviria para nada, considerando que ele arruinou minha boa reputação e afastou muitos dos meus parentes de mim. Fico contente apenas com a captura dele. Quem se importa se você obtiver um documento assinado por ele? Só quero me livrar dele.

- Isso é muito fácil - repetiu o Peregrino. - Assim que a noite chegar, você verá.

O idoso estava radiante. Imediatamente, ele ordenou que a mesa fosse posta e um banquete vegetariano fosse servido a eles. A noite já havia caído quando terminaram de comer.

- Que tipo de armas e quantas pessoas vocês precisarão? - perguntou o idoso então -. É melhor estarmos preparados.

- Tenho minhas próprias armas - respondeu o Peregrino.

- Sério? - respondeu o idoso, surpreso -. A única coisa que vocês dois têm é esse bastão clerical. Não me diga que pretende enfrentar o monstro com isso.

O Peregrino então retirou uma agulha da orelha, segurou-a com cuidado nas mãos e, após agitá-la uma única vez ao vento, transformou-a em um bastão com a espessura de uma tigela de arroz.

- Olhe para este bastão! - ordenou ao Senhor Gao -. Existe uma arma melhor do que ele? Não acha que ele será suficiente para enfrentar esse monstro?

- Suponho que sim - reconheceu o Senhor Gao. - De qualquer forma, precisará de reforços.

- Não preciso de nenhum reforço - afirmou o Peregrino. - Tudo o que quero é que meu mestre não fique sozinho. Pode chamar alguém virtuoso o suficiente para conversar com ele enquanto estou ausente. Capturarei o monstro e farei com que ele prometa publicamente que pretende ir embora. Assim, vocês se livrarão dele para sempre.

O idoso imediatamente enviou um de seus servos em busca de alguns parentes e amigos íntimos, que logo apareceram. Após as apresentações, o Peregrino disse ao seu mestre:

- Aqui você estará seguro. Agora devo partir.

Com o bastão erguido, ele agarrou o Senhor Gao e ordenou:

- Leve-me para os fundos, onde o monstro reside, para que eu possa dar uma olhada.

O idoso o conduziu até a porta e o Peregrino adicionou:

- Traga-me a chave.

- Por que você mesmo não dá uma olhada? - replicou o idoso. - Se eu tivesse a chave daqui, não precisaria da sua ajuda!

- Como você é tolo! - exclamou o Peregrino. - Apesar de você ser bastante velho, nem mesmo consegue reconhecer uma piada! Eu estava apenas brincando um pouco, mas você interpretou minhas palavras literalmente.

Imediatamente, ele avançou e tocou na fechadura. Ela tinha sido soldada com cobre derretido, e não havia maneira de abri-la. O Peregrino derrubou a porta com seu bastão e encontrou a mais densa escuridão além dela.

- Velho Gao, chame sua filha para ver se ela está ai dentrosugeriu o Peregrino.

- Filha! - gritou o idoso, reunindo coragem.

- Pai! - respondeu a moça fracamente, reconhecendo sua voz. - Estou aqui!

O Peregrino atravessou a escuridão, e com suas pupilas douradas brilhando intensamente, viu que o cabelo da mulher parecia uma nuvem de tempestade, tão desgrenhado e sujo. Seu rosto, que já possuía a doçura do jade, aparecia sem expressão e coberto de sujeira. Embora ainda fosse possível apreciar alguma delicadeza nela, ela parecia cansada e triste. Seus lábios, antes vermelhos como cerejas, agora estavam sem cor. Seu corpo estava curvado e encolhido. Devido à ociosidade e à tristeza, suas sobrancelhas, delicadas como as asas de uma borboleta, tinham uma estranha palidez (2). Além disso, ela tinha perdido tanto peso que sua voz soava extremamente fraca. Com passos vacilantes, ela chegou até a porta e, ao ver que era seu pai, abraçou-o e começou a soluçar.

- Pare de chorar! - instou o Peregrino. - Onde está o monstro?

- Não sei para onde ele foi - respondeu a moça. - Ultimamente, ele sai de manhã e só volta bem tarde da noite. Sempre está envolto em névoa e nuvens e nunca me diz o que pretende fazer durante o dia. A única certeza é que, desde que sentiu que meu pai está tentando se livrar dele, começou a tomar muitas precauções. É por isso que ele retorna à noite e se ausenta assim que amanhece.

- Não preciso saber mais - concluiu o Peregrino. Então ele se voltou para o Senhor Gao e acrescentou: - Velho, Leve sua filha e aproveite a companhia dela o quanto quiser. Eu ficarei aqui esperando. Se o monstro não aparecer, não me culpe por nada. Mas, se ele vier, tenha certeza de que vou erradicar todos os seus problemas pela raiz.

