۞ ADM Sleipnir
Arte de Moyi Zhang |
Não falaremos, por enquanto, do cerco dos deuses ao Grande Sábio. Falaremos, no entanto, do Dispensadora Compassiva, a Eficiente Bodhisattva Guanyin da Montanha Potalaka (1) dos Mares do Sul. Ela foi uma das convidadas de honra da Rainha Mãe no Grande Festival dos Pêssegos Imortais e, ao entrar na câmara do tesouro acompanhada por seu fiel discípulo Huei-An, ela verificou, atônita, que a sala estava em absoluta desordem e que as mesas haviam sido todas reviradas. Embora vários membros do panteão celestial estivessem presentes, nenhum estava sentado. Em vez disso, todos estavam envolvidos em discussões acaloradas. Vendo a Bodhisattva entrar, eles a cumprimentaram com cortesia e a atualizaram o mais rápido possível sobre o ocorrido.
— Já que não haverá brinde ou festival este ano, acho que a melhor coisa que podemos fazer é visitar o Imperador de Jade - sugeriu Guanyin. Os deuses não hesitaram em segui-la e, sem dizer mais nada, dirigiram-se ao Salão da Luz Perfeita, onde a Bodhisattva encontrou os Quatro Preceptores Celestiais e o Imortal dos Pés Descalços. A grosso modo, eles a informaram sobre expedição enviada pelo Imperador de Jade para capturar o Wukong e da inquietação que sua demora estava causando nos aposentos imperiais.
— Gostaria de me encontrar com o Imperador de Jade - disse então a Bodhisattva. - Algum de vocês poderia fazer a gentileza de anunciar minha chegada?
Sem perder tempo, o preceptor Qiu Hongji dirigiu-se à Sala do Tesouro da Névoa Divina, retornando alguns segundos depois para informar a Guanyin que o Senhor dos Céus estava à sua espera. Ao receber o anúncio de sua visita, Lao-tzu sentou-se ao lado do imperador, enquanto a Rainha Mãe respeitosamente se sentou atrás de seu trono. Guanyin logo entrou, seguida pelos outros deuses, e depois de prestar seus respeitos ao Imperador de Jade e cumprimentar Lao-tzu e a Rainha Mãe, perguntou com sua franqueza de sempre:
— Você quer me explicar porque o Grande Festival dos Pêssegos Imortais foi cancelado?
— Sempre que comemoramos, todos nos divertimos muito — respondeu o Imperador de Jade. — Mas este ano um macaco arrogante destruiu todos os preparativos, deixando-nos com uma frustração insuportável.
— Você pode me dizer de onde veio esse macaco? — Guanyin perguntou novamente.
— Ele surgiu de um ovo de pedra no topo da Montanha das Flores e Frutos, localizada no país de Ao-Lai no Continente Purvavideha - respondeu o Imperador de Jade. - No exato momento de seu nascimento, dois raios de luz dourada emanaram de seus olhos e atingiram o Palácio da Estrela Polar. Apesar de tudo, não demos muita atenção a isso e nos esquecemos. Mais tarde, porém, ele tornou-se um monstro capaz de derrotar o Dragão e domar o Tigre, e tão ousado que teve seu nome apagado do Livro da Morte. Mais tarde, quando os Reis Dragões e os Príncipes do Mundo Inferior vieram reclamar de sua conduta vergonhosa, decidi prendê-lo sem demora, mas a Estrela Dourada do Planeta Vênus nos fez ver que todos os seres dos das Três Regiões que possuem nove aberturas são capazes de obter a imortalidade, então decidi ajudá-lo a alcançá-la trazendo-o para as Regiões Superiores. Inicialmente, fiz dele o guardião dos estábulos imperiais, mas ele sentiu que esta posição era muito baixa para suas muitas habilidades e deixou o céu por conta própria. Diante de uma rebelião tão descarada, enviei Li Jing e o príncipe Nezha contra ele com ordens de prendê-lo e trazê-lo à minha presença. No entanto, pensei melhor e enviei-lhe um documento de reconciliação, convidando-o novamente a vir para as Regiões Superiores e concedendo-lhe o título de Grande Sábio, Sósia do Céu, nomeação totalmente honorária que não implicava qualquer tipo de responsabilidade . Este foi um erro grave, porque ele passava o dia inteiro vadiando e chegamos a temer que tanta ociosidade pudesse despertar sua natureza briguenta e violenta. Para evitar isso, confiamos a ele os cuidados do Jardim dos Pêssegos Imortais, porém, mais uma vez, ele desrespeitou as regras celestiais, comendo todos os pêssegos das árvores mais antigas. Foi então que começaram os preparativos para o banquete deste ano, para o qual, aliás, não foi convidado, por se tratar de uma pessoa sem designação fixa. Mesmo assim, ele conseguiu enganar o Imortal dos Pés Descalços e se passando por ele , apareceu no Lago de Jaspe. Então ele deu rédea solta à sua natureza travessa, empanturrando-se de toda a comida e bebendo todo o vinho que pode. Ele ainda teve a audácia de roubar o elixir de Lao-Tzu e levar uma grande quantidade de vinho imperial para sua caverna imunda para diversão e entretenimento de seus irmãos macacos. Isso fez o copo da minha paciência transbordar, então decidi enviar cem mil soldados com redes cósmicas para capturá-lo. No entanto, ainda não recebemos nenhum relatório sobre o desenrolar da batalha e temos muito medo de que as coisas não estejam correndo tão bem para nós quanto esperávamos.
A Bodhisattva então voltou-se para seu discípulo Huei-An e ordenou-lhe:
— Desça imediatamente até a Montanha das Flores e Frutos e descubra como está a situação militar no momento. Se o inimigo ainda não foi subjugado, dê aos guerreiros celestiais toda a ajuda de que precisam. Em ambos os casos, por favor, volte e nos informe sobre como as coisas estão indo.
