۞ ADM Sleipnir
Arte de Moyi Zhang |
Ao avistar o Grande Oceano Oriental, o Grande Sábio foi tomado por uma estranha mistura de arrependimento e nostalgia, exclamando, sem conter as lágrimas:
— Já faz quinhentos anos que não venho aqui.
O oceano parecia atravessado por imensas correntes capazes de unir a Terra à Via Láctea. Suas ondas eram tão rítmicas e violentas que pareciam marcar o pulso do universo. O estrondo das marés lembrava o trovão retumbando no palácio da primavera. Ao ver tamanha força, era fácil entender como as águas varriam as baías, impulsionadas pelas terríveis tempestades do fim do verão. Até os próprios deuses temiam se aventurar em sua vasta imensidão, e os jovens imortais se recusavam a cruzá-lo. Ao longo da costa, não havia qualquer sinal de habitação humana, tampouco a frágil elegância dos barcos de pesca. As ondas, ao quebrar, levantavam tamanha quantidade de espuma branca que parecia como se toda a neve de mil anos tivesse se acumulado em suas cristas. O vento rugia com tanta força que nenhum animal ousava sair de sua toca. Apenas algumas aves selvagens se atreviam, habilidosas, a enfrentar a ventania, enquanto os patos-do-mar mergulhavam incessantemente nas águas turbulentas. Não havia pescadores, e o único som que se ouvia era o desagradável alvoroço das gaivotas. Ainda assim, podia-se perceber a alegria dos peixes nadando despreocupados nas profundezas do mar e o silêncio meditativo dos dragões que ali habitavam.
O Peregrino cruzou o Grande Oceano Oriental com um salto, pousando diretamente no coração da Montanha das Flores e Frutos. Aterrissando apressadamente de sua nuvem, ficou atônito com o que viu: as flores e plantas haviam desaparecido, as névoas se dissipado, os planaltos afundado e as árvores secado. O que teria acontecido àquela antiga glória? Após seu senhor ser levado prisioneiro para as Regiões Superiores, a montanha foi reduzida a cinzas pelo Ilustre Sábio Erlang Shen, que a devastou completamente com a inestimável ajuda da Irmandade da Montanha das Ameixeiras.
Ao ver tamanha destruição, o Grande Sábio sentiu ainda mais o peso insuportável da dor e, seguindo os antigos costumes, compôs este longo poema:
"Contemplo esta montanha sagrada e não consigo impedir que as lágrimas jorrem copiosas de meus olhos.
Observo sua ruína e a dor se multiplica dentro de mim, como o eco que reverbera incessantemente.
Este lugar, que outrora eu julgava indestrutível, jaz agora na mais completa desolação. Digno de ódio, sem dúvida, é o Pequeno Sábio Erlang, que me afastou de meus domínios apenas para reduzi-los a cinzas irreparáveis.
Sem motivo algum, desenterrou meus pais e profanou as tumbas de meus ancestrais.
Não é de se estranhar que as névoas celestes tenham desaparecido e que o vento tenha varrido as nuvens sagradas que protegiam esta terra, transformando-a em um estéril deserto.
Não mais se ouvem os rugidos dos tigres nas altas montanhas que se erguiam, orgulhosas, no oriente, nem se avistam os despreocupados jogos dos macacos brancos que antes habitavam as encostas do ocidente.
Não resta o menor sinal de raposas ou lebres nas gargantas estreitas do norte, nem se vê mais o passo compassado das famílias de cervos que outrora povoavam as ravinas do sul.
As rochas esverdeadas, que rivalizavam em beleza com o céu, foram reduzidas a mero pó para a fabricação de tijolos.
A areia dos caminhos, antes límpida como o próprio sol, está agora coberta de sujeira e vestígios de morte.
Não restou sequer um dos altos pinheiros que, orgulhosos, marcavam a entrada da caverna.
O mesmo destino tiveram os soberbos cedros, os gigantescos castanheiros, os perfumados sândalos, os humildes abetos e os caprichosos zimbros. Todos foram cruelmente devorados pelo fogo.
Desapareceram também os pessegueiros, pereiras, ameixeiras, amendoeiras e as tamareiras que preenchiam o ar com aromas e nos fortaleciam com seus frutos.
Como os bichos-da-seda poderão continuar a se alimentar se já não há uma única amoreira?
Sem umidade, os bambus não crescem e os pássaros não mais se empoleiram nos salgueiros.
As rochas transformaram-se em pó, e o riacho secou, levando consigo o verde indomável da grama.
As orquídeas recusam-se a crescer neste deserto, e as trepadeiras não desenham mais seus arabescos ao longo dos inexistentes caminhos.
Para que região distante migraram os pássaros que aqui nidificavam?
Para que montanha desconhecida fugiram as bestas que aqui moravam?
Lugar desolado este, desprezado por serpentes e leopardos, evitado por garças e ofídios!
Quanto sofro ao contemplar o duro destino desta terra!
Grandes devem ter sido meus erros passados para que um lugar que eu tanto amava esteja agora entregue a tamanha desolação."
