— A oeste desta montanha corre o Riacho do Pinheiro Seco, onde, às margens, fica o povoado em que minha família vive. Meu avô, chamado Hong (2), acumulou uma grande fortuna e ficou conhecido como "Hong, o Milionário". No entanto, já faz muito tempo que ele faleceu, e toda sua riqueza passou para meu pai. Mas a sorte dele não foi a mesma. Tudo o que tentou nos negócios acabou em fracasso, a ponto de também ser chamado de Hong, o Milionário... só que em tom de zombaria. Tentando recuperar o que perdeu, meu pai contraiu empréstimos de prata e ouro com um grupo de cavaleiros destemidos. Mas, na verdade, eram apenas bandidos disfarçados. Quando ele finalmente jurou não pegar mais nenhum empréstimo, já era tarde demais. Os bandidos, sentindo-se à vontade, atacaram nossa casa em plena luz do dia. Levaram tudo o que puderam, mataram meu pai e, ao verem a beleza de minha mãe, a sequestraram para aprisioná-la em um bordel. Apesar de tudo isso, minha mãe teve coragem suficiente para me esconder sob suas saias e me levar consigo, sem que ninguém percebesse. Mas minha sorte não durou muito. Os bandidos descobriram o truque e, ao chegarem a esta montanha, decidiram me matar. Minha mãe implorou por minha vida, e eles, sem se importarem, resolveram me pendurar em uma árvore para que a fome me consumisse e os animais selvagens devorassem meu corpo depois. Foi sorte vocês passarem por este lugar tão desolado. Com certeza, essa boa fortuna deve vir de méritos acumulados em outra vida. Por favor, me salvem! Se me levarem de volta para casa, recompensarei vocês generosamente, nem que eu tenha que me vender como escravo. Minha gratidão será tamanha que, mesmo depois de morto, recordarei este gesto.
Comovido, Sanzang acreditou em cada palavra do menino e ordenou que Bajie o desatasse. Enquanto ele se preparava para obedecer as ordens do mestre, o Peregrino interveio, fitando o monstro diretamente e exclamando:
— Maldita besta! Não pense que pode me enganar com seus choramingos e mentiras! Se, como diz, sua casa foi saqueada, seu pai foi morto e sua mãe levada pelos bandidos, a quem devemos confiá-lo, depois que o libertarmos? Além disso, como pretende nos recompensar, se não tem onde cair morto? Sua história não faz sentido e está cheia de buracos! Não subestime nossa inteligência!
O monstro começou a tremer. Ele sabia que o Grande Sábio era seu principal inimigo. Por isso, recorreu novamente à sua astúcia e, chorando copiosamente, disse:
— É verdade que meus pais morreram e que a fortuna da minha família se foi completamente. Mas ainda tenho algumas terras e parentes.
— Quais parentes? — perguntou o Peregrino, desconfiado.
— Todos os da minha mãe — respondeu o monstro, fingindo sinceridade. — Eles são originários de uma região ao sul desta montanha, embora a maioria das minhas tias viva ao norte. Sem contar o Senhor Li, marido de uma irmã da minha mãe, que mora perto da nascente do riacho de que falei antes, e o Senhor Hong, um tio distante, que vive no interior da floresta. Além disso, no vilarejo de onde venho, tenho vários primos e outros parentes. Eles certamente os recompensarão generosamente quando eu contar o que fizeram por mim. Tenho certeza de que venderão alguma terra para lhes dar tudo o que precisarem.
Ao ouvir isso, Bajie empurrou o Peregrino para o lado, dizendo:
— Para que fazer tantas perguntas? Não vê que ele não passa de um menino? Além disso, ele já disse que os bandidos levaram tudo o que havia de valor em sua casa. Mas terras e casas eles não puderam carregar, certo? Nós, por exemplo, comemos como feras, mas nem nós conseguiríamos acabar com a comida de dez simples acres de terra. Vamos tirá-lo daí e depois desfrutar da nossa boa ação quando ele falar com seus parentes.
Bajie não tinha olhos para mais nada, a não ser para a comida. Sem pedir ajuda a ninguém, pegou a faca usada para as oferendas e desatou o monstro. Sem parar de chorar, o monstro se virou para o monge Tang e começou a bater a cabeça no chão.