Huei-An arrumou suas roupas da melhor maneira possível e, montando sua nuvem, saiu correndo do palácio com um bastão de ferro nas mãos. Não demorou muito para ele chegar à montanha, onde pôde ver as redes cósmicas e um enxame de sentinelas com sinos nas mãos que gritavam senhas uns para os outros. O cerco da montanha era tão perfeito que era praticamente impossível que uma única gota de água escapasse dela. Assim que pôs os pés no chão, Huei-An ergueu a voz e disse:
— Ei, sentinelas! Vocês se importariam de anunciar minha chegada? Sou o Príncipe Muzha, segundo filho de Li Jing, também conhecido como Huei-An, discípulo favorito de Guanyin dos Mares do Sul, e vim informar-me sobre a situação atual do conflito.
Sem perder tempo, os sentinelas das Cinco Montanhas informaram seus superiores de sua chegada, e as constelações de Aquário, Plêiades, Hidra e Escorpião então transmitiram a mensagem para o comandante chefe na tenda central. Então Li Jing deu ordem para abrirem uma pequena veneziana nas redes cósmicas, permitindo a passagem de tão ilustre visitante. Estava começando a clarear no leste, quando Huei-An finalmente conseguiu se prostrar no chão diante dos Cinco Devarajas. Após os cumprimentos, Li Jing o abraçou afetuosamente e perguntou:
— Posso saber de onde você vem, querido filho?
— Eu acompanhei a Bodhisattva ao Grande Festival dos Pêssegos Imortais — respondeu Huei-An — mas ao ver o lamentável estado no qual o Lago de Jaspe estava mergulhado, a Mãe Misericordiosa foi ver o Imperador de Jade, seguida por mim e muitos outros deuses. O Senhor do Céu imediatamente a informou do ocorrido e lhe contou sobre sua expedição às Regiões Inferiores a fim de prender aquele macaco presunçoso. No entanto, como ainda não haviam notícias no Céu sobre seu progresso, a Bodhisattva me pediu para vir e me informar sobre a situação de nossos exércitos.
— Assim que chegamos — explicou Li Jing — , estabelecemos o acampamento no local onde estamos agora. Os Nove Planetas imediatamente montaram um ataque, mas aquele sujeito liberou todo o arsenal de seus formidáveis poderes mágicos e eles tiveram que recuar, totalmente derrotados. Com isso, eu mesmo conduzi as tropas para enfrentá-lo, mas também fui repelido. Nossos cem mil soldados celestiais lutaram com ele até a noite, quando ele se retirou da batalha usando a magia da divisão corporal. Quando nos reagrupamos, descobrimos que havíamos capturado um grande número de lobos, tigres, leopardos, répteis e afins, mas nenhum macaco. Até o momento, ainda não retomamos as hostilidades.
Li Jing não tinha acabado de dizer isso, quando um soldado veio do portão do acampamento e anunciou com voz trêmula:
— O Grande Sábio organizou seu destacamento de macacos em ordem de batalha e está lá fora nos provocando.
O Príncipe e os Cinco Devarajas ordenaram o envio imediato das tropas. Muzha então agarrou seu pai pela manga e disse:
— Embora a Bodhisattva tenha ordenado que eu viesse coletar informações, ela também permitiu que eu lhe desse qualquer ajuda necessária para a luta. Embora seja verdade que não seja um estrategista, gostaria de ver como esse Grande Sábio luta.
— Suponho que você tenha aprendido algo nesses tantos anos em que esteve com a Bodhisattva — respondeu Li Jing. — Mas tenha cuidado! Esse monstro é muito especial.
— Não temas. Nada vai acontecer comigo — Muzha tentou tranqüilizá-lo. — Bestas mais perigosas do que ele eu enfrentei ao longo da minha vida.
Impaciente pela ação, Muzha agarrou seu bastão de ferro com as duas mãos, ajustou sua roupa pesadamente bordada e, pulando para fora da tenda, gritou com voz confiante:
— Quem é o Grande Sábio, Sósia do Céu?
- É este macaco velho bem debaixo do seu nariz! — respondeu Wukong com arrogância. — E quem é você, para ousar me perguntar uma coisa tão óbvia?
— Sou Muzha, o segundo filho de Li Jing — respondeu o Príncipe. — Também sou conhecido pelo nome de Huei-An, pois sou o discípulo favorito da Bodhisattva Guanyin e dediquei minha vida a defender a fé que ela representa.
— Se o que diz é verdade — respondeu o Grande Sábio — , quer me explicar por que deixou seu treinamento religioso nos Mares do Sul para vir me ver?
— Minha mestra queria saber da situação aqui embaixo e me mandou em busca de notícias frescas — respondeu Muzha. — Mas, vendo que você não passa de um pobre fanfarrão, decidi capturá-lo eu mesmo e assim acabar com toda a sua bravata.
— Como ousa falar assim comigo? — exclamou o Grande Sábio. — Por acaso você não sabe que eu sou o melhor guerreiro de todo o cosmos? Mas não fuja. Prove o sabor do meu bastão de ferro!
Muzha não estava nem um pouco assustado. Ele ergueu o seu bastão e habilmente aparou o golpe mortal que vinha em sua direção.
Os dois se revelaram excelentes lutadores, o demonstrando amplamente no centro da encosta da montanha, bem em frente ao portão principal do acampamento. Poucas vezes se vira, na verdade, um confronto tão acirrado e equilibrado. Suas armas pareciam idênticas, embora o ferro com o qual foram forjadas fosse totalmente diferente. O mesmo poderia ser dito do caráter e da retidão moral daqueles que as empunhavam.
Aquele conhecido como o Grande Sábio era um apóstata que renunciou à sua imortalidade primordial. Seu adversário, pelo contrário, era discípulo da misericordiosa Guanyin, além de um herói verdadeiro e orgulhoso. Seu bastão de ferro foi forjado pelos Seis Deuses das Trevas e dos Seis Deuses da Luz, após baterem nele com mil martelos ao mesmo tempo. O bastão de ferro do Grande Sábio não ficava muito atrás, pois servia para medir a profundidade do próprio Rio Celeste. Assim, era evidente que nenhum dos dois tinha uma vantagem apreciável. Os golpes constantes, ferozes, rápidos como um furacão, certeiros e, ao mesmo tempo, inúteis, lembravam o tamborilar monótono da chuva.