Louco de felicidade, o Senhor Gao levou sua filha para a parte da casa onde moravam, enquanto o Peregrino sacudia o corpo e, usando o poder de sua magia, transformou-se na imagem exata da moça. Depois, sentou-se para esperar o monstro. 

Pouco tempo depois, levantou-se um vento tão forte que arrancava pedras e produzia nuvens de poeira sufocantes. No início, era apenas uma brisa leve e suave, mas logo se transformou em um verdadeiro ciclone, que ninguém conseguia deter. As flores e os galhos das árvores pareciam pássaros arrancados de seus ninhos, enquanto plantas e árvores cediam à sua força como se fossem recém-cortadas. Era tão furioso que o mar se agitava, enchendo de terror deuses e espíritos, e rochas e montanhas se partiam ao meio, mergulhando o Céu e a Terra em um pavor indescritível. Os veados que comiam flores não conseguiam encontrar o caminho de volta para suas tocas. O mesmo acontecia com os macacos que colhiam frutas, perdidos, como cegos, na fúria do vendaval. A pagoda de sete andares desabou sobre a cabeça de Buda, e as bandeiras que tremulavam em seus oito lados caíram sobre o templo, causando danos irreparáveis. Vigas de ouro e colunas de jade caíram no chão, enquanto telhas voavam como bandos de pardais. Os barqueiros estavam tão apavorados que fizeram a promessa de sacrificar todos os seus animais domésticos. Até mesmo o espírito local abandonou seu santuário. Os Reis Dragões dos quatro mares apresentaram suas preces ao céu ao perceberem que o barco de Yaksa encalhou e mais da metade dos muros da Grande Muralha desabaram. Finalmente, quando o vento destrutivo diminuiu, o monstro mais feio que se possa imaginar apareceu voando. Tinha um rosto totalmente coberto por cerdas negras, um focinho muito proeminente e orelhas enormes. Vestia uma túnica de algodão azul-esverdeado, embora fosse difícil determinar sua cor exata, e tinha um lenço de algodão manchado amarrado na cabeça.

- Então, este é o cara com quem tenho que lidar - pensou o Peregrino. Não disse nada quando o viu entrar, nem mesmo uma saudação. Permaneceu deitado na cama, fingindo estar doente e se queixando incessantemente. O monstro não pareceu se importar. Aproximou-se dele e, pensando que era sua esposa, exigiu um beijo.

- Parece que ele quer brincar um pouco comigo - disse novamente o Peregrino, prestes a rir. Usando um de seus truques, agarrou o focinho do monstro e o torceu violentamente, fazendo-o cair no chão. 

Depois de se levantar como pôde, o monstro apoiou-se na cama e perguntou:

- Por que você está tão zangada comigo hoje? É porque cheguei mais tarde do que o de costume?

- Quem disse que estou zangada? - replicou o Peregrino.

- Se não está, pode me dizer por que me deu esse soco? - perguntou novamente o monstro.

- Não entendo como você pode ser assim! - reclamou o Peregrino. - Você vê que não estou me sentindo muito bem hoje e exige que eu te abrace e te dê um beijo. Se eu não estivesse doente, teria esperado você em pé e teria aberto a porta para você. Você pode tirar suas roupas e ir para a cama.

O monstro tirou as roupas sem desconfiar de nada. O Peregrino pulou da cama e se sentou no penico no momento em que ele se jogava na cama. Após tatear ao redor e não encontrar ninguém, ele perguntou preocupado:

- Onde você está, querida? Tire suas roupas e venha dormir comigo.

- Você pode dormir se quiser - instou o Peregrino. - Ainda não terminei de fazer minhas necessidades."

O monstro se esticou e se apropriou da cama. Quando estava prestes a pegar no sono, o Peregrino exclamou com um suspiro:

- Estou com pouca sorte!

- Pode me dizer o que está te preocupando? - perguntou o monstro, surpreso. - Por que você diz que está com pouca sorte? É verdade que consumi bastante comida e bebida desde que entrei em sua família, mas também trabalhei bastante. Pense em tudo que fiz por vocês: Limpei os campos, abri valas, cozinhei tijolos e telhas, construí muros e preparei argamassa, arei e rastelei as terras e plantei mudas de arroz e trigo. Resumindo, cuidei de toda a propriedade e com muito proveito, por sinal. Caso contrário, como você usaria brocados e ornamentos de ouro? Você desfruta das flores e frutas das quatro estações, e tem vegetais frescos na mesa em todas as oito épocas. O que te deixa tão insatisfeita a ponto de suspirar e lamentar, dizendo que está com pouca sorte?

- Não é bem assim - respondeu o Peregrino. Hoje eu pude ouvir meus pais através da parede, repreendendo-me enquanto quebravam tijolos e telhas.