— Levante-se e suba no meu cavalo — ordenou o mestre, comovido. — A partir de agora, eu cuidarei de você.
— Não, obrigado — desculpou-se o monstro. — Depois de ficar pendurado naquela árvore, meus pés e mãos estão dormentes, e meu corpo inteiro dói. Além disso, nunca montei a cavalo.
O monge Tang então ordenou que Bajie o carregasse, mas o monstro também recusou, dizendo:
— Minha pele é muito áspera, e eu não me atrevo a abusar desse digno mestre. Além do mais, suas orelhas são enormes, sua boca é saliente, e seus pelos são incrivelmente duros. Querem que eu me deite em cima de um cardo?
— Nesse caso — concluiu o monge Tang —, que o Monge Sha o carregue.
— Mestre — disse o monstro, depois de lançar-lhe um olhar —, quando aqueles bandidos destruíram minha casa, estavam com o rosto completamente pintado, usavam barbas postiças e empunhavam facas e bastões. Foi uma visão realmente aterrorizante. Ainda assim, com todo o respeito, este honrado mestre me causa mais medo do que eles. Se não se importar, preferiria que ele não me carregasse.
O monge Tang não teve outra alternativa a não ser ordenar que o Peregrino fizesse o trabalho. Wukong então soltou uma risada alta e exclamou:
— Certo! Deixem que eu o carrego!
Não conseguindo esconder sua alegria, o monstro aceitou de bom grado ser carregado pelo Peregrino. Para testar o seu peso, Wukong o ergueu do chão e percebeu que o monstro não pesava mais do que quinze quilos. Satisfeito, Wukong murmurou entre dentes:
— Como você é atrevido! Eu devia matá-lo agora mesmo! Como ousa tentar me enganar? Sei muito bem o que você é.
— Eu venho de uma boa família e tive o azar de sofrer uma grande desgraça. O que quer dizer com isso? — indagou o monstro.
— Se você realmente vem de uma boa família — replicou o Peregrino —, como é possível que tenha um corpo tão leve?
— Tenho ossos pequenos — respondeu o monstro.
— Quantos anos você tem? — perguntou Wukong.
— Tenho sete anos — respondeu novamente o monstro.
— Mesmo que você engordasse apenas quatro quilos por ano — calculou o Peregrino —, agora deveria pesar uns vinte e oito quilos. Mas, na verdade, mal chega à metade disso.
— Talvez seja porque não bebi leite suficiente quando era bebê — justificou o monstro.
— Está bem — concluiu o Peregrino. — Carregarei você até onde for necessário, mas, por favor, não urine em mim. Se precisar urinar, me avise, tudo bem?
Sanzang seguia à frente, acompanhado por Bajie e o Monge Sha, enquanto Wukong fechava a marcha com o monstro nas costas. Sobre essa jornada rumo ao Oeste, um poema dizia:
A virtude é sempre sublime,
Mas as forças do mal também têm seu atrativo.
A causa do Zen é imutável,
Mas até essa constância alimenta as bestas.
A Mente é justa e escolhe o caminho do meio,
Enquanto a Mãe Madeira, inclinada ao mal, segue outro rumo.
O Cavalo da Vontade permanece em silêncio,
Tentando dominar desejos e paixões.
Quem alimenta a Falsidade pode ter sucesso,
Mas sua felicidade é espuma que se desvanece,
Pois a Verdade, cedo ou tarde, a desmascara.
Enquanto o Grande Sábio caminhava com o monstro em suas costas, começou a criticar o comportamento do monge Tang, murmurando para si mesmo:
— Parece que o mestre não tem ideia do quão difícil é atravessar montanhas tão íngremes como esta. Já é complicado andar por esses caminhos, imagine carregando um monstro! Mesmo que fosse uma pessoa honrada, não faria sentido levá-lo, já que seus pais estão mortos. Em quem vamos confiar para cuidar dele? Em situações assim, o melhor seria partir-lhe a cabeça e acabar logo com isso.
O monstro, percebendo as intenções do Peregrino, decidiu usar sua magia. Inspirou profundamente quatro vezes, uma em cada direção dos pontos cardeais, e soprou sobre o pescoço de Wukong. No mesmo instante, o Peregrino sentiu como se um peso superior a dez mil quilos tivesse sido colocado sobre ele.