De um lado do campo de batalha, as bandeiras e estandartes ondulavam galantemente, enquanto do outro vinha o som constante de tambores. Cada lado também expressava sua tensão de uma forma totalmente diferente: o nervosismo obrigava os milhares de soldados do céu a formarem círculos, que contrastavam fortemente com as linhas retas que constituíam as legiões de macacos. Em ambos, porém, a empolgação era a mesma. Sobre eles caía em igual profusão a feroz poeira da batalha. Era como uma névoa densa e escura que se espalhava por toda a terra para depois ascender até os próprios portões do Palácio Celestial. Se a luta do dia anterior havia sido feroz, a daquela manhã foi ainda mais feroz e violenta. Quão digna de inveja era a habilidade guerreira do Rei dos Macacos, que finalmente conseguiu derrotar Muzha, fazendo-o fugir para salvar sua vida!
Cinquenta ou sessenta vezes o Grande Sábio e Muzha cruzaram suas armas sem falhar. Pouco a pouco, porém, os braços e os ombros do príncipe cederam à exaustão e chegou um momento em que ele não era mais capaz de lutar.
Percebendo que não poderia subjulgá-lo, ele deixou o campo dignamente derrotado. O Grande Sábio então reuniu suas tropas de macacos e as posicionou com segurança fora da entrada da caverna. Os guerreiros celestiais, por sua vez, afastaram-se para deixar passar o príncipe que, suado e ofegante, foi ao encontro dos Quatro Devarajas, de seu pai Li Jing e do Príncipe Nezha, para dizer-lhes com a voz embargada de cansaço:
— Esse Grande Sábio é um verdadeiro mestre! O poder de sua magia é realmente incalculável. Seu filho não pode vencê-lo, e retornou derrotado.
Chocado, Li Jing escreveu uma carta ao Imperador solicitando reforços, a qual ele confiou ao Príncipe Muzha e ao Rei Demônio Mahabali. Nenhum deles queria atrasar sua partida para o céu. Fizeram um pequeno furo nas teias cósmicas e, após subirem na nuvem sagrada, iniciaram a viagem de volta às pressas. Não demorou muito para eles chegarem ao Salão da Luz Perfeita, onde foram recebidos pelos Quatro Preceptores, que não perderam tempo em conduzi-los diretamente para a Sala do Tesouro da Névoa Divina. Após as saudações habituais, a Bodhisattva perguntou:
— Você conseguiu descobrir obter alguma informação sobre a situação de nossas tropas?
— Obedecendo à sua vontade — respondeu Huei-An — , desci à Montanha das Flores e Frutos, onde, depois de conseguir penetrar nas redes cósmicas, pedi para ser levado à presença de meu pai, a quem oportunamente informei de suas intenções ao me mandar para lá. Ele imediatamente me colocou a par de tudo, dizendo: "Durante todo o dia de ontem nós lutamos contra aquele Rei dos Macacos. Quando nos reagrupamos no final da tarde, descobrimos que havíamos capturado um grande número de lobos, tigres, leopardos, répteis, e animais semelhantes, mas nenhum macaco". Ele mal tinha acabado de dizer isso, quando fomos informados de que aquele monstro exigia, novamente, entrar em combate. Nem lento, nem preguiçoso, peguei meu bastão de ferro e saí para enfrentá-lo. Até cinquenta ou sessenta vezes trocamos golpes, mas, no final, não consegui dominá-lo e tive que voltar para o acampamento, derrotado. Isso levou meu pai a enviar o Rei Demônio Mahabali e a mim para pedir ajuda.
A Bodhisattva não fez nenhum comentário, apenas balançou levemente a cabeça e considerou a gravidade da situação. O Imperador de Jade, por sua vez, terminou de ler a carta de Li Jing e, rindo, exclamou com desdém:
— É ridículo pedir novos reforços! O que há de tão especial naquele macaco que cem mil soldados celestiais são incapazes de derrotá-lo? Não entra na minha cabeça que Li Jing esteja pedindo mais tropas para poder cumprir a sua missão. Alguém pode me dizer qual batalhão podemos enviar até ele?
— Não pense mais nisso — disse Guanyin, com as mãos cruzadas sobre o peito, assim que terminou de falar. — Acho que posso lhe recomendar um deus que, certamente, dominará aquele macaco.
— Posso saber em quem você está pensando? - perguntou o Imperador de Jade com ceticismo.
— Em seu próprio sobrinho, Majestade - respondeu a Bodhisattva — , em Erlang Shen (2), o Mestre Imortal de Sagacidade Absoluta, que, como bem sabe, fixou residência na nascente do Rio das Libações, na Prefeitura de Guan, onde desfruta de punhados de oferendas feitas a ele pelos habitantes das Regiões Inferiores. Não preciso lembrá-lo de que ele matou seis monstros sozinho e atualmente é o líder da Irmandade da Montanha das Ameixeiras, bem como comanda mais de mil e duzentos deuses com cabeça de planta, cujos poderes mágicos são incalculáveis. Porém, ele é um tanto orgulhoso e só se moverá para capturar aquele monstro se você enviar a ele um édito solicitando sua ajuda e de suas tropas no campo de batalha. Se você fizer isso, tenha certeza de que ele acabará derrubando seu inimigo.
O Imperador de Jade redigiu apressadamente o édito, o qual ele confiou ao Rei Demônio Mahabali para que ele pudesse entregá-lo ao seu destinatário o mais rápido possível. Mahabali montou em sua nuvem e dirigiu-se à nascente do Rio das Libações. Ele levou pouco menos de meia hora para chegar ao local onde o Mestre Imortal morava. Ao vê-lo se aproximar, os demônios que guardavam os portões da mansão correram para relatar ao seu senhor, dizendo:
— Um mensageiro acaba de chegar com uma carta do imperador para você.