- Por que eles te repreenderam? - indagou o monstro.

- Eles disseram que você é um genro sem maneiras - disse o Peregrino. - Para começar, é difícil apresentar alguém tão feio quanto você, e não podemos conhecer seus cunhados nem cumprimentar os outros parentes. Além disso, como agora se dedica a cavalgar sobre a neblina e as nuvens, não sabemos a que família você realmente pertence nem qual é seu verdadeiro nome. De fato, você arruinou a reputação da nossa família. Foi por isso que eles me repreenderam, e é por isso que estou chateada.

- Eu posso ser um pouco desagradável à vista - disse o monstro - mas se você quiser que eu seja bonito, posso resolver isso sem dificuldade. Quando cheguei pela primeira vez, conversei com seu pai, e ele me aceitou sem uma única reclamação. Por que ele está se queixando agora? Minha família é originária da Caverna dos Caminhos Nublados, que fica na montanha de Fu-Ling. Além disso, meu nome correto é Zhu Ganglie, "porco de cabelo de ferro" . Se lhe incomodarem novamente, diga a eles o que acabei de te dizer. Está bem?

- Este monstro é bastante sincero - pensou o Peregrino, satisfeito. - Ele fez uma confissão completa sem a necessidade de eu recorrer à tortura. Depois de conhecer seu nome e o local de onde ele vem, não será difícil dominá-lo. Ele então levantou a voz e acrescentou: - Meus pais estão tentando encontrar alguém capaz de derrotar você.

- Vá dormir, vá - disse o monstro, rindo. - Não se preocupe com isso. Posso me transformar no que quiser e tenho um ancinho invencível de nove dentes. Como vou ter medo de sacerdotes, taoístas e monges? Mesmo que seu pai seja religioso o suficiente para trazer o Patriarca Destruidor de Monstros do Nono Céu, vou conseguir me passar por parente dele, e ele não ousará fazer nada comigo.

- Tudo bem com isso - replicou o Peregrino. - Mas eles me disseram que estão trazendo alguém chamado Sun, também conhecido como o Grande Sábio, Sósia do Céu, que causou um grande tumulto no Palácio Celestial há cerca de quinhentos anos. Pelo que entendi, pediram a ele que venha capturar você.

- Se o que você diz for verdade - concluiu o monstro, alarmado -, vou embora agora mesmo. Não podemos continuar vivendo como marido e mulher.

- Mas como você vai embora tão rápido? - protestou o Peregrino.

- Talvez você não saiba - respondeu o monstro -, mas esse "pi-ma-wen" do qual você acabou de falar é um sujeito realmente poderoso. Receio que eu não seja páreo para ele e, com certeza, não acho nada engraçado perder minha fama para ele.

Mal terminou de dizer isso, ele se vestiu novamente, abriu a porta e deixou o aposento. O Peregrino rapidamente o agarrou, e com um simples movimento do próprio rosto, assumiu sua forma original, gritando:

- Para onde você pensa que está indo, monstro? Olhe bem para mim e veja quem eu sou! 

O monstro virou-se e, horrorizado, viu os dentes saltados, a boca ameaçadora, os olhos cintilantes, as pupilas acesas, a cabeça pontiaguda e a cara peluda do Peregrino, que parecia um autêntico deus do trovão. O monstro ficou tão aterrorizado que as forças o abandonaram e mal conseguia se manter em pé. No entanto, reagiu rapidamente e, transformando-se novamente em um vento furioso, conseguiu escapar do Peregrino, rasgando sua própria túnica. 

Wukong saiu correndo atrás dele, golpeando incessantemente o vento com seu bastão de ferro. O monstro então se transformou em uma miríade de línguas de fogo que fugiram a toda pressa em direção à sua montanha. 

O Peregrino então montou em uma nuvem e o perseguiu, gritando:

- Para onde você está indo? Se você subir ao Céu, eu irei te perseguir até o Palácio da Estrela Polar, e se você descer à Terra, eu irei te seguir até o coração do Inferno!

Que perseguição extraordinária! Não sabemos para onde a perseguição os levou ou qual foi o resultado da luta. Quem quiser descobrir terá que ouvir o que é dito no próximo capítulo.


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Notas do Capítulo XVIII

  1. A expressão tem um sentido cultural, referindo-se, de fato, à prática ainda vigente nos dias de hoje, de distribuir entre os presentes as iguarias que foram previamente oferecidas no altar durante diversas cerimônias;
  2. As descrições dos rostos das mulheres incidiam, repetidas vezes, nos mesmos tópicos: doçura de jade, lábios de cereja, sobrancelhas delicadas como asas de borboleta...


  • Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
  • Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
fontes consultadas para a pesquisa:
Ruby