Enquanto o Grande Sábio expressava sua dor, sete ou oito macacos se aproximaram pulando, reconhecendo-o prontamente. Loucos de alegria, atiraram-se a seus pés, gritando com entusiasmo:
— Finalmente voltou, Grande Sábio! Pensávamos que nunca mais o veríamos.
—Por que não estão se divertindo? — perguntou o Belo Rei dos Macacos. — Por que todos estão escondidos, como se fossem uma quadrilha de malfeitores? Já estou aqui há um tempo, e ainda não vi ninguém. O que justifica tanta cautela?
Ao ouvir isso, os macacos começaram a chorar e explicaram, com dificuldade:
— Depois que o senhor foi conduzido às Regiões Superiores, os caçadores nos perseguiram, e nossa vida tem sido de calamidades e infortúnios. Fomos cercados por todos os lados com arcos, flechas, cães, falcões, redes e lanças. Como poderíamos nos divertir quando o inimigo nos espreitava por todos os lados? Vivemos aterrorizados, refugiados nas cavernas do outro lado da montanha. Só saíamos quando a fome e a sede nos obrigavam, como prisioneiros desesperados. Hoje, ignoramos a prudência porque ouvimos sua voz e quisemos expressar nossa gratidão. Por favor, nos tome sob sua proteção mais uma vez, grande senhor.
— Quantos restam por aqui? — perguntou o Grande Sábio, profundamente comovido com o que acabara de ouvir.
— Cerca de mil, entre jovens e velhos — responderam os macacos.
— Antigamente — comentou, com tristeza, o Grande Sábio — havia por aqui não menos de quarenta e sete mil. Podem me dizer para onde foram os outros?
— Depois que você partiu — responderam os macacos —, o pequeno sábio Erlang Shen queimou a montanha, e mais da metade foi consumida pelas chamas. Apenas alguns poucos de nós conseguiram sobreviver, jogando-se nos poços, buscando abrigo nas torrentes ou simplesmente se escondendo sob a ponte de ferro. Quando o fogo finalmente se extinguiu e a fumaça parou de subir, saímos de nossos esconderijos e descobrimos, horrorizados, que não restava nada das flores e frutos que antes fizeram este lugar famoso. Encontrar algo para comer se tornou extremamente difícil, e a fome acabou expulsando metade dos poucos que ainda restavam. Aqueles que decidiram permanecer fiéis à terra passaram por inúmeras calamidades, mas, pensando bem, os últimos dois anos foram os piores, pois os caçadores não pararam de nos perseguir. Dessa forma, nosso número foi drasticamente reduzido, mais uma vez, pela metade.
— Por que esses caçadores os perseguem? — perguntou o Grande Sábio.
— Por que seria? — replicaram os macacos. — São pessoas que não conhecem o significado da palavra piedade. Eles matam os nossos com arcos e flechas para servir de comida. Depois de retirar a pele e os ossos, temperam-nos com um molho especial, ou os cozinham no vapor e depois os regam com vinagre, ou os fritam, ou simplesmente os salgam como se fossem peixes vulgares. Aqueles que capturam vivos são treinados para pular corda, fazer acrobacias ou saltos mortais. Depois, os forçam a andar pelas ruas tocando gongo ou tambor, fazendo todo tipo de números para entreter os transeuntes.
— Quem está no comando da caverna? — perguntou o Grande Sábio, furioso com o que acabara de ouvir.
— Os marechais Ma e Lu e os generais Peng e Pa — responderam os macacos.
— Vão informá-los imediatamente da minha chegada — ordenou o Grande Sábio.
Os macacos correram para dentro da caverna, gritando:
— O Grande Sábio acabou de chegar! Nosso senhor finalmente voltou!
Os veneráveis Ma, Lu, Peng e Pa não perderam tempo e saíram correndo da caverna, jogando-se ao chão diante do recém-chegado. Após aceitar a reverência deles, o Grande Sábio entrou na caverna e se sentou, enquanto os outros macacos se posicionavam respeitosamente dos dois lados.
— Ouvimos dizer que recuperou sua liberdade em troca de acompanhar o monge Tang em sua jornada ao Paraíso Ocidental, em busca das escrituras sagradas — disseram os marechais. — O que o trouxe de volta a esta montanha?
— O monge Tang é incapaz de distinguir entre aqueles que possuem verdadeiro valor e os meros charlatões. Em seu nome, desdobrei todos os meus poderes, enfrentando demônios e espíritos malignos incessantemente. Mais de uma vez fui forçado a acabar com os monstros que cruzavam nosso caminho, mas ele, em vez de exaltar meus feitos, me acusou de ser violento e sanguinário, e me expulsou de seu lado. Recusou-se a continuar me considerando seu discípulo, chegando a assinar uma carta em que se compromete a nunca mais solicitar meus serviços.
— Que sorte a nossa! — exclamaram os macacos, expressando sua alegria com risadas e aplausos. — Para que insistir em ser monge? Esta é sua casa, e não precisamos dizer o quanto estamos felizes com seu retorno. Vamos! Tragam um pouco de vinho de coco para celebrar a volta de nosso senhor.
— Ainda não vamos beber nada — disse o Grande Sábio. — Antes de nos entregarmos à festa, permitam-me fazer uma pergunta. Com que frequência esses caçadores vêm à nossa montanha?