Erlang Shen e seus irmãos imediatamente deixaram seus assentos e saíram ao encontro de Mahabali, que lhes entregou uma carta do Senhor do Céu, a qual dizia:
"O Grande Sábio, Sósia do Céu, um macaco da Montanha das Flores e Frutos, revoltou-se contra os céus. Ao roubar elixir, empanturrar-se de pêssegos e embriagar-se com vinho imperial, aquela fera impediu a celebração do Grande Festival dos Pêssegos Imortais. Por esta razão, enviamos contra ele cem mil soldados celestiais com dezoito redes cósmicas e a ordem expressa de cercar sua montanha e prendê-lo, mas até o presente momento a vitória ainda não foi assegurada. Por meio desta carta, pedimos, portanto, ao nosso digníssimo sobrinho e seus irmãos que se dirijam o quanto antes à Montanha das Flores e Frutos e com seu suporte contribuam para a derrota definitiva daquele monstro. Se obtiverem êxito, serão promovidos e generosamente recompensados."
Visivelmente satisfeito, o Mestre Imortal virou-se para o Rei Demônio e disse:
— Retorne ao palácio o mais rápido possível e informe ao seu senhor que pode contar com minha humilde contribuição nesta empreitada.
Em seguida, Erlang Shen convocou os seis membros da Irmandade da Montanha das Ameixeiras - os quatro marechais Kang, Zhang, Yao e Li, e os dois generais Guo Shen e Zhi Jian - e uma vez que eles tomaram seus assentos, disse-lhes:
— O Imperador de Jade decidiu nos enviar para a Montanha das Flores e Frutos para deter um macaco rebelde. Portanto, não vamos perder um único minuto e ir para lá o mais rápido possível.
Diligentes, os irmãos imediatamente convocaram os soldados divinos ao seu comando. Com falcões montados, cães em coleiras, flechas prontas e arcos armados, eles partiram em um violento vento mágico e cruzaram em um instante o grande Oceano Oriental. Ao chegarem à Montanha das Flores e Frutos, se depararam com as redes cósmicas e então gritaram aos guardas:
— Fomos enviados pelo Imperador de Jade para capturar o macaco rebelde. Então abram o portão do acampamento e deixem-nos passar.
Os guardas transmitiram a mensagem a seus superiores até que ela chegasse aos ouvidos dos Cinco Devarajas, que saíram para recebê-los nas bordas do campo de batalha. Depois de trocarem os cumprimentos habituais, indagaram o máximo que puderam sobre a situação militar, e Li Jing encarregou-se de oferecer-lhes um panorama mais ou menos completo:
— Agora que eu, o Pequeno Sábio, estou entre vocês — disse sarcasticamente o Mestre Imortal — , vou iniciar uma corrida de transformação com nosso inimigo rebelde. Os senhores devem manter a rede cósmica presa em todos os lados, exceto na parte superior, que deve ficar completamente exposta. Não se preocupem comigo. Se eu for derrotado, não há necessidade de vocês virem em meu auxílio, pois meus próprios irmãos cuidarão disso. Da mesma forma, se a sorte sorrir para mim e eu acabar ganhando, eles também se responsabilizarão por amarrar a fera. A única coisa que preciso é que o Devaraja Li Jing fique parado no céu segurando este espelho refletor de monstros. É de se esperar que, se derrotado, o macaco tente fugir para um lugar bem longe daqui. É necessário, portanto, que sua imagem esteja refletida claramente no espelho. Desta forma, não vou perdê-lo de vista.
Os Devarajas então ocuparam os quatro pontos cardeais, enquanto todos os guerreiros celestiais foram colocados em suas posições de batalha. Erlang Shen saiu à frente de seus irmãos - os quatro marechais e os dois generais - para desafiar o inimigo para a batalha, mas antes ordenou a seus outros oficiais, os deuses com cabeça de planta, que defendessem o acampamento com firmeza e mantivessem os falcões e cães sob controle. Indo até a entrada da Caverna da Cortina D'água, ele viu um destacamento de macacos dispostos de tal forma que parecia ser um dragão enrolado. Precisamente na sua parte central, erguia-se, orgulhoso, o estandarte com o lema: "O Grande Sábio, Sósia do Céu".
— Que monstro convencido! — exclamou o Mestre Imortal, ao vê-lo. — Como ele se atreve a conceder a si mesmo o título de Sósia do Céu?
— Não há tempo para elogios ou críticas — disseram os seis membros da Irmandade da Montanha das Ameixeiras. — É hora de lidarmos com aquele macaco.
Quando os macacos viram o Mestre Imortal bem na frente de seu acampamento, correram para contar ao seu senhor. Sem perder tempo, o Rei dos Macacos agarrou seu bastão de ferro, ajustou sua couraça de ouro, calçou suas sandálias de andar sobre as nuvens e, após colocar o elmo de ouro na cabeça, deu um tremendo salto que o levou para fora de seu acampamento. Surpreso com a delicadeza de seus traços e a elegância de suas roupas, Wukong não conseguia tirar os olhos de seu novo adversário.
Era, de fato, um homem de semblante comedido e gentil, cujas orelhas tocavam os ombros e cujos olhos, sempre alertas, emanavam uma luz ofuscante. Sua cabeça era protegida por um elmo com três penas de fênix, e que ressaltava a palidez amarelada de suas vestes. Suas botas eram forradas com tiras de ouro combinavam com suas meias de dragões enrolados. Oito emblemas (3), semelhantes a flores, adornavam seu cinto de jade. Pendurado em sua cintura havia um arco de chumbo que lembrava a graciosa curvatura da lua nova, e em suas mãos havia uma lança de três pontas e dois gumes, muito parecida com um tridente.
Tais eram as armas de um homem que, com um único golpe, fendeu a Montanha do Pêssego para salvar sua mãe; que, com um único tiro, derrubou duas fênixes de Zongluo; que, com sua engenhosidade, matou oito monstros, ampliando a onda crescente de sua fama; e que, um fiel cultivador de amizade, criou a Irmandade dos Sete Sábios da Montanha das Ameixeiras. Ele possuía uma mente tão elevada que não se considerava um parente direto do Céu. De fato, sua natureza orgulhosa e independente o levou a fixar residência nas margens do Rio das Libações. Tal era o magnânimo e compreensivo Sábio da Cidade de Chr (4), mestre da arte das mutações, um imortal conhecido por todos pelo nome de Erlang Shen.
Ao vê-lo, o Grande Sábio agarrou seu bastão de ferro com força e gritou, desdenhoso:
— Que pequenino guerreiro é você e de onde veio, para que se atreva a me desafiar?