— Meu filho — disse Wukong, rindo. — Está usando a magia do corpo pesado para esmagar seu venerável pai?
Ao ouvir essas palavras, o monstro temeu que o Grande Sábio pudesse atacá-lo e, libertando-se de seu corpo, subiu pelos ares, enquanto o peso que o Peregrino suportava aumentava cada vez mais.
Isso só serviu para deixar o Rei dos Macacos ainda mais irritado. Wukong, que não era conhecido por sua paciência, agarrou o corpo que carregava nas costas e o lançou com força contra algumas pedras à beira do caminho. O impacto foi tão brutal que o mesmo se transformou em uma massa disforme de carne. Não satisfeito, o Peregrino arrancou-lhe os braços e as pernas, despedaçando-os sem piedade.
Observando a cena do alto, o monstro soltou um suspiro de alívio e pensou:
— Que monge traiçoeiro! Nunca imaginei que fosse tão violento! Mesmo que eu seja um monstro planejando devorar o seu mestre, ainda não levantei minha mão contra ele. Por quê não esperou eu dar o primeiro passo? Ainda bem que tive o bom senso de abandonar aquele corpo. Caso contrário, estaria morto agora. O que preciso fazer é capturar o monge Tang o quanto antes. Não terei oportunidade melhor que esta, já que aquele macaco adora ver sangue.
Mal havia terminado de pensar isso, quando ele fez surgir no ar um redemoinho verdadeiramente feroz, que arremessava rochas e levantava poeira. O vento era tão forte que as águas transbordaram dos rios e, ao agitar o éter negro, o sol perdeu sua luz. Incontáveis árvores foram arrancadas, expondo suas raízes centenárias. Nenhum pessegueiro ficou com os galhos intactos. A areia cegava os olhos dos viajantes, forçando-os a adiar suas jornadas. As pedras voavam como folhas de bambu, caindo nos caminhos e tornando-os praticamente intransitáveis. Todo o cenário foi mergulhado em uma escuridão densa, que enlouquecia as bestas e as aves selvagens. Seus gritos de angústia eram ouvidos por toda parte.
Sanzang mal conseguia manter-se em cima do cavalo. Bajie o viu balançando perigosamente nas costas do animal, mas teve que fechar os olhos para protegê-los do impacto da areia. O Monge Sha igualmente, não conseguia enxergar nada. Somente o Grande Sábio percebeu que tudo aquilo era uma artimanha do monstro. Contudo, quando tentou se aproximar de seu mestre, já era tarde. O monstro havia levado o monge Tang para o alto da montanha. Sanzang desapareceu, sem deixar qualquer vestígio.
O vento começou a amainar e, em pouco tempo, o sol voltou a brilhar. O Peregrino viu o cavalo-dragão relinchando e dando coices de susto. O equipamento estava espalhado, desfeito, ao lado do caminho. Bajie estava encolhido atrás de uma pedra, assim como o Monge Sha, que não parava de gemer.
— Bajie! — gritou o Peregrino.
Ao ouvir a voz de Wukong, Bajie ergueu a cabeça e percebeu que a tempestade havia passado por completo. Mesmo assim, agarrou-se nervosamente ao Peregrino e exclamou:
— Que vento forte foi esse!
— Parecia um tornado — comentou o Monge Sha, aproximando-se deles.
— Onde está o mestre? — perguntou o Peregrino.
— O vento era tão forte que todos nós abaixamos a cabeça e cobrimos os olhos, tentando nos proteger. O mestre parecia ter colocado a cabeça sobre a sela — respondeu Bajie.
— Mas onde ele está agora? — insistiu Wukong.
— Ele deve ter sido levado pelo vento, como se fosse feito de junco — respondeu o Monge Sha.
— Irmãos, acho que chegou a hora de nos separarmos — concluiu o Peregrino.
— Você tem razão — concordou Bajie. — Ainda estamos a tempo de seguir caminhos diferentes. A viagem ao Oeste parece interminável. Podem me dizer quando vamos chegar? Às vezes duvido que nossa jornada tenha um fim algum dia.