— Frequência? — repetiram os marechais Ma e Lu. — Eles aparecem todos os dias por aqui.
— Se isso é verdade, por que ainda não vieram hoje? — questionou o Grande Sábio.
— O dia ainda não acabou — responderam os marechais. — Espere, e logo os verá aparecer.
— Subam até o topo da montanha e tragam todas as rochas queimadas que encontrarem — ordenou o Grande Sábio. — Façam montes de trinta ou sessenta e coloquem-nos por aqui. Tenho um plano.
Os macacos agiram com a eficiência de um enxame de abelhas. Logo se espalharam pela montanha, recolhendo pedaços de rocha com os quais fizeram vários montes.
Quando o Grande Sábio considerou que havia o suficiente, disse:
— Agora, vão se esconder na caverna. Acho que é hora de fazer um pouco de magia.
Subiu ao ponto mais alto de seus domínios e viu mais de mil homens a cavalo se aproximando pelo sul. Com grande alarde de tambores e gongos, eles foram chegando à Montanha das Flores e Frutos. À frente deles, vinham uma matilha de mastins, e estavam todos armados com espadas e lanças. Alguns carregavam falcões e outras aves adestradas. O Rei dos Macacos os observou cuidadosamente e logo se convenceu de que eram homens ferozes e aguerridos, com uma aparência selvagem. Usavam na cabeça peles de raposa, que caíam pelas costas, e vestiam túnicas de seda com bordados estranhos. Suas aljavas estavam cheias de flechas feitas de dentes de lobo (1), e seus arcos eram habilmente trabalhados. Pareciam tigres cavalgando dragões. À frente, corriam incontáveis mastins sedentos de sangue, assim como os falcões sobre seus ombros. Carregavam em grandes cestas engenhos de fogo (2) mortais, cuja eficácia era comparável à das águias adestradas que os acompanhavam. Além disso, centenas de servos traziam armadilhas para capturar raposas, laços para caçar coelhos, redes semelhantes às usadas pelos cabeças-de-touro e armadilhas complicadas, tecidas pelo próprio Rei Yama. O mais assustador, no entanto, eram os gritos que proferiam, mergulhando toda a paisagem em uma confusão indescritível.
Quando o Grande Sábio os viu adentrando seus domínios, foi tomado por uma fúria incontrolável. Após fazer um gesto mágico com os dedos e recitar o encantamento correspondente, virou-se para o sudoeste, respirou fundo e soltou o ar com força. Imediatamente, levantou-se um furacão, que ergueu montanhas de poeira e devastou as florestas, derrubando metade das árvores sem piedade. As ondas do oceano tornaram-se tão altas quanto cordilheiras, destruindo com sua fúria incontrolável toda a costa. O universo mergulhou em uma escuridão densa, e o sol e a lua perderam completamente seu brilho. O furacão sacudiu impiedosamente os pinheiros, que rangiam tão alto que pareciam rugidos de tigres. O mesmo ocorreu com os bambus, que emitiam um som semelhante ao canto de um dragão. O mais destrutivo, no entanto, foi a chuva de pedras que logo se abateu sobre os despreparados invasores. Por um momento, eles acreditaram que o céu havia aberto suas comportas, despejando sobre eles toda sua ira.
O Grande Sábio continuou soprando, satisfeito com o voo destruidor das pedras, que se espalharam como palha por toda a paisagem. Que desventura para esses caçadores! As pedras caíam pesadas sobre suas cabeças, enquanto os redemoinhos de areia cegavam os cavalos que montavam. Naquela confusão mortal, as diferenças entre plebeus e nobres deixaram de existir. O sangue deles se misturava livremente no chão, tão vermelho que parecia ser composto de cinábrio. Nenhum deles jamais pôde retornar para casa. Os cadáveres cobriram toda a montanha, enquanto, longe dali, as esposas e concubinas dos caçadores aguardavam em vão por seu retorno. Com razão afirma o poema:
"Como poderiam retornar ao lugar de onde partiram, se os cavaleiros perderam a vida e os cavalos jaziam mortos na poeira? Seus espíritos vagavam, solitários e emaranhados, como fibras de esparto lançadas à corrente do vento. Que triste sina a daqueles corajosos caçadores, cujo sangue foi absorvido, como gotas de chuva, pela areia da montanha!"
Quando viu que não restava nenhum dos assaltantes, o Grande Sábio desceu da nuvem e, sem parar de rir, exclamou, jubiloso:
— Desde o momento em que aceitei a superioridade espiritual do monge Tang e me tornei monge, meu mestre nunca deixou de me dizer: "Ainda que pratiques o bem por mil dias, não conseguirás trazer perfeição ao mundo. Mas, se cederes uma única vez ao impulso do mal, perpetuarás o ódio para sempre". Quanta verdade nisso! Sempre que eu, como discípulo, eliminava um monstro, ele me repreendia por recorrer à violência. Mas vejam só, acabei de exterminar esses caçadores num piscar de olhos.
Em seguida, ele disse satisfeito, elevando a voz:
—Podem sair! O perigo passou.
Ao ouvir o chamado do Grande Sábio, os macacos saíram de seus esconderijos, pulando e dando cambalhotas.