— Você tem olhos, mas é óbvio que não os usa direito — respondeu o Mestre Imortal. — Como é possível que você não tenha me reconhecido? Eu sou Erlang Shen, sobrinho do Imperador de Jade e Rei dos Espíritos Ilustres por nomeação direta de sua majestade. Também recebi dele a ordem de vir prendê-lo, maldito macaco rebelde. Você não percebeu que o seu fim chegou?
— Lembro-me que anos atrás a irmã do Imperador de Jade se apaixonou por um mortal chamado Yang, com quem ela se casou e deu à luz um filho logo depois — comentou o Grande Sábio, desdenhoso. — Quer dizer que você é o jovem que dizem ter partido a Montanha do Pêssego em duas com a única ajuda de seu machado? Eu certamente gostaria de confrontá-lo, mas não tenho nada contra você. Eu poderia destruí-lo agora mesmo com meu bastão de ferro, porém, serei generoso com você e pouparei sua vida. É vergonhoso jogar alguém tão jovem quanto você no campo de batalha. Por que você não volta e diz aos Quatro Grandes Devarajas para saírem e mostrarem seus rostos?
— Maldito macaco! — exclamou furioso o Mestre Imortal. — Como ousa ser tão insolente? Prove o sabor da minha lâmina! - e de repente lançou um ataque com sua lança, o qual o Grande Sábio parou, levantando oportunamente seu bastão de ferro.
A luta travada pelos dois era digna de verdadeiros campeões. Erlang Shen, o Deus da Ilustre Bondade, galante e alto astral, desafiou o Belo Rei dos Macacos, o Grande Sábio Sósia do Céu, tão valente que não temia ninguém e estava disposto a enfrentar a todos. Assim que se viram, sentiram um desejo ardente de medir sua força hercúlea. Ambos não sabiam quem era o melhor guerreiro, mas naquele momento eles, finalmente teriam a oportunidade de descobrir quem era o mais forte e quem era o mais fraco. Suas armas se chocaram em todas direções, sem descanso ou trégua. O bastão de ferro lembrava um dragão voador, enquanto a lança lembrava os movimentos de uma fênix. A presença dos corajosos irmãos da Montanha das Ameixeiras preenchia um lado do campo de batalha, enquanto os quatro generais de Wukong, ocupavam o outro. Ambos os grupos agitavam seus estandartes e bandeiras ao som de tambores, gongos e gritos de encorajamento. Os gumes da lança de Erlang Shen procuravam penetrar na carne do adversário, mas as contínuas estocadas e defesas de Wukong o impediam. O que mais se poderia esperar de uma peça tão maravilhosa quanto o bastão de ferro com pontas de ouro, uma maravilha dos mares, capaz de se metamorfosear e voar até os cumes da vitória? Um único descuido poderia levar à morte e fazer com que a sorte, assim como a névoa, se dissolvesse para sempre.
Mais de trezentas vezes seguidas o Mestre Imortal e o Grande Sábio trocaram golpes com suas armas, sem que a vitória fosse para nenhum dos lados. O imortal considerou, então, que havia chegado a hora de fazer uso de seus poderes mágicos e, com um simples movimento de seu corpo, tornou-se um gigante de mais de trinta mil metros de altura. Ao mesmo tempo, seu rosto adquiriu uma estranha coloração verde, seus dentes ficaram afiados como sabres e seu cabelo adquiriu uma coloração vermelho-escura.
Brandindo sua lança de de três pontas e dois gumes com ambas as mãos, desferiu um tremendo golpe contra a cabeça do Grande Sábio, mas este, fazendo uso também de sua poderosa magia, transformou-se numa figura tão alta e com o as mesmas feições de Erlang Shen. Seu bastão de ferro passou por uma mudança semelhante, tornando-se tão grande que se assemelhava ao pilar do Monte Kun-Lun, sobre o qual repousam os céus, e assim ele poderia enfrentar os golpes do imortal.
Essa inesperada visão aterrorizou tanto as marechais Ma e Liu, que elas não conseguiam mais agitar seus estandartes, e os generais Beng e Ba ficaram tão horrorizados que não conseguiam manusear suas cimitarras e espadas.
Aproveitando-se do momento, Kang, Zhang, Yao, Li, Guo Shen e Zhi Jian ordenaram aos deuses com cabeça de planta que liberassem os falcões e cães celestiais e avançassem com seus arcos e flechas sobre os macacos que guardavam a Caverna da Cortina D'água. O ataque foi tão eficaz que os quatro comandantes macacos fugiram em desordem. Enquanto isso, um número de macacos entre dois e três mil foram capturados.
Em meio a confusão, os macacos restantes largaram os escudos as lanças e atiraram suas espadas ao chão. Sem parar de correr ou gritar, alguns tentaram escapar montanha acima, enquanto outros buscaram refúgio dentro da caverna. Era como se um gato selvagem tivesse caído no ninho de um pássaro à noite, e todos tivessem subido às estrelas, enchendo o céu com o bater escuro de suas asas. A Irmandade da Montanha das Ameixeiras obteve assim uma vitória total e completa.
Quando o Grande Sábio viu que seus macacos haviam sido derrotados, sentiu uma profunda tristeza tomando conta de seu coração, e a sua coragem foi, aos poucos, abandonando-o. Desistindo do combate, ele retomou sua forma normal e, virando-se, fugiu arrastando atrás de si o pesado bastão de ferro. Ao vê-lo, o Mestre Imortal perseguiu-o a passos largos, gritando:
— Onde você está indo, covarde? Renda-se agora, e sua vida será poupada!
Mas o Grande Sábio, longe de parar para retomar a luta, correu o mais rápido que pôde. Perto da entrada da caverna, ele encontrou os marechais Kang, Chang, Yao e Li, e os generais Guo Shen e Zhi Jian, que estavam À frente de um exército tentando bloquear seu caminho. Ao vê-lo, eles gritaram:
— Onde você pensa que vai, macaco maldito?
Compreendendo a gravidade de sua situação, o Grande Sábio reduziu seu bastão de ferro ao tamanho de uma agulha de bordar e o escondeu em sua orelha. Então, com um breve movimento de seu corpo, transformou-se em um pequeno pardal, e saiu voando para se esconder no galho mais alto de uma árvore. Perplexos, os seis irmãos procuraram por ele em todos os lugares, mas não conseguiram encontrá-lo.
— Perdemos o monstro! — repetiram com um visível nervosismo. — Perdemos o monstro!
Enquanto faziam todo esse clamor, o Mestre Imortal se aproximou deles e perguntou:
— Em que ponto específico vocês o perderam de vista?
— Bem aqui — responderam. — Nós o encurralamos e de repente ele desapareceu.
Erlang Shen arregalou seu olho de fênix (5) e inspecionou cuidadosamente o local. Desta forma, não demorou muito para ele descobrir que o Grande Sábio havia se transformado em um pardal e estava empoleirado no galho mais alto de uma árvore.
Em um piscar de olhos, Erlang Shen voltou à sua forma normal e se livrou do peso de seu arco de chumbo. Mas ainda não havia tocado o chão, quando se transformou em um falcão com as asas estendidas, pronto para atacar sua presa. O Grande Sábio então sacudiu suas plumas e se transformou em um corvo-marinho, e foi direto para o céu aberto. Assim que Erlang Shen o viu, bateu as asas vigorosamente e metamorfoseou-se numa gigantesca gaivota, capaz de entrar nas nuvens e capturar com o bico tudo o que nelas se escondia.
O Grande Sábio foi forçado, então, a descer e, após se transformar em um peixinho, caiu em um riacho.
Erlang Shen correu para a beira da água, mas não encontrou nenhum vestígio dele. Então pensou consigo mesmo:
— Este símio deve ter entrado na água e se transformado em peixe, camarão ou algo parecido. O que posso fazer então é mudar de forma para pegá-lo.
E, sem pensar duas vezes, assumiu a forma de um falcão-pescador, e deslizou rio abaixo sobre as águas.
Alheio a esta nova mudança, o Grande Sábio deixou-se, levar pela correnteza. Mas de repente, ao olhar para cima, viu um pássaro que parecia um milhafre verde - embora suas penas não fossem totalmente verdes -, lembrando o tamanho de uma garça - embora sua plumagem fosse bastante rala - e semelhante a uma garça - embora suas patas carecessem da tonalidade vermelha dessa ave.
— Deve ser Erlang Shen me procurando — disse para si mesmo, e imediatamente se virou, nadando na direção oposta. Mas, ao fazê-lo, deixou escapar algumas bolhas, que não passaram despercebidas pelo Mestre Imortal, que pensou:
— Esse peixe parece uma carpa, embora sua cauda não seja vermelha; parece uma perca, embora suas escamas não formem nenhuma figura; lembra uma enguia, embora não tenha uma estrela na cabeça; e é idêntico a uma brema, embora suas guelras sejam totalmente desprovidas de cerdas. Por que ele tentou fugir assim que me viu? Certamente é o macaco rebelde! — e mergulhou na água, tentando agarrá-lo com o bico.
Mas o Grande Sábio conseguiu esquivar-se dele a tempo e transformou-se numa serpente d'água, que rapidamente nadou em direção à margem, perdendo-se imediatamente entre a erva alta que ali crescia.
Ao ver que seu ataque havia sido em vão, e que uma serpente d'água fugia na água, Erlang Shen deduziu sem dúvida que o Grande Sábio havia se metamorfoseado novamente. Virou-se o mais rápido que pôde e tornou-se um grou de coroa vermelha, que tentou devorar a serpente com as pinças afiadas de seu bico.
Mais uma vez, o Grande Sábio conseguiu evitar o perigo, transformando-se numa abetarda malhada, que ficou estupidamente parada nas águas turvas da margem.
Quando Erlang Shen viu que o macaco tinha assumido a forma de um animal tão vulgar - pois a abetarda malhada é a mais vil e promíscua das aves, acasalando indiscriminadamente com fênixes, falcões ou corvos - recusou-se a se aproximar dele. Ele retomou sua forma habitual, retesou seu arco de chumbo o mais longe que pôde e lançou um projétil contra o pássaro, que foi lançado ao ar.
Mas mesmo em uma situação tão comprometida como aquela, o Grande Sábio conseguiu tirar proveito. Ao descer a colina, ele se metamorfoseou mais uma vez, desta vez tornando-se um pequeno templo dedicado à divindade local. Sua boca escancarada tornou-se o pórtico, seus dentes as portas, sua língua a imagem da divindade e seus olhos as janelas, mas sua cauda representava um problema sério, que ele resolveu erguendo-a e convertendo-a em um mastro.
O Mestre Imortal se lançou montanha abaixo, mas em vez da abetarda que acabara de abater, encontrou apenas um pequeno templo. Perplexo, ele abriu o olho de fênix o máximo que pôde e o estudou cuidadosamente.
Nada parecia anormal. Tudo se ajustava perfeitamente a esse tipo de construção religiosa. Mas, ao ver o mastro que se erguia atrás, desatou a rir e disse para si mesmo:
— É o macaco. Eu não tenho dúvidas. Esse trapaceiro está tentando me enganar de novo. Já vi muitos templos ao longo da minha vida, mas nunca encontrei um que tivesse um mastro naquela parte, o que deduzo que deve ser uma nova brincadeira daquele animal. Por que arriscar entrar nele e deixá-lo me esmagar quando estiver dentro? O que eu tenho que fazer é quebrar suas janelas com meus punhos e derrubar todas as suas portas com meus chutes!
Ao ouvir isso, o Grande Sábio ficou muito nervoso e exclamou:
— Que bruto você é! As portas são meus dentes e as janelas meus olhos. O que vou fazer com meus olhos quebrados e meus dentes arrancados? — e, dando um grande salto, voltou a desaparecer nas alturas. O Mestre Imortal levantou a cabeça tentando encontrá-lo, mas foi em vão.
Nisso, os marechais Kang, Chang, Yao e Li, e os generais Guo Shen e Zhi Jian foram até onde ele estava e perguntaram-lhe:
— Você já capturou o Grande Sábio, irmão?
— Há pouco aquele macaco rebelde tentou me enganar, transformando-se em um templo — respondeu o Mestre Imortal, sorrindo. — Quando eu estava prestes a quebrar suas janelas e derrubar suas portas, ele saltou e desapareceu da minha vista. Isso tudo está se tornando um pouco estranho, não acham?
Os irmãos ficaram surpresos, mas não conseguiram encontrar nenhum vestígio dele em nenhuma direção.
— Fiquem aqui vigiando — sugeriu o Mestre Imortal — , enquanto eu subo lá para procurá-lo.
Ele subiu em uma nuvem e rumou em direção aos céus, onde ele encontrou Li Jing e Nezha, que seguravam o espelho para refletir monstros. Então perguntou-lhes:
— Vocês viram o Rei dos Macacos?
— Ele não subiu aqui — respondeu o Devaraja. — Eu lhe asseguro. Eu estive olhando para o espelho o tempo todo.
Depois de contar a eles sobre o estranho duelo de metamorfose que tiveram e a captura do resto dos macacos, o Mestre Imortal concluiu:
— Finalmente, ele se tornou um templo, mas fugiu quando estava prestes a pegá-lo.
Li Jing virou o espelho novamente e, depois de olhá-lo cuidadosamente, incitou Erlang Shen, dizendo:
— Rápido, Mestre! Se apresse. Usando seus poderes de invisibilidade, o macaco conseguiu romper o cerco e está se dirigindo para a foz do Rio das Libações.
De fato, o Grande Sábio não demorou a chegar ao rio, e com um leve movimento de seu corpo, tornou-se o próprio Erlang Shen. Desta forma, ele desceu da nuvem e foi direto para o santuário do mesmo. Os demônios que o atenderam não notaram nenhuma diferença entre ele e o verdadeiro Erlang Shen, e o deixaram seguir livremente.
Todos eles, de fato, se prostraram diante dele e bateram com a testa no chão repetidas vezes como gesto de boas-vindas. Com naturalidade, o Grande Sábio sentou-se no trono e começou a examinar as diferentes oferendas: três tipos diferentes de carne apresentadas por Li-Hu, o sacrifício votivo oferecido por Zhang-Long, o pedido de um filho feito por Zhao Jia e a súplica de cura dirigida por Qian Bing.
De repente, o Grande Sábio ouviu alguém chegar e relatar, assustado:
— Mais um Santo Padre acaba de chegar!
Em pânico, todos os demônios correram para ver se era verdade. Sorrindo, o Mestre Imortal perguntou-lhes:
— Aquele rebelde que se autodenomina o Grande Sábio, Sósia do Céu, esteve aqui?
— Não vimos nenhum grande sábio - responderam os demônios, perplexos. — Tudo o que podemos dizer é que há outro Santo Padre ali, examinando as ofertas.
O Mestre Imortal entrou correndo pela porta. Ao vê-lo, o Grande Sábio revelou sua verdadeira forma e disse com uma calma surpreendente:
— Não há mais necessidade do garotinho se esforçar! Agora este templo é chamado de Templo de Sun Wukong.
Sem fazer nenhum comentário, Erlang Shen ergueu sua lança de três pontas e dois gumes e desferiu um tremendo golpe, do qual o Rei dos Macacos se esquivou oportunamente, ao mesmo tempo em que tirava da orelha o seu bastão de ferro. Com uma simples sacudida, o bastão voltou a ter a espessura de uma tigela de arroz. Wukong o segurou com firmeza e mais uma vez se envolveu em um terrível combate corpo a corpo com Erlang Shen.
O combate começou na porta do templo e continuou por entre nuvens e brumas até chegar à Montanha das Flores e Frutos. Os adversários não pararam de trocar golpes e insultos ao longo da jornada. Os Quatro Devarajas ficaram tão surpresos com sua aparição repentina que imediatamente se puseram em guarda. Não demorou muito para que os marechais unissem forças com o Mestre Imortal em sua tentativa de cercar o Belo Rei dos Macacos, um feito que não será discutido mais aqui por enquanto.
Falaremos agora sobre demônio Mahabali, que, após solicitar ao Mestre Imortal e seus seis irmãos que assumissem a tarefa de dominar o monstro rebelde, voltou à Região Superior para relatar o resultado de seus esforços. Conversando com a Bodhisattva Guanyin, a Rainha Mãe e os vários oficiais divinos no Salão das Névoas Divinas, o Imperador de Jade disse:
— Se Erlang Shen já entrou em combate, como é possível que ainda não tenhamos recebido nenhum novo relatório?
Cruzando as mãos sobre o peito, Guanyin disse:
— Permita que eu convide Vossa Majestade e o Patriarca do Tao para irmos até o Portão Sul, para que você possa descobrir pessoalmente como as coisas estão indo.
— Excelente sugestão! — exclamou, satisfeito, o Imperador de Jade.
Ele imediatamente mandou buscar sua carruagem imperial e acompanhado pelo Patriarca, por Guanyin, pela Rainha Mãe e os vários oficiais divinos, dirigiu-se ao Portão Sul do Céu, onde o cortejo foi recebido com o maior respeito pelos soldados celestiais e guardiões. Depois de abrir o portão, eles impacientemente começaram a espiar à distância, conseguindo ver, com as limitações impostas pelas circunstâncias, as redes cósmicas que os soldados esticavam com força e cobriram todo o campo de visão, o Devaraja Li Jing e o Príncipe Nezha no ar segurando o espelho refletor de monstros, e o Mestre Imortal e seus irmãos, que tentavam encurralar o Grande Sábio no meio de uma luta selvagem.
A Bodhisattva então virou-se para Lao-tzu e perguntou:
— O que você acha de Erlang Shen, o qual eu recomendei? Pessoalmente, tenho certeza de que é forte o suficiente para subjugar o Grande Sábio e que, mais cedo ou mais tarde, acabará por capturá-lo. No entanto, acredito que é minha obrigação ajudá-lo a alcançar a vitória e, assim, garantir que o inimigo seja feito prisioneiro.
— Como você planeja fazer isso, e que arma irá usar para consegui-lo? — perguntou, por sua vez, Lao-tzu.
— Muito simples — respondeu a Bodhisattva. — Vou derrubar o vaso imaculado que uso para sustentar meu ramo de salgueiro e, quando ele acertar aquele macaco, tenho certeza de que irá derrubá-lo, se não acabar com ele. Desta forma, Erlang Shen, o Pequeno Sábio, não terá dificuldade em capturá-lo.
— Mas seu vaso não é de porcelana? — Lao-tzu respondeu. — Se você acertar a cabeça dele, poderá surtir efeito. Mas se ele atingir o bastão de ferro, irá se quebrar em pedaços. Acredito que o melhor neste caso é você não fazer nada e me deixar ajudá-la a vencer.
— Você possui uma arma? — exclamou a Bodhisattva, surpresa.
— Claro que sim — respondeu Lao-Tzu, e depois de arregaçar a manga esquerda, tirou um bracelete e acrescentou: — Esta arma é feita de aço vermelho e foi criada enquanto eu fabricava elixir de ouro, estando totalmente carregada com forças telúricas. Pode se transformar no que se quiser, é totalmente resistente à ação do fogo ou da água, e tem a capacidade de prender muitas coisas. Na verdade, é chamado de "cortador de diamantes" ou "laço de diamante". No ano em que cruzei o Passo de Han-Ku, ele foi muito útil para conseguir a conversão dos bárbaros, já que ele era praticamente meu único guarda-costas dia e noite. Se me permite, vou largá-lo agora mesmo e atingirei aquela fera com ele.
Assim que terminou de dizer isso, Lao-tzu largou o bracelete, que caiu rolando por entre as nuvens, até parar no próprio campo de batalha da Montanha das Flores e Frutos, especificamente na cabeça do Grande Sábio.
O Rei dos Macacos travava uma luta feroz com os Sete Sábios e não percebeu que algo havia caído do céu e o atingido bem no topo da cabeça. No entanto, ele de repente se viu incapaz de ficar de pé e caiu no chão, como se tivesse tropeçado em algo. Mesmo assim, ele conseguiu se levantar e estava prestes a fugir quando Xiaotianquan, o cão celestial de Erlang Shen, se lançou sobre ele e o mordeu na panturrilha. Desta forma, ele foi derrubado uma segunda vez e permaneceu caído no chão, sem deixar de xingar e insultar, dizendo:
Wukong tentou se levantar novamente, mas os sete irmãos correram até ele e o seguraram com força. Amarraram-no às pressas e cravaram uma faca no seu esterno, impedindo-o de continuar se transformando.
— O que eu consegui, afinal? — Erlang Shen respondeu. — Esta vitória jamais teria sido alcançada sem a colaboração de vocês. O mais importante, porém, é que a autoridade imperial foi definitivamente restaurada.
— Não há mais nada a dizer — disseram Kang, Zhang, Yao e Li quase em coro. — O que temos que fazer agora é levar esse sujeito até o Imperador de Jade para ver o que será feito dele.
— Receio, meus respeitáveis irmãos — respondeu o Mestre Imortal — , que por lhes faltar um título, não poderão se encontrar com o Imperador de Jade. Entreguem-no aos guardas do céu e deixem que se encarreguem disso sozinhos. Irei com os Devarajas até as Regiões Superiores para escrever um relatório. Enquanto isso, vocês podem vasculhar minuciosamente toda a montanha. Assim que vocês acabarem com os monstros restantes, voltem para o Rio das Libações. Eu me juntarei a vocês para comemorar, assim que relatar nossa façanha e receber a recompensa apropriada.
Os quatro marechais e os dois generais aceitaram seu plano sem questionar. O Mestre Imortal então cavalgou na nuvem com os outros deuses e juntos começaram sua jornada triunfante de volta ao céu. Durante todo o caminho eles não pararam de tocar canções de vitória. Assim que eles pisaram no pátio externo do Salão da Luz Perfeita, um dos preceptores celestiais correu para anunciar sua chegada ao Imperador, dizendo:
— Os Quatro Grandes Devarajas, que conseguiram capturar o Grande Sábio, Sósia do Céu, aguardam impacientemente as ordens de Vossa Majestade.
O Imperador de Jade determinou que o prisioneiro fosse levado pelo demônio Mahabali e pelos guardas celestiais até o quartel de execução de monstros, onde seria desmembrado e posteriormente cortado em pedaços. Tal era o castigo que a lei divina determinava para os mentirosos e rebeldes. Com que rapidez seus feitos heróicos desapareceram!
Não sabemos o que aconteceu com o Rei dos Macacos. Quem quiser descobrir terá que ouvir o que é dito no próximo capítulo.
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Notas do Capítulo VI:
- A Montanha Potalaka está localizada no sudeste de Malakuta. Seu equivalente chinês é o Monte Pu-Tou, que fica a leste da cidade de Ning-po, Zhejiang, e é o centro do culto da Bodhisattva Guanyin.Erlang Shen foi identificado, segundo diferentes autores, com Zhao-Yü, personagem da dinastia Suei; Li-Ping, suposto imortal de Sze-chuan; e Yang-Jian, ser fictício que aparece no romance Fengshen Yanyi ("Investidura dos Deuses"). Todos eles tinham em comum um domínio magistral das armas e um profundo conhecimento das artes mágicas.
- Os oito emblemas podem ter origem taoísta ou budista. No primeiro caso, eles se referem aos objetos mágicos carregados pelos Oito Imortais: a espada, o leque, a cesta de flores, a flor de lótus, a flauta, a cabaça, o chocalho e o instrumento musical. Na segunda, referem-se aos oito sinais de boa sorte que Buda tinha na sola do pé e que correspondiam a cada um dos seus órgãos: a roda, a concha, a sombrinha, a copa, a flor de lótus, a jarra, os dois peixes e os signos místicos.
- Embora vários locais tenham sido propostos para a cidade de Chr, é mais provável que ela estivesse localizada em Kuan-Zhou, Szechuan, já que é de onde veio o culto de Erlang Shen.
- Erlang tinha um terceiro olho no meio da testa, dotado de uma capacidade extraordinária de perceber a magia.
- Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
- Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
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