— Como podem dizer isso? — repreendeu-os o Monge Sha, tão chocado com o que ouvia que todo o seu corpo começou a formigar. — Todos cometemos grandes ofensas contra o Céu em nossas vidas anteriores. Foi sorte nossa a Bodhisattva Guanyin iluminar nossos corações, nos entregar os mandamentos, mudar nossos nomes e nos convidar a abraçar a fé budista. Com o objetivo de acumular méritos e garantir o perdão total de nossas antigas culpas, aceitamos de bom grado proteger o monge Tang em sua jornada ao Paraíso Ocidental, para apresentar seus respeitos a Buda e obter as escrituras sagradas. Como podem agora falar em desistir e voltar cada um ao seu ponto de origem? Se fizermos isso, todo o esforço terá sido em vão, e as ações da Bodhisattva terão sido tão inúteis quanto uma chuva de areia no deserto. Sem contar que todos vão rir de nós. O que merece, afinal, alguém que começa algo e é incapaz de terminar?
— Você está certo — reconheceu o Peregrino. — Mas o que mais podemos fazer com um mestre tão teimoso e incapaz de ouvir os conselhos que lhe são dados? Como vocês bem sabem, eu possuo olhos de fogo e pupilas de diamante que me permitem distinguir claramente o bem do mal. Desde o início, soube que o menino pendurado no pinheiro era, na verdade, um monstro, e foi ele, justamente, quem causou esse tornado. Tentei alertá-los antes que isso acontecesse, mas nem vocês nem o mestre quiseram acreditar em mim, alegando que ele vinha de uma boa família e me forçando a carregá-lo. No fim, isso me agradou, pois me deu a oportunidade de vigiá-lo mais de perto, porém o monstro tentou me esmagar usando a magia do corpo pesado. Cansado de suas artimanhas, destruí o corpo dele deixando-o em pedaços. No entanto, ele usou a magia de libertação do cadáver e sequestrou o mestre com o redemoinho.
O Peregrino então continuou a falar:
— O monge Tang nunca ouve ninguém! Inúmeras vezes ele se recusou a aceitar ou sequer considerar meus conselhos. Foi por isso que sugeri que nos separássemos. Mas agora, irmão digno, ao demonstrar tamanha lealdade, você fez meus argumentos parecem egoístas e sem fundamento. Diga-me, Bajie, o que você acha que devemos fazer?
— Agora percebo que o que disse foi sem pensar — confessou Bajie. — Minha opinião, portanto, é que devemos continuar unidos. Além disso, não temos outra alternativa. Mesmo que o Monge Sha não tivesse razão, nossa obrigação é encontrar o monstro e libertar nosso mestre. Seria indigno de nós abandoná-lo, justamente quando mais precisa de nós.
— Então, vamos agir como um só homem — sugeriu o Peregrino, com o rosto iluminado. — Assim que recolhermos o equipamento e nos encarregarmos do cavalo, escalaremos a montanha e descobriremos onde estão o monstro e o mestre.
No entanto, percorreram cerca de setenta quilômetros de um caminho penoso e não encontraram o menor vestígio de vida. A montanha parecia vazia, desprovida de qualquer movimento. Apenas, de vez em quando, aparecia algum cedro sem ninhos ou um pinheiro solitário, ao qual nenhuma besta se aproximava para esfregar-se.
A inquietação crescia cada vez mais no coração do Grande Sábio a cada passo até que, por fim, ele não conseguiu mais suportar e, saltando até o topo de uma montanha, gritou:
— Transforme-se!
Imediatamente, o Peregrino se transformou em uma criatura com três cabeças e seis braços, exatamente como quando mergulhou o Céu em uma tremenda confusão no passado. Ele brandiu o bastão de ferro, que se multiplicou por três, e começou a golpear loucamente em todas as direções.
Ao vê-lo, Bajie exclamou, preocupado:
— Isso está indo de mal a pior, irmão Sha! Parece que o desaparecimento do nosso mestre fez Wukong perder o juízo. Veja só! Sem motivo algum, ele começou a lutar contra o vento!
Enquanto o Peregrino continuava sua fúria desenfreada, o alvoroço chamou a atenção dos deuses que habitavam a região. Um a um, eles se aproximaram. Pareciam miseravelmente pobres, vestidos apenas com trapos. Suas calças estavam tão gastas que não tinham entrepernas, e as pernas estavam completamente desfiadas. Assim que chegaram, prostraram-se com os rostos no chão e disseram:
— Aqui estão, Grande Sábio, todos os deuses e espíritos desta montanha.