— Desçam pela encosta sul da montanha e retirem as roupas dos caçadores mortos — ordenou o Grande Sábio. — Não deixem nenhuma peça para trás. Lavem as manchas de sangue e usem essas roupas sem hesitar. Elas são ótimas para proteger do frio. Quanto aos corpos, joguem-nos no lago profundo. Tragam também os cavalos para cá; suas peles são excelentes para fazer botas, e sua carne é deliciosa. Sequem-na ao sol e comam conforme a necessidade. Não se esqueçam dos arcos, flechas, espadas e lanças. Reúnam tudo e retomem o treinamento militar de antigamente. Quero também que me entreguem todos os estandartes deles. Já sei o que farei com eles.
Os macacos obedeceram sem questionar. Reuniram os estandartes e, após limpá-los cuidadosamente, entregaram-nos ao Grande Sábio, que os transformou em uma única bandeira. Satisfeito, escreveu em letras grandes:
"A Montanha Restaurada das Flores e Frutos. A Caverna Restaurada da Cortina de Água. O Grande Sábio, Sósia do Céu".
Na entrada da caverna foi erguido um altíssimo mastro, onde logo passou a ondular aquele colorido estandarte. Ao longo do dia, o Grande Sábio foi convocando, um a um, seus antigos feudos, reunindo assim grande quantidade de mantimentos. Nunca mais se ouviu a palavra "monge" em seus domínios. Seu poder crescia continuamente e seu círculo de amizades se expandia. Não teve qualquer hesitação em pedir aos Reis Dragões dos Quatro Oceanos um pouco de água sagrada para lavar a montanha e torná-la tão verde quanto antes. Ele mesmo plantou olmos, salgueiros, pinheiros, cedros, pessegueiros, pereiras, ameixeiras e tamareiras. Quando terminou a reconstrução, preparou-se para desfrutar de suas conquistas, e, por ora, não falaremos mais dele.
Agora, falemos do monge Tang, que, como já mencionado, cometeu o erro de ouvir Zhu Bajie e afastar o Monge da Inteligência. Após a separação, montou em seu cavalo e continuou a jornada rumo ao Oeste, como se nada tivesse acontecido. Bajie liderava o caminho, enquanto o Monge Sha, carregando as bagagens, fechava a retaguarda.
Ao deixarem para trás a Montanha do Tigre Branco, depararam-se com uma vasta floresta, repleta de vinhas, trepadeiras, pinheiros e cedros.
— Como se não bastasse caminhar por essas montanhas, agora nos deparamos com uma floresta assim — comentou Sanzang. — Devemos ser extremamente cautelosos, pois é bem provável que monstros e demônios habitem este lugar.
Bajie, despreocupado com o alerta de prudência, reuniu suas forças e ordenou ao Monge Sha que cuidasse do cavalo enquanto ele, com seu ancinho, abria caminho pela mata, conduzindo o grupo para o interior da floresta. Assim, o monge Tang pôde avançar com mais facilidade do que havia imaginado. Contudo, seus desejos não foram totalmente atendidos, pois logo ele parou o cavalo e disse:
— Estou ficando com fome, Bajie. Você acha que pode encontrar um pouco de comida vegetariana por aqui?
— Se o senhor for gentil o suficiente para desmontar — respondeu Bajie —, posso ir procurar algo.
O monge Tang desceu imediatamente do cavalo, enquanto o Monge Sha entregava a Bajie a tigela de pedir esmolas.
— Estou indo! — anunciou Bajie.
— Posso saber para onde? — perguntou Sanzang, alarmado.
— Isso não importa — respondeu Bajie com confiança. — Contanto que eu consiga comida para o senhor, sou capaz de ir a qualquer lugar. Fique tranquilo.
Ele logo deixou a floresta de pinheiros para trás, mas caminhou por mais de dez milhas em direção ao oeste, sem encontrar qualquer sinal de habitação. A região era mais povoada por tigres e lobos do que por pessoas. Com o cansaço começando a dominar seu corpo e as pernas pesadas de fadiga, pensou consigo mesmo:
— Quando o Peregrino estava entre nós, ele sempre satisfazia todos os desejos do mestre. Agora é minha vez de fazer isso, mas, como diz o provérbio: "Só se sabe o preço do arroz e da madeira quando se administra uma casa; e só quando se cria um filho, entende-se o sacrifício dos pais". Onde vou conseguir um pouco de comida?
Não tinha dado mais que dois passos quando, quase desanimado, pensou:
— Se eu voltar agora e disser ao mestre que não encontrei ninguém a quem pedir comida, após andar por tanto tempo, ele certamente não vai acreditar. O melhor será esperar mais uma hora antes de voltar. E como não há passatempo mais agradável do que o sono, vou tirar um cochilo aqui mesmo e pronto.
Bajie mal havia terminado de falar quando se jogou no chão, recostando a cabeça na grama. Pretendia dormir apenas um pouco e logo retornar, mas estava tão cansado que começou a roncar assim que seu corpo sentiu a maciez da relva.
O tempo foi passando implacavelmente, e a inquietação de Sanzang tornou-se insuportável, tanto que ele se virou para o Monge Sha e perguntou:
— Por que será que Wuneng ainda não voltou?
Seus olhos ardiam de tanto observar o horizonte, e o silêncio opressivo fazia seus ouvidos zumbirem.
— Me surpreende que não tenha compreendido — respondeu o Monge Sha. — Nessas Regiões do Oeste, há muitas pessoas piedosas que mal podem esperar para alimentar monges. Bajie, com seu apetite insaciável e sua inclinação para a gula, só voltará quando tiver enchido a barriga. Nós somos de pouca importância para ele.
— Você tem razão — admitiu Sanzang, com um suspiro. — Mas como poderemos encontrá-lo, se ele está em algum lugar desconhecido, devorando tudo o que vê? Está ficando tarde, e não podemos passar a noite ao relento. O melhor que podemos fazer é encontrar um abrigo.
— Não se preocupe — sugeriu o Monge Sha. — Sente-se aqui enquanto vou procurá-lo.
— Sim, sim, faça isso — apressou-o Sanzang. — Não me importa se teremos ou não comida. O mais urgente agora é encontrar um lugar para passar a noite.
Com isso, o Monge Sha pegou seu precioso cajado e saiu da floresta em busca de Bajie. Enquanto isso, o monge Tang, sentindo-se cada vez mais isolado naquele ambiente sombrio, estava exausto demais para ficar de pé. Para aliviar um pouco a ansiedade que o consumia, colocou a bagagem em um local seguro e amarrou o cavalo a uma árvore. Retirou o chapéu, fincou o cajado no chão e, ajeitando a túnica, decidiu caminhar pela floresta. A exuberante vegetação e a beleza das flores silvestres captaram sua atenção, mas, ao mesmo tempo, a ausência de pássaros retornando aos ninhos o intrigava. Havia poucos trilhos naquela floresta, e logo ele se perdeu.
Tentando ocupar o tempo e, quem sabe, encontrar Bajie ou o Monge Sha, ele começou a caminhar, mas, em vez de seguir para o oeste, acabou andando em círculos e desviando-se para o sul. Ao sair da floresta, ergueu os olhos e viu um lampejo dourado, que parecia vir de uma névoa singular de muitas cores. Observando mais de perto, percebeu que era uma pagoda coberta de pedras preciosas, cuja cúpula dourada brilhava intensamente sob os raios do sol poente.
— Sou, de fato, o homem mais volúvel que existe — murmurou para si mesmo. — Quando parti das Terras do Leste, prometi que queimaria incenso em todos os templos que encontrasse, fiz um voto de reverenciar todas as imagens de Buda com que me deparasse e me comprometi a varrer todas as pagodas que cruzassem meu caminho. Até agora, tive poucas oportunidades de cumprir esse propósito devoto. Felizmente, há uma pagoda dourada diante de mim. Como é possível que não a tenha visto antes? Com certeza, deve haver um templo próximo e um mosteiro que cuida dela. Acho que o melhor a fazer é ir até lá. Por que me preocupar com o cavalo e a bagagem, se ninguém passa por aqui? De qualquer forma, posso esperar que meus discípulos retornem e pedir abrigo, caso haja espaço disponível.
Mal sabia o mestre que uma provação estava prestes a começar. Ele continuou caminhando com determinação e subiu uma pequena colina que levava à pagoda. Ali, as rochas atingiam uma altura de mais de três mil metros, e os penhascos desapareciam no céu, já esverdeado àquela hora da tarde. Suas raízes pareciam penetrar no coração da terra, enquanto seus picos tocavam o firmamento. Em ambos os lados, erguia-se uma vasta floresta, e, em um raio de mais de cem quilômetros, era possível ver o emaranhado de sarças e cipós. Isso não impedia que as flores crescessem vigorosamente nos poucos trechos de grama verde, balançados pelo vento. A lua refletia-se no curso de um riacho, que também espelhava as nuvens. No fundo dos barrancos, troncos de árvores derrubados por raios se acumulavam, enquanto os picos estavam cobertos por galhos secos. Sob uma ponte de pedra, fluía um riacho de água cristalina. Um pouco mais acima, em uma encosta suave, cresciam flores tão brancas quanto a neve. Visto de longe, o cenário em torno da pagoda lembrava o Paraíso das Três Ilhas, enquanto, de perto, fazia lembrar a encantadora Penglai. Bambus púrpuras e pinheiros aromáticos delineavam o curso do riacho, onde corvos, gralhas e macacos se reuniam. Do lado de fora de uma caverna, podia-se ver o constante vai e vem de animais selvagens, enquanto nas florestas aves de todas as espécies esvoaçavam incessantemente. Essa explosão de vida parecia ecoar no verde eterno das árvores e no aroma embriagante das flores, que brotavam por toda parte. No entanto, tratava-se de um lugar maligno, e o monge Tang teve o infortúnio de se dirigir a ele.
Com passos firmes, o monge Tang chegou à entrada da pagoda, onde pendia uma cortina feita de pequenos pedaços de bambus. Ele a afastou com cuidado, acreditando que estava prestes a adentrar um local sagrado, mas deparou-se com uma visão aterradora: um monstro adormecido sobre uma espécie de cama de pedra.