— Como podem haver tantos? — perguntou o Peregrino, surpreso.
— Deixe-nos informá-lo, Grande Sábio! — respondeu um deles, enquanto balançava incessantemente o rosto contra o chão. — Esta montanha é chamada de Montanha do Pico de Sovela das Duzentas Milhas (3). Há um deus da montanha e um espírito local para cada dez milhas; portanto, ao todo somos vinte (3) deuses da montanha e vinte espíritos locais. Ontem mesmo soubemos que o Grande Sábio havia chegado, mas, como não conseguimos nos reunir de imediato, atrasamos nossa recepção. Esperamos que não se aborreça e que perdoe nossa falta de educação.
— Por ora, estão perdoados — tranquilizou-os o Peregrino. — Mas deixemos os elogios de lado. Quero que me informem exatamente quantos monstros habitam nesta montanha.
— Apenas um, Grande Sábio — responderam os deuses. — É ele o motivo de nossa pobreza. Por causa desse monstro, ninguém nos oferece incenso ou doações, nem os sacrifícios que outros deuses de outras regiões recebem. Mal temos túnicas para vestir e, às vezes, passamos meses sem sequer um grão de arroz para comer. Imagine como seria nossa vida se houvesse mais de um monstro por aqui!
— E onde habita esse monstro? — perguntou o Peregrino. — Na parte anterior ou posterior da montanha?
— Em nenhuma delas — responderam os deuses. — Por esta montanha corre um riacho, conhecido como Riacho do Pinheiro Seco, cujas margens abrem-se para uma caverna, chamada de Caverna da Nuvem de Fogo. Nela habita um monstro que possui poderes mágicos extraordinários, com os quais nos escraviza sem piedade, forçando-nos a fazer fogo, a tocar tambores, a manter sua porta protegida e a patrulhar o bosque à noite. Para piorar, os demônios que habitam com ele abusam de nossa má sorte, exigindo pagamentos altíssimos de tempos em tempos.
— Vocês são habitantes da Região das Trevas — disse o Peregrino. — De onde poderiam arrumar dinheiro?
— Exatamente — responderam os deuses. — Não temos dinheiro algum, e tudo o que podemos fazer é caçar alguns antílopes das montanhas ou cervos selvagens para apaziguar esses demônios de vez em quando. Quando não temos nada para oferecer, eles vem e destroem nossos templos e tudo o que encontram pela frente, causando tanto tormento que não conseguimos viver em paz. Por isso suplicamos, Grande Sábio, que elimine esse monstro por nós e salve as diversas criaturas vivas desta montanha.
— Se visitam essa caverna com frequência — deduziu o Peregrino —, imagino que saibam o nome e a origem desse monstro.
— Sabemos, sim — responderam os deuses. — Ele é filho do Rei Touro Demônio com a Princesa Leque de Ferro (4). Durante mais de trezentos anos, esse monstro praticou a autocultivção na Montanha da Chama Ardente e alcançou a perfeição do fogo de Samādhi, e seus poderes mágicos são, de fato, imensos. O Rei Touro Demônio então lhe ordenou que ele se estabelecesse aqui, fazendo desta montanha seu domínio. Durante a infância, ele era conhecido como Menino Vermelho (5), mas hoje carrega o título de "Rei Menino Sábio".
Agradecido pela valiosa informação, o Peregrino despediu-se dos deuses e espíritos da montanha, recuperando quase imediatamente sua forma habitual. Com um salto, foi até onde estavam Bajie e o Monge Sha e disse:
— Podemos respirar aliviados. Esse monstro é meu amigo e tenho certeza de que não fará mal algum ao nosso mestre.
— Não diga bobagens! — exclamou Bajie, gargalhando. — Você foi criado no continente de Purvavideha, e este lugar faz parte de Aparagodaniya. Há pelo menos dez mil quilômetros, dois oceanos, inúmeros rios e cadeias montanhosas entre os dois. Como pode ser amigo dele?