A criatura possuía uma pele azulada, longas presas e uma boca desproporcionalmente grande. Seus cabelos, sujos e emaranhados, eram de um vermelho tão intenso que pareciam tingidos intencionalmente, enquanto sua barba, da mesma cor, era rala, mas robusta, lembrando galhos retorcidos de lichias. O nariz curvado assemelhava-se ao bico de um papagaio, e seus olhos brilhavam com um fulgor sinistro, como estrelas prestes a se apagar no horizonte do amanhecer. As mãos gigantes, comparáveis às tigelas usadas por monges para pedir esmolas, destacavam-se, e seus pés, proporcionais, estavam cobertos de veias azuladas, como galhos pendurados em um penhasco. A criatura vestia uma túnica amarela, cujo brilho rivalizava com o de uma imponente cimitarra que segurava, mesmo adormecido sobre a cama de pedra. Não era um ser qualquer; na verdade, ele havia ensinado legiões de demônios a marchar em perfeita formação, tão organizados quanto formigas e tão diligentes quanto abelhas. Sua presença era imponente, e seus súditos o reverenciavam a ponto de chamá-lo de "pai e senhor". Frequentemente, ele brindava com vinhos doces em homenagem à sua eterna companheira, a lua (3), embora sua predileção pelo chá fosse tamanha que seus braços se cansavam de tanto levantar a xícara aos lábios. Se sua força física era imensa, seus poderes mágicos eram ainda maiores. Em um piscar de olhos, ele podia atravessar os céus, concedendo repouso a serpentes e dragões em seus domínios, enquanto os pássaros enchiam a floresta com seus cantos. Tudo era possível em um mundo onde imortais cultivavam jade branco em campos sagrados e taoístas purificavam cinábrio em templos de fogo.
Embora o monge Tang soubesse que aquela caverna não era a porta do temido Inferno Avici, o monstro à sua frente, com sua aparência grotesca, evocava a imagem de um yaksa de cabeça de touro. Assim que o viu, Sanzang tentou voltar rapidamente, mas o medo roubou-lhe as forças, e suas pernas tremiam, incapazes de sustentá-lo. Mesmo assim, fez um último esforço e tentou correr. Não havia chegado à porta quando o monstro, que tinha sentidos aguçados, abriu seus olhos demoníacos, com pupilas de fogo, e ordenou a seus servos:
— Vejam quem está lá fora.
Um dos demônios espiou pela porta e viu que se tratava de um simples monge com a cabeça raspada.
— Senhor — anunciou ao monstro com prontidão —, trata-se de um mendicante com cabeça redonda, rosto comprido e orelhas tão carnudas que quase tocam os ombros. Pela maciez de sua pele, parece bastante tenro. Pode ver com seus próprios olhos que é um monge extremamente apetitoso.
Ao ouvir isso, o monstro soltou uma gargalhada e exclamou:
— Como diz o ditado, "a comida vem sozinha para o prato, assim como as moscas pousam na cabeça de uma cobra". Vão atrás dele e tragam-no aqui imediatamente. Quem conseguir capturá-lo receberá uma grande recompensa.
Os pequenos demônios saíram correndo como um enxame de abelhas. Quando Sanzang os avistou, tentou fugir, mas o medo o paralisava. Seus pés, que deveriam correr rápidos, se moviam com a lentidão de um ancião. Além disso, o caminho era cheio de pedras, o bosque estava escuro, e o crepúsculo caía rapidamente. Como ele conseguiria correr rápido o suficiente? Logo os diabinhos o alcançaram. Era como um dragão preso em águas rasas, zombado por camarões, ou um tigre desprezado por cães. Mesmo correndo em terreno plano, ele não conseguia se mover com a mesma agilidade que em terrenos íngremes. Por mais nobre que fosse sua missão, obstáculos sempre surgiriam. O que mais o monge Tang enfrentaria em sua jornada para o oeste?
Eufóricos, os pequenos demônios levaram-no até a pagoda. Após deixá-lo ao lado da cortina de bambu, entraram apressados para dar as boas notícias ao seu senhor.
— Como nos ordenou— disseram —, capturamos o monge e o trouxemos até aqui.
O monstro examinou Sanzang atentamente e percebeu que, de fato, ele tinha uma cabeça esplêndida e um rosto muito atraente. Impressionado com sua postura nobre, a criatura não pôde deixar de pensar:
— Certamente este monge vem de uma nação distinta e sábia. Por isso, devo usar toda a minha crueldade com ele. De outro modo, como poderia submeter-se a mim de bom grado? Somente o poder pode subjugar, e, felizmente, eu o possuo em abundância.
Ele eriçou todos os pelos, como uma raposa que encontra um tigre, e, arregalando os olhos, bradou autoritário:
— Tragam-me esse monge!
— Agora mesmo, senhor — responderam os pequenos demônios, empurrando Sanzang para dentro.
Como diz um provérbio: "Quem vive sob um teto baixo, precisa abaixar a cabeça". Foi o que aconteceu com Sanzang. Sabendo da gravidade da situação, ele juntou as mãos em reverência e saudou o monstro respeitosamente, elevando as mãos até o peito.
— De onde você vem e para onde vai, monge? — perguntou o monstro, sem rodeios. — Fale logo, ou irá se arrepender.
— Eu — respondeu Sanzang, aterrorizado — sou um monge da Grande Nação dos Tang e estou a caminho do Paraíso Ocidental em busca das escrituras sagradas, por ordem expressa do imperador. Ao passar por esta venerável montanha e ver uma pagoda tão respeitável, decidi prestar minha humilde reverência ao sábio que aqui reside. O que menos esperava era incomodá-lo com minha audácia. Por isso, imploro que me perdoe. Posso garantir que, ao retornar às Terras do Leste, após cumprir a missão que me foi confiada, vosso ilustre nome será lembrado com respeito por todas as gerações futuras.
— Eu sabia que você vinha uma nação distinta e sábia — exclamou o monstro, gargalhando. — Não me enganei, e posso te assegurar que você é exatamente o tipo de pessoa que eu pretendia devorar. Que sorte a minha você ter vindo por conta própria. Como eu te capturaria, se não fosse assim? Parece que estava predestinado que seus dias terminassem na minha boca. Ninguém lhe forçou a aparecer diante de mim, por isso, mesmo que eu quisesse, não poderia deixá-lo partir. Este é o seu destino, fixado nas estrelas. Não tente escapar, pois nem mesmo os deuses poderiam salvá-lo.
Em seguida, voltou-se para seus servos e ordenou:
— Amarrem-no!
Os pequenos demônios se lançaram sobre ele e o amarraram firmemente ao poste de execuções. O monstro, então, pegou sua pesada cimitarra e voltou a perguntar:
— Quantas pessoas estão com você? Não vai me dizer que empreendeu sozinho uma jornada tão longa?
— Claro que não — respondeu Sanzang inocentemente, ao ver a cimitarra em suas mãos. — Viajam comigo dois discípulos, que atendem pelos nomes de Zhu Bajie e Sha Wujing. Eles foram ao bosque buscar algo para comer. Mas não pensem que estou desamparado, pois deixei minha bagagem e um cavalo branco ao lado dos pinheiros.
— Que sorte! — exclamou o monstro, satisfeito. — Dois mais você, três; e, contando o cavalo, quatro. Mais do que suficiente para uma refeição.
— Vamos atrás deles imediatamente! — disseram, entusiasmados, os pequenos demônios.
— Não, não saiam agora! — ordenou o monstro. — É melhor trancarmos a porta. Se conseguiram algo para comer, esses dois discípulos voltarão para buscar seu mestre. E, ao não encontrá-lo, certamente virão bater à nossa porta para perguntar por ele. Como diz o provérbio: "Os assuntos são mais fáceis de resolver à porta de casa." Não precisamos nos apressar, pois cedo ou tarde eles cairão em nossas mãos.
Os pequenos demônios acataram a sugestão e trancaram a porta imediatamente. Enquanto isso, o Monge Sha adentrava o bosque à procura de Bajie. Embora tivesse caminhado mais de dez quilômetros, não encontrou nenhum vilarejo. Para ter uma visão melhor do horizonte, subiu uma pequena elevação, mas o que chamou sua atenção não foi a paisagem, e sim uma voz que parecia estar em uma conversa mais abaixo. Ele afastou cuidadosamente alguns galhos e viu que era Bajie, falando enquanto dormia.
Em dois passos chegou até ele e, puxando-o pelas orelhas com força, exclamou:
— Que bonito! O mestre te mandou buscar comida, e aqui estás dormindo. Quer me dizer quem lhe deu permissão para descansar desse jeito?
— Que... que horas são? — perguntou Bajie, abrindo os olhos, assustado.
— Levante-se imediatamente — ordenou o Monge Sha. — O mestre disse que já não importa encontrar comida. O que ele quer agora é que encontremos um lugar para passar a noite.
Bajie pegou sua tigela de esmolas e seguiu o Monge Sha, arrastando o ancinho como se fosse um espírito. Quando chegaram ao local onde haviam deixado o mestre, não o encontraram. Impaciente, o Monge Sha virou-se para Bajie e o repreendeu:
— Tudo isso é culpa sua. Se não tivesse demorado tanto para buscar comida, a esta altura o mestre não estaria nas mãos de nenhum monstro.
— Pare de falar bobagens — replicou Bajie, soltando uma gargalhada. — Este bosque é muito tranquilo, e, por mais que você insista, é improvável que seja a morada de algum monstro. O mais provável é que ele tenha se cansado de ficar sentado e saído para dar uma volta. Vamos procurá-lo.
Depois de colocar o chapéu, pegaram a bagagem, as rédeas do cavalo e começaram a busca. Felizmente, a hora do monge Tang ainda não havia chegado, embora eles não soubessem disso. Cada vez mais preocupados com o passar do tempo, procuraram em todos os cantos do bosque, mas não o encontraram. Finalmente, viram ao sul alguns estranhos raios de luz dourada, e Bajie disse ao Monge Sha:
— Está claro que quem menos precisa é quem mais recebe bênçãos. Vê aquela pagoda coberta de joias? Tenho certeza de que o mestre encontrou abrigo lá. Em lugares como aquele, ninguém é recusado. Aposto que prepararam uma refeição vegetariana e nosso mestre está se deliciando. O que estamos esperando para nos juntar à mesa? Quanto antes chegarmos, antes saciaremos nossa fome.
— Não devemos nos precipitar — aconselhou o Monge Sha. — Ainda não sabemos se este lugar é seguro. Acho melhor darmos uma olhada antes.
Sem tomar precauções especiais, chegaram até a porta e estranharam ao encontrá-la fechada. Acima do batente, havia uma placa de jade branco onde se lia:
"Montanha da Panela, Caverna da Corrente Lunar".
— Está vendo? — exclamou o Monge Sha. — Isso não é um mosteiro, mas sim a morada de um monstro. Se o mestre está aqui, dificilmente o encontraremos.
— Não seja tão pessimista — disse Bajie com desdém. — Amarre o cavalo e cuide das bagagens. Eu mesmo farei algumas perguntas aos que estão lá dentro.
Com o ancinho nas mãos, Bajie se aproximou ainda mais e começou a gritar:
— Abram a porta! Pretendem nos deixar aqui a noite toda?
Ao vê-los por uma pequena fresta, os demônios encarregados da vigilância correram para avisar seu senhor:
— Eles acabaram de chegar!
— Quem chegou? — indagou o monstro.
— Dois monges muito estranhos — responderam os demônios. — Um tem as orelhas muito longas e a boca muito grande, e o outro possui uma aparência bastante peculiar.
— Devem ser Zhu Bajie e Sha Wujing! — exclamou o monstro, animado. — Sabem onde procurar o que precisam. É surpreendente que tenham chegado à pagoda tão depressa. Como será que conseguiram? De qualquer forma, já que são tão ousados, não devemos subestimá-los. Tragam minha armadura imediatamente!
— De onde vocês vêm, e por que ousam bater à minha porta e perturbar a paz deste lugar? — perguntou ele, desafiador.
— Não me reconhece? — replicou Bajie com ironia. — Sou seu ancestral e estou a caminho do Paraíso Ocidental, por ordem expressa do Grande Imperador de Tang, cujo irmão não é outro senão meu mestre, o venerável Sanzang. Se ele estiver em sua morada, exijo que o libere imediatamente. Caso contrário, vou destruir este lugar com meu ancinho!
— Muito bem dito — respondeu o monstro, soltando uma gargalhada —. Sou o anfitrião do monge Tang, a quem ofereci minha hospitalidade. Por sinal, acabei de preparar alguns bolinhos recheados com carne humana. Se quiserem provar, sintam-se à vontade para entrar em minha humilde morada. O que acham?
Bajie teria aceitado imediatamente a oferta se não tivesse sido interrompido pelo Monge Sha, que disse:
— Não percebe que ele está tentando te enganar? Desde quando você começou a comer carne humana?
Bajie então entendeu suas intenções e se preparou para a luta. Levantou o ancinho e o lançou com todas as suas forças sobre o rosto do monstro, mas ele desviou rapidamente, movendo-se de lado e levantando a cimitarra a tempo.
Usando seus poderes mágicos, os dois adversários montaram em uma nuvem e continuaram a lutar no ar. O Monge Sha deixou as bagagens e o cavalo em um lugar seguro e juntou-se à batalha, brandindo ameaçadoramente seu precioso bastão. Os dois monges enfrentaram assim um monstro feroz no limite do reino das nuvens. O ancinho e o bastão moviam-se com velocidade, mas seus golpes eram repetidamente bloqueados pelo voo ágil da cimitarra. O monstro usava seus muitos poderes para se defender. Embora as armas dos dois monges fossem tão mágicas quanto o próprio fôlego que mantinha o monstro vivo, pouco podiam contra ele. Desde o início, os dois combinaram seus esforços, atacando de todos os lados, mas o Monstro da Túnica Amarela não demonstrava qualquer sinal de fraqueza. O aço de sua cimitarra brilhava como prata, sinalizando a pureza de sua natureza mágica. Embora a luta ocorresse no alto do céu, uma nuvem de poeira seguia os movimentos dos combatentes; pedras saltavam das montanhas e penhascos desmoronavam. Ambas as partes tinham muito em jogo naquela batalha: se um lutava por sua reputação, os outros queriam libertar seu mestre. Assim, ninguém dava sinais de cansaço. O confronto se repetia, sem que nenhum dos lados conseguisse uma vantagem clara.
Não sabemos como os discípulos conseguiram resgatar o monge Tang. Quem quiser descobrir deverá, portanto, prestar muita atenção às explicações que serão oferecidas no próximo capítulo.
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Notas do Capítulo XXVIII
- As flechas de dente de lobo foram usadas pela primeira vez durante o reinado de Shen-Chung (1067-1085), da dinastia Sung. Como o nome sugere, as pontas dessas flechas lembravam os presas de lobos;
- O uso da pólvora em campanhas militares começou durante a dinastia Sung, período em que armas de fogo foram empregadas tanto em batalhas terrestres quanto navais;
- Trata-se de uma alusão ao poema "Bebendo à Luz da Lua", de Li-Bai (701-762), o mais célebre dos poetas da dinastia Tang;
- Em chinês, 黄袍怪 (Huángpáo Guài).
- Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
- Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
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