— Acabei de conversar com os deuses desta região — explicou o Peregrino — e eles me contaram sobre sua origem. Descobri que ele é filho do Rei Touro Demônio com a Princesa Leque de Ferro, e que na infância se chamava Menino Vermelho e agora carrega o título de Rei Menino Sábio. Lembro-me de que, há cerca de quinhentos anos, quando causei uma grande confusão no Céu, passei a percorrer as montanhas mais renomadas do mundo em busca dos maiores heróis da Terra. Com eles, entre os quais estava o Rei Touro Demônio, formei uma irmandade de sete membros. Eu era o mais jovem e ele o mais velho, por isso sempre o chamei de irmão mais velho. Como esse monstro é filho dele, deve me considerar como tio ou, ao menos, amigo da sua família. Como poderia fazer mal ao nosso mestre, se souber quem sou? É melhor não perdemos mais tempo e visitá-lo agora mesmo.
— Você é muito ingênuo! — exclamou, mais uma vez, Bajie. —Já ouviu o provérbio? "Com três anos de ausência, até os irmãos acabam esquecendo um do outro." Isso sem contar que já faz não três, mas seiscentos anos que você não o vê, e durante todo esse tempo, não beberam juntos uma única vez. Que tipo de amigos são esses que nunca se visitam nem trocam presentes nas festas?
— Está cometendo um erro ao julgar as pessoas dessa forma — repreendeu o Peregrino. — Não por acaso, outro provérbio afirma que "assim como uma folha de lótus pode atravessar a imensidão do oceano, os seres humanos podem se encontrar mais de dez mil vezes ao longo de suas vidas". Além disso, mesmo que não me reconheça como amigo de seu pai, tenho certeza de que ele não ousará fazer o menor mal ao nosso mestre. Talvez ele não nos ofereça nenhum banquete, mas tenho certeza devolverá o nosso mestre são e salvo.
Esperançosos com essas palavras, os três monges pegaram o equipamento e se prepararam para procurar a rota que haviam perdido. Sem parar de caminhar dia e noite, e após percorrerem não menos de cem quilômetros, chegaram a uma impressionante floresta de pinheiros. Nela, fluía suavemente um riacho de águas esverdeadas. Exatamente no ponto de sua nascente, via-se uma ponte de pedra que conduzia à entrada de uma caverna.
— Vejam aquelas rochas — disse o Peregrino aos seus dois companheiros. — Tenho certeza de que é o lugar onde o monstro vive. Vou até lá para conversar com ele e esclarecer toda essa história. Qual de vocês quer ficar aqui cuidando do cavalo e do equipamento? Decidam logo, porque o outro precisa vir comigo.
— Deixe-me ir com você — disse Bajie rapidamente. — Você sabe que eu não gosto de ficar parado esperando.
— Ótimo! Quanto a você, Monge Sha — acrescentou o Peregrino —, esconda o cavalo e o equipamento na floresta e cuide deles. Nós dois vamos resgatar o mestre.
Sem objeções, o Monge Sha ficou para trás enquanto o Peregrino e Bajie empunharam suas armas e seguiram em direção à caverna. Por mais astuto que fosse o monstro de fogo, a Mãe Madeira e o Macaco da Mente formavam uma dupla quase invencível.
Não sabemos o que aconteceu após eles chegarem na caverna. Quem quiser descobrir, deverá prestar atenção nas explicações que serão dadas no próximo capítulo.
CAPITULO XLI EM BREVE ...
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Notas do Capítulo XL
- A expressão "Câncer contra Capricórnio" é uma metáfora para um confronto entre dois opostos;
- Hong significa vermelho em chinês;
- O nome dessa montanha ficou confusa de traduzir, aliás, o trecho inteiro era bem confuso. O texto em espanhol diz "Dez Mil Quilômetros" e os textos em inglês dizem "Seiscentas Milhas", e e a conta dos deuses não batia. Adaptei o nome para que a conta da quantidade de deuses fizesse sentido. Um adendo: ao que parece, não era pra ser exato mesmo, mas sim para passar um sentido de infinidade, mas fica estranho traduzido e passa a sensação de erro;
- Em chinês 铁扇公主 (tiě shàn gōng zhǔ), também referida como Rākṣasī;
- Em chinês 紅孩兒 (Hong Hai Er).
- Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
- Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
fontes consultadas para a pesquisa: