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29 de dezembro de 2023

Ta'xet e Tia

۞ ADM Sleipnir

Arte de @HollyJeckArt

Ta'xet e Tia são uma dupla de deuses da morte pertencentes à mitologia do povo indígena Haida, habitantes de Haida Gwaii, um arquipélago próximo à costa da Colúmbia Britânica  no Canadá. Ta'xet é o deus associado às mortes violentas, enquanto Tia, sua contraparte, é a deusa das mortes pacíficas. De acordo com o mito, as almas daqueles que encontram uma morte violenta vão para a morada de Ta'xet sem aviso, enquanto Tia deixa sinais antes de levar suas vítimas.

Ta'xet e a Lua

Segundo o folclore haida, Xhuuya, o Corvo, roubou a Lua de Ta'xet durante a criação da Terra e a colocou no céu para nutrir a humanidade. Dizem que se a humanidade desagradar o corvo ao alterar o ambiente da Terra, ele devolverá a Lua a Ta'xet e deixará de proteger a humanidade de sua ira.

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27 de dezembro de 2023

Eate

 ۞ ADM Sleipnir

Eate (de errete,  "queimar" na língua basca) é uma espécie de gênio pertencente à mitologia basca, associado a desastres naturais relacionados ao fogo e a fenômenos atmosféricos como tempestades e furacões. Ele é frequentemente descrito como um ser poderoso e temível, possuindo um corpo feito de chamas e uma voz que pode abalar a terra. Diz-se que ele vive nas montanhas mais altas do País Basco, de onde ele observa o mundo e desencadeia sua fúria sobre aqueles que o desagradam.

De acordo com o etnógrafo e historiador Juan Garmendia Larrañaga (1926-2015), Eate é um dos muitos seres sob o comando da deusa Mari. Alguns dizem que ele é um de seus consortes, e que suas brigas são a causa do mau tempo.

Arte de Gehe

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25 de dezembro de 2023

Bangpūtys

۞ ADM Sleipnir

Arte de Viktorija B.

Bangpūtys (lituano, literalmente "aquele que sopra as ondas") é um deus do mar, das tempestades e dos ventos pertencente à mitologia lituana, outrora cultuado por pescadores e marinheirosEle é retratado como um homem dotado de asas e com uma cabeça com duas faces, sobre a qual às vezes há um galo empoleirado. Em uma de suas mãos ele segura um peixe, enquanto na outra ele segura algum utensílio, geralmente um barril. Não se sabe muito sobre suas relações com outros deuses, exceto de que a ele é atribuída a paternidade dos principais deuses do vento: Rytys (leste), Pietys (sul), Šiaurys (norte) e Vakaris (oeste).

É dito que Bangpūtys possui uma natureza rigorosa e violenta, facilmente provocando tempestades e ventos fortes se contrariado. Na tentativa de obter o seu favor, pescadores e marinheiros costumavam queimar uma colher de pau em sua homenagem. Eles também tinham o costume de dedicar o primeiro peixe que pescavam a ele. Alguns ainda colocavam galhos de sorveira em suas redes para proteção contra sua fúria.

Um ritual em homenagem à Bangpūtys é realizado nos dias atuais, durante um festival anual chamado Palangos stinta ("A Espadalha de Palanga"), que celebra a pesca da espadalha, um peixe pequeno e prateado que é popular na culinária lituanaPalanga é uma pequena cidade lituana à beira-mar, que se torna o principal destino de férias durante o verão. Os aldeões acreditam que Bangpūtys ordenou que um de seus filhos, chamado Stintenis, fosse o patrono do festival. Eles fizeram um ídolo de âmbar fundido de Stintenis que está pendurado na parede de um dos cafés da cidade (Palanga Molinis Ąsotis). Dizem que se uma pessoa tocar no ídolo, terá sorte na pesca o ano todo.

Vėjópatis 

Vėjópatis ("senhor dos ventos") é outro deus lituano, curiosamente descrito exatamente como Bangpūtys, desde as características físicas ao temperamento. Devido a isso, alguns crêem se tratar do mesmo deus, enquanto outros defendem se tratarem de deuses distintos.


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22 de dezembro de 2023

Yule Lads

۞ ADM Sleipnir

Yule Lads, juntos de sues pais Grýla, Leppaludi e do Gato de Yule, Arte de Marc Potts

Os Yule Lads (islandês Jólasveinar; às vezes chamados Yuletide-lads ou Yulemen) são no folclore islandês um grupo composto por treze irmãos, filhos de Grýla Leppaludi (ogros conhecidos no folclore como sendo devoradores de crianças travessas) e ditos visitarem os lares islandeses durante os 13 dias que antecedem o Natal. Durante esse período,  eles praticam diversas travessuras, mas também deixam pequenos presentes em sapatos que as crianças colocam nos parapeitos das janelas, enquanto deixam batatas podres nos sapatos das crianças desobedientes.

Assim como sua mãe, os Yule Lads foram originalmente retratados pelo autor islandês Jón Árnason (1819-1888) não como doadores de presentes, mas como sequestradores de crianças que se comportaram mal durante a época do Natal, juntamente com suas habituais atividades brincalhonas. Nos tempos modernos, os Yule Lads são retratados em um papel mais benevolente, comparável ao Papai Noel e outras figuras relacionadas. Eles geralmente são retratados vestindo roupas islandesas do final da Idade Média, mas às vezes são mostrados com o traje tradicionalmente usado pelo Papai Noel, especialmente em eventos infantis.

Os 13 Yule Lads

Cada Yule Lad chega individualmente e permanece por treze dias, a partir do dia 12 de dezembro. Assim que o primeiro Yule Lad partir, no dia de Natal, os demais farão o mesmo um por um, até o último partir no dia 6 de janeiro. 

Stekkjarstaur



Stekkjarstaur  ("torrão de ovelha")  é o primeiro dos Yule Lads, e aparece no dia 12 de dezembro. Diz-se que ele suga leite de ovelhas e é conhecido por ter pernas de pau. Assim como é o primeiro a aparecer, Stekkjarstaur é o primeiro a ir embora, partindo no dia 25 de dezembro.



Giljagaur 



Giljagaur ("olhar furtivo")  é o segundo dos Yule Lads, aparecendo no dia 13 de dezembro e indo embora no dia 26 de dezembro. Ele é conhecido por se esconder em celeiros e roubar a espuma dos baldes de leite. 

Stúfur

Stúfur ("anão") é o terceiro dos Yule Lads, aparecendo no dia 14 de dezembro e indo embora no dia 27 de dezembro. Ele é conhecido por ser incomumente baixo, e por roubar panelas para comer as crostas de comida deixadas nelas. 

Þvörusleikir


Þvörusleikir ("lambedor de colher") é o quarto dos Yule Lads, aparecendo no dia 15 de dezembro e indo embora no dia 28 de dezembro. Ele é conhecido por ser alto e magro e por roubar þvörur (colheres de madeira compridas) para lambê-las. 

Pottaskefill

Pottaskefill ("lambedor de panela") é o quinto dos Yule Lads, aparecendo no dia 16 de dezembro e indo embora no dia 29 de dezembro. Assim como seu irmão Stúfur, Pottaskefill é conhecido por roubar e se alimentar de sobras de panelas. 

Askasleikir 


Askasleikir ("lambedor de tigela") é sexto dos Yule Lads, aparecendo no dia 17 de dezembro e indo embora no dia 30 de dezembro. Ele é conhecido por se esconder debaixo das camas, onde as pessoas guardam suas askur (uma tigela típica islandesa usada para armazenar comida). Ele então rouba a askur e come o que houver dentro dela.

Hurðaskellir 

Hurðaskellir ("batedor de porta") é o sétimo dos Yule Lads, aparecendo no dia 18 de dezembro e indo embora no dia 31 de dezembro. Ele é o mais barulhento dentre eles, sendo conhecido por bater portas, especialmente durante a noite. 

Skyrgámur

Skyrgámur ("devorador de skyr") é o oitavo dos Yule Lads, aparecendo no dia 19 de dezembro e indo embora no dia 1º de janeiro. Ele conhecido por ser obcecado por skyr, um tradicional iogurte islandês. 

Bjúgnakrækir


Bjúgnakrækir ("ladrão de salsichas") é nono dos Yule Lads, aparecendo no dia 20 de dezembro e indo embora no dia 2 de janeiro. Ele é conhecido por se esconder nas vigas das casas e roubar salsichas que estavam sendo defumadas.


Gluggagægir

Gluggagægir ("espião de janela") é o décimo dos Yule Lads, aparecendo no dia 21 de dezembro e indo embora no dia 3 de janeiro. Provavelmente o mais assustador dentre os Yule Lads, Gluggagægir espia pelas janelas das pessoas para ver se há algo que ele possa roubar.


Gáttaþefur

Gáttaþefur ("farejador de porta") é o décimo primeiro dos Yule Lads, aparecendo no dia 22 de dezembro e indo embora no dia 4 de janeiro. Ele é conhecido por ter um nariz extremamente longo e grande e um incrível senso de olfato, o qual geralmente usa para procurar pelo delicioso Laufabrauð, um tipo tradicional de pão islandês que é justamente consumido com mais frequência na época do Natal.

Ketkrókur

Ketkrókur ("gancho de carne") é o penúltimo dos Yule Lads, aparecendo no dia 23 de dezembro e indo embora no dia 5 de janeiro. Ele é conhecido por usar um gancho para roubar carne.

Kertasníkir


Kertasníkir ("ladrão de velas") é o décimo terceiro e o último dos Yule Lads, aparecendo no dia 24 de dezembro, véspera de Natal, e indo embora no dia 6 de dezembro. Ele segue as crianças para roubar suas velas (que costumam ser comestíveis, feitas de gordura).

Cultura Popular

Em "Um Conto de Inverno", último episódio da primeira temporada da série O Mundo Sombrio de Sabrina (Netflix),  a casa dos Spellman é aterrorizada pelos Yule Lads, espíritos semelhantes a poltergeist que normalmente são controlados por Gryla. Eles se deleitam em causar travessuras por toda a casa, até que Gryla vem coletá-los e levá-los de volta para as montanhas. 

No décimo episódio da segunda temporada de Hilda (Netflix), os Yule Lads aparecem como criaturas travessas que visam perturbar e também capturar crianças travessas para Gryla, um monstro que pretende comer as crianças em um ensopado. Nessa representação, os Yule Lads já foram crianças humanas que fizeram um pacto com Gryla para encontrar outras crianças travessas para ela comer e, assim, foram transformados em sua forma atual.

Yule Lads em Hilda (Netflix)


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20 de dezembro de 2023

Père Fouettard

۞ ADM Sleipnir

Arte de luve

Père Fouettard ("Pai Açoitador" ou "Velho Açoitador" em francês) é um personagem que acompanha São Nicolau durante as celebrações do Dia de São Nicolau, em 6 de dezembro. Ele é conhecido principalmente nas regiões extremo norte e leste da França, no sul da Bélgica e na Suíça de língua francesa, embora personagens semelhantes existam por toda a Europa. Enquanto São Nicolau presenteia as crianças bem-comportadas, Père Fouettard é conhecido por trazer consigo um chicote com o qual castiga as crianças travessas ou que se comportaram mal durante o ano.

Arte de John Kenn Mortensen

Aparência 

A representação mais comum de Père Fouettard é a de um homem com um rosto sinistro vestido com roupas escuras, cabelos desgrenhados e barba longa. Ele carrega um chicote, um grande bastão ou feixes de galhos. Em algumas versões, ele carrega uma mochila de vime, onde as crianças travessas podem ser colocadas.

Origens

A história mais popular sobre a origem de Père Fouettard remonta a cerca de 1252. Um estalajadeiro (ou açougueiro em outras versões) captura três meninos aparentemente ricos a caminho de se matricular em uma escola religiosa. Junto com sua esposa, ele mata as crianças para roubá-las. São Nicolau descobre o crime e ressuscita as crianças, levando Père Fouettard ao arrependimento, tornando-se parceiro de São Nicolau.


Outra versão sugere que durante o Cerco de Metz em 1552, um boneco do rei Carlos V foi queimado e arrastado pela cidade. Simultaneamente, uma associação de curtidores criou um personagem grotesco (também um curtidor) armado com um chicote, punindo crianças. Após a libertação de Metz, o boneco queimado de Carlos V e o personagem criado pelos curtidores se assimilaram ao que conhecemos agora como Père Fouettard.

Importação para os  Estados Unidos

Na década de 1930, a figura de Père Fouettard apareceu nos Estados Unidos com o seu nome traduzido para Father Flog ou Spanky. Apesar de quase idêntico à personificação original francesa, Father Flog não estava associado ao Natal e tinha uma cúmplice feminina chamada Mother Flog, distribuindo punições específicas para crimes infantis específicos.

Father Flog



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18 de dezembro de 2023

A Jornada ao Oeste: Capítulo XVII

۞ ADM Sleipnir

Arte de Moyi Zhang

CAPÍTULO XVII:


O PEREGRINO SUN PERTUBA A PAZ DA MONTANHA DO VENTO NEGRO. A BODHISATTVA GUANYIN SUBJULGA O URSO

Ao ver o Peregrino saltando tão alto, os monges, os dhutas, os jovens noviços e os estudiosos do taoísmo ficaram tão aterrorizados que, prostrando-se no chão, exclamaram:

- Agora sabemos que sois um deus encarnado, capaz de cavalgar sobre a névoa e navegar acima das nuvens! Com razão não sofrestes nenhum dano durante o incêndio. Quão cego foi nosso velho patriarca! Ele usou sua inteligência para trazer ruína sobre nossas cabeças.

- Levantai-vos imediatamente - instigou-os Sanzang. - Não há tempo para arrependimentos. Se conseguirem encontrar a túnica, tudo ficará bem. Caso contrário, temo que tenham que dizer adeus ao mundo dos vivos. Meu discípulo tem um caráter muito irascível e acabará com todos vós num piscar de olhos.

Quando os monges ouviram isso, caíram no pânico e suplicaram ao Céu que os ajudasse a encontrar a túnica, para que todos pudessem permanecer vivos.


Enquanto isso, o Grande Sábio Sun, depois de subir alto e mover ligeiramente o corpo, chegou à Montanha do Vento Negro. Olhou atentamente e verificou que era um lugar realmente esplêndido, especialmente naquela época do ano. Inúmeros riachos fluíam por toda parte entre penhascos de beleza inalterável. Os pássaros eram contados aos milhares, mas não havia o menor vestígio humano. Até as árvores emitiam aroma, como se fossem flores. Quando chovia, a atmosfera se cobria com um manto de umidade azulada, enquanto os pinheiros pareciam biombos de jade sacudidos pelo vento. Onde quer que se olhasse, a vida brotava (flores e ervas selvagens, árvores cobertas de botões, glicínias...(1)) em uma paisagem onde se entrelaçavam planaltos e penhascos. Era impossível imaginar que não houvesse nenhum lenhador por ali. As garças bebiam em pares nos riachos, enquanto os macacos não se cansavam de brincar sobre as rochas. Por toda parte, os galhos das árvores espalhavam seu exuberante verde sobre a luminosa névoa da montanha.

O Peregrino estava apreciando a beleza da paisagem quando, de repente, ouviu vozes que pareciam vir de um campo próximo. Escondeu-se silenciosamente atrás de uma rocha e começou a espiar cuidadosamente. Assim, descobriu três monstros sentados no chão: o do meio era muito moreno, o da esquerda não podia negar que era taoísta, e o da direita era, sem dúvida, um homem de letras. Os três mantinham uma conversa animada, discutindo sobre a purificação dos objetos usados na alquimia (2), o refinamento do mercúrio e a obtenção da neve branca, temas prediletos do taoísmo heterodoxo. 

O moreno mudou inesperadamente de assunto e disse:

- Como sabem, depois de amanhã é meu aniversário. Querem acompanhar-me nesta data tão especial?

- Todos os anos celebramos juntos essa data - respondeu o letrado. - Como poderíamos faltar precisamente neste ano?

- Ontem - acrescentou o moreno, visivelmente satisfeito - encontrei um tesouro, que não hesito em considerar a túnica bordada de Buda. É extremamente elegante e pretendo usá-la no dia do meu aniversário. Quero dar um esplêndido banquete, no qual convidarei todos os nossos amigos taoístas das diferentes montanhas. Acho que não seria nada mal chamar esse banquete de Festival da Túnica de Buda. O que acharam da ideia?

- Fantástico, sinceramente fantástico! - exclamou o taoísta. - Será uma esplêndida ocasião para nos reunirmos.

O Peregrino não teve que pensar muito para perceber que a túnica da qual falavam não podia ser outra senão a de seu mestre. Incapaz de controlar a raiva, saiu de seu esconderijo e avançou sobre os três amigos perplexos, gritando enquanto brandia ameaçadoramente o bastão de ferro:

- Maldito monstro! Então foi você quem roubou o tesouro do meu mestre? Eu te mostrarei o verdadeiro Festival da Túnica de Buda! Devolve-a imediatamente, e nem tente fugir, porque não te servirá de nada!

Antes que ele terminasse de falar, desferiu um tremendo golpe em suas cabeças. O moreno conseguiu escapar, montando o vento; o mesmo fez o taoísta, cavalgando numa nuvem; apenas o letrado foi incapaz de fugir. O golpe o atingiu em cheio e ele morreu instantaneamente. 


Quando o Peregrino o virou, viu que não passava do espírito de uma cobra com manchas brancas. Após despedaçá-la, adentrou-se na montanha em busca do moreno. Escalou picos altíssimos que o conduziram a uma caverna aberta à beira de um precipício. Uma espessa névoa protegia sua boca, disfarçada pela sombra verde de ciprestes e pinheiros. A caverna estava situada em um lugar que, de alguma forma, lembrava a beleza do Monte Penglai (3).

O Peregrino chegou até a porta e a encontrou firmemente fechada. No dintel, havia uma laje de pedra na qual se podia ler: "Montanha do Vento Negro. Caverna do Vento Negro". 

Sun Wukong bateu na porta com seu bastão, gritando:

- Abra imediatamente!

- Quem é você para ousar chamar assim em nossa caverna imortal? - perguntou um pequeno demônio que parecia estar de guarda.

- Besta maldita! - insultou-o o Peregrino. - Que tipo de lugar é este para que arrogues, sem mais, o título de imortal? Essa é uma palavra que não mereces nem mesmo pronunciar! Entre imediatamente e diz a esse moreno para tirar imediatamente a túnica do meu mestre. Se o fizeres, pouparei a vida de todos vocês.


- Grande Rei! - informou o pequeno demônio ao seu senhor. - Receio que não poderá celebrar o Festival da Túnica de Buda. Lá fora, há um monge com o rosto totalmente coberto de pelos e uma voz de trovão que exige a entrega imediata dessa peça.

O moreno acabara de chegar à caverna. Nem mesmo teve tempo de se sentar.

- Eu me pergunto de onde veio esse sujeito - pensou - , tão arrogante que ousou aparecer fazendo exigências na minha porta!

Pediu sua armadura e, depois de ajustá-la ao corpo, saiu da caverna com uma lança negra nas mãos. 

O Peregrino o esperava de um lado da porta com seu bastão de ferro. O monstro apresentava-se verdadeiramente marcial com seu elmo negro de aço polido, sua couraça de ouro negro que brilhava como o próprio sol, uma túnica de seda negra com mangas chamativamente largas, e uma faixa com franjas igualmente negras. Na mão segurava uma lança negra e, como se isso não bastasse, calçava botas de couro negro. Estranhamente, tinha olhos de pupilas douradas que lembravam o chicote do raio. Era assim que chamavam o Rei do Vento Negro.

- Esse tipo - pensou o Peregrino prestes a soltar uma risada - parece um mineiro ou alguém que trabalha em uma fornalha. Deve se dedicar a vender carvão. Do contrário, não entendo como pode ser tão negro.

- Que tipo de monge és tu para ousar ser tão insolente? - repreendeu-o o monstro com voz potente.

- Deixe de falar bobagens! - replicou o Peregrino, lançando-se contra ele com seu bastão de ferro. - Fale menos e devolva imediatamente a túnica do meu mestre.

- De que monastério você é, e onde perdeu a túnica da qual você fala, para vir até aqui exigir que eu a devolva? - perguntou o monstro.

- Minha túnica estava nos aposentos atrás do Templo de Guanyin, ao norte daqui. Aproveitando-se da confusão criada pelo incêndio, você se apoderou dela e agora pretende organizar um Festival da Túnica de Buda para celebrar teu aniversário. Você não pode negar. Devolva-a e perdoarei sua vida. Caso contrário, invadirei a Montanha do Vento Negro e destruirei  sua caverna. E eu garanto que nenhum de seus demônios sobreviverá.

- Que valente você é! - replicou o monstro, rindo com desprezo. - Foi você quem provocou o fogo, avivando o vento do alto do telhado. Admito que levei a túnica. E daí? O que pretende fazer para que eu a devolva? Não sei de onde você é e nem como se chama. Que poderes possui, além disso, para vir até aqui exigir isso com palavras tão descaradas como as que acabou de usar?

- Então, não me reconhece! - respondeu o Peregrino. - Sou discípulo do mestre Sanzang, irmão do governante da Grande Nação Tang. Meu nome completo é Sun Wukong, e quanto aos meus poderes, digo-lhe que são suficientes para te fazer tremer como uma folha.

- Nesse caso - zombou o monstro -, me conte sobre suas habilidades.

- Pois prepare-se e ouça atentamente - afirmou o Peregrino - , pois agora mesmo irei contá-las. Desde minha mais tenra juventude, possuo habilidades mágicas, capaz de me transformar em algo tão etéreo quanto o vento. Não satisfeito com isso, iniciei o estudo do Tao e consegui escapar à roda do karma. Minha busca pela Verdade me levou ao Monte Ling-Tai (4), onde residia um imortal ancião, que acabara de completar cento e oito mil anos. Não demorou a se tornar meu mestre. A ele devo o conhecimento do segredo da longevidade. Ele me ensinou que em nosso próprio interior está a resposta para todos os mistérios, tornando-me assim partícipe da ciência dos deuses. Se não fosse por ele, não teria conseguido avançar em meu empenho. Foi ele quem fez brilhar minha luz interior, fazendo com que o sol e a lua (5) copulassem dentro de mim. Isso me livrou de todos os meus pensamentos e desejos. Como resultado, meu corpo se fortaleceu, e meus seis sentidos (6) foram purificados. Que perto eu estava do mundo dos sábios! Três anos sem perder uma única gota de minhas essências corporais me conferiram uma natureza semidivina e me colocaram acima dos sofrimentos normais de um mortal. Movia-me livremente entre os Dez Ilhéus e as Três Ilhas (7), chegando até mesmo ao Céu. Então, no entanto, ainda não havia ascendido ao Nono Paraíso. Era apenas um domador de dragões que conseguiu adquirir o inestimável tesouro de um bastão com pontas de ouro, Senhor da Montanha das Flores e Frutos, que reuniu ao seu redor um grande número de monstros na Caverna da Cortina de Água. Não é de surpreender que o Imperador de Jade me tenha concedido o título supremo de Sósia do Céu. Por três vezes, mergulhei o Palácio da Névoa Divina na mais completa confusão. Em uma delas, apropriei-me de todos os pêssegos de Xiwangmu. Isso fez com que mais de cem mil guerreiros celestiais fossem enviados contra mim, armados até os dentes com lanças e espadas. O Príncipe Nezha sofreu uma derrota vergonhosa, e o Devaraja teve que retornar sem honra aos Céus. Com o Mestre Hsien-Shang (8), foi diferente. Também conhecia todos os segredos da metamorfose, e nosso encontro foi memorável. Lao-Tse, Guanyin e o Imperador de Jade o contemplaram, impacientes pelo resultado, da Porta Sul. Vendo que as coisas não iam de acordo com seu gosto, Lao-Tse decidiu ajudar Hsien-Shang, e fui levado à corte celestial. O juiz determinou que eu fosse amarrado a uma coluna para esquartejar monstros e que meu corpo fosse reduzido a pequenos pedaços. Mas machados e facas não puderam nada contra mim. Em seguida, ordenaram que eu fosse exposto ao poder destrutivo dos raios, mas foram igualmente incapazes de me ferir. Fui então colocado no forno de Lao-Tse, obtendo resultados idênticos. Assim que levantaram a tampa, escapei e golpeei com minha barra de ferro todos os que ousaram interpor-se em meu caminho, sem que ninguém pudesse me deter. Os Trinta e Seis Céus conheceram o poder destrutivo de minha ira. No final, Tathagata conseguiu me dominar e me aprisionou sob a Montanha das Cinco Fases, onde permaneci por quinhentos anos, após os quais Tripitaka me libertou, e agora sigo com ele em direção ao Oeste para me encontrar com o de Sobrancelhas de Jade (9) no Palácio do Trovão. Se não acredita em mim, pergunte aos quatro pontos do cosmos, e eles te falarão de minha fama e de minhas proezas.

- Então, tu és o "pi-ma" que mergulhou os céus em total desordem? - exclamou o monstro, soltando uma risada.

Não havia nada que irritasse mais o Peregrino do que esse nome. Assim que o ouviu, ficou furioso e gritou, fora de si:

- Maldito monstro! Tens a obrigação de devolver a túnica que roubaste, e em vez disso, insultas um monge santo. Não fuja, pois eu quero que prove o sabor do meu bastão!

O monstro se esquivou por pouco, segurando firmemente a lança, e avançou contra seu adversário, iniciando uma esplêndida luta. Os dois lutadores exibiram todo o seu sabor guerreiro diante da caverna, multiplicando os golpes direcionados à cabeça e ao coração. Felizmente, a técnica de ambos era perfeita, e eles se esquivavam uma e outra vez. Enquanto um abria a garra como um tigre escalando uma montanha, o outro se revolvia pelo chão como um dragão brincando. Não em vão eram o Grande Sábio, Sósia do Céu, e o Grande Rei Negro, dois monstros com poderes divinos lutando até a morte pela posse de uma túnica. Mais de dez vezes as armas se cruzaram sem que, ao meio-dia, um claro vencedor se destacasse. 

Aproveitando-se da lança para imobilizar temporariamente o bastão de ferro, o monstro respirou e disse:

- Deixemos as armas de lado por enquanto e vamos comer algo. Depois, continuaremos a batalha. Tudo bem?

- Maldita besta! - exclamou o Peregrino.Quer se fingir de herói? Que herói pensa em comer depois de lutar por apenas metade de um dia? Pense no velho Macaco, aprisionado sob a montanha por quinhentos anos sem sequer uma gota d'água! Então, o que quer dizer com esta história de fome? Não me venha com desculpas e não fuja! Devolva a túnica e eu o deixarei ir comer.

Mas o monstro só conseguiu dar mais uma investida fraca com sua lança antes de se correr para o interior da caverna e fechar suas portas de pedra. 

Sem se importar com os protestos do Peregrino, chamou seus servos e ordenou que preparassem um banquete, encarregando-se pessoalmente de escrever os convites para os Reis Monstros das outras montanhas. Enquanto isso, o Peregrino fez o que pôde para derrubar a porta, mas todos os seus esforços foram inúteis, e ele teve que voltar ao Templo de Guanyin. Os monges já haviam enterrado o velho monge e estavam reunidos em um dos aposentos posteriores, servindo a comida a Sanzang, que havia terminado o café da manhã há pouco. Ao ver o Peregrino, pararam de despejar a sopa e inclinaram respeitosamente a cabeça, dando-lhe as boas-vindas.

- Então voltaste, Wukong! - exclamou Sanzang. - E quanto à minha túnica?

- Encontrei quem a roubou - respondeu o Peregrino. - Ainda bem que não matei nenhum desses monges, porque, como suspeitávamos, o ladrão foi o monstro da Montanha do Vento Negro. Como se recordarão, fui em busca dele e o encontrei em um prado lindíssimo, conversando animadamente com um letrado vestido de branco e um ancião taoísta. Sem ser torturado, ele estava fazendo, de certa forma, uma confissão. Disse que em dois dias seria seu aniversário e que planejava convidar todos os monstros da região. Também mencionou que na noite passada havia encontrado uma túnica bordada de Buda, motivo pelo qual daria um esplêndido banquete, ao qual pretendia chamar de Festival da Túnica de Buda. Ao ouvir isso, saí do meu esconderijo e desferi um golpe com meu bastão sobre eles, mas tanto o sujeito moreno quanto o taoísta conseguiram escapar. Não teve a mesma sorte o letrado vestido de branco, que caiu no chão fulminado, transformando-se numa serpente manchada. Sem perder tempo, corri em perseguição ao monstro, que conseguiu se refugiar em sua caverna. Exigi que saísse para lutar, e embora tenha reconhecido ter roubado a túnica, nos envolvemos numa batalha que durou aproximadamente meio dia, sem que nenhum dos dois saísse vencedor. Inesperadamente, o monstro voltou para sua caverna, alegando que estava com fome e queria comer. Fechou a porta com força e se recusou a continuar lutando, então decidi vir ver como estavam as coisas por aqui e informar sobre o que aconteceu. De qualquer forma, agora que sei onde está a túnica, não me preocupa se ele quer devolvê-la ou não.

- Bendito seja Amitaba! - exclamaram aliviados os monges, alguns ajoelhando-se no chão. - Isso significa que nossas vidas não correm mais perigo. O paradeiro da túnica foi finalmente encontrado!

- Não cantem vitória tão cedo - aconselhou o Peregrino. - Saber onde está não significa que a tenha recuperado. Além disso, meu mestre ainda está aqui. Se mostrarem indiferença a ele, lembrem-se de que terão que lidar comigo. Deram a ele os manjares mais requintados? E o que fizeram com o cavalo? Deram a ele toda a palha que quis?

- Sim, sim, sim! - apressaram-se a responder os monges. - Garantimos que nenhum deles ficou sem nada.

- Isso é verdade - confirmou Sanzang. - Veja, você esteve fora apenas meio dia, e me serviram chá três vezes e me deram pratos vegetarianos duas vezes. Garanto que não poderiam ter sido mais diligentes. Você deveria se apressar em recuperar a túnica para evitar tantos transtornos quanto estou causando a eles.

- Não há pressa - replicou o Peregrino. - Agora que sei onde ela está, pode ter certeza de que vou devolvê-la. Fique tranquilo.

Enquanto falavam, o guardião do monastério trouxe algumas iguarias vegetarianas para Sun Wukong. O Peregrino comeu um pouco e, montando na nuvem, partiu em busca do monstro. 

Enquanto voava, avistou um demônio com uma caixa de madeira de pereira debaixo do braço. Suspeitou imediatamente que poderia estar carregando algo importante e, erguendo o bastão de ferro, o deixou cair com força sobre a cabeça do demônio, que foi reduzido a carne moída. 

O Peregrino abriu a caixa e descobriu que havia um convite em seu interior, onde se lia:

"Vosso discípulo e servidor, o Urso, dirige-se respeitosamente a vós, o respeitável decano do Estanque Dourado. Estou profundamente agradecido pelos magníficos presentes que me enviastes em diferentes ocasiões. Lamento não ter podido ajudar-vos na noite passada, quando fostes visitado pelo Deus do Fogo. Espero que vossa eminência não tenha sido afetada por ele de modo algum. Por pura casualidade, chegou até minhas mãos uma túnica de Buda e pensei que tanta boa sorte merecia uma celebração. Preparei, portanto, um vinho de altíssima qualidade, que desejo compartilhar com vossa respeitável eminência. O evento a que vosso discípulo e servidor se refere terá lugar dentro de dois dias."

Ao terminar de ler, o Peregrino riu e disse: 

- Essa velha carcaça! Ele não perdeu nada com a morte! Então ele era amigo do monstro! Não me surpreende que ele tenha vivido até os duzentos e setenta anos! Imagino que esse monstro deva ter ensinado a ele algum pequeno truque mágico como ingerir sua respiração, e assim pode desfrutar de tamanha longevidade. Ainda me lembro de como ele parecia. Vou me transformar nele e ir até a caverna para ver onde está a túnica. Tentarei recuperá-la sem desperdiçar minha energia.

Após recitar um encantamento e virar-se para o vento, ele se transformou instantaneamente assumindo a aparência do velho monge. Escondendo seu bastão de ferro, aproximou-se da entrada da caverna e gritou:

- Abram a porta!

Assim que o demônio que guardava a porta o viu, correu para informar seu senhor:

- Senhor, o Ancião do Lago Dourado chegou!

- Que estranho! - exclamou, surpreso, o monstro. - Acabei de enviar-lhe um convite. Ele nem teve tempo de recebê-lo. Como pode um homem tão idoso como ele ter vindo tão rapidamente? O mais certo é que Sun Wukong tenha pedido a ele que venha pegar a túnica. Então escondam-na imediatamente e não o deixem ver.

Depois de ultrapassar a porta principal, o Peregrino viu o verde dos pinheiros e bambus que cresciam no pátio interno, os pessegueiros e ameixeiras que pareciam competir em beleza, e as mil espécies de flores que enchiam até o último canto daquele lugar privilegiado. O ar estava totalmente impregnado com o aroma das orquídeas. Era verdadeiramente uma caverna celestial. Nas jambas de uma segunda porta, Sun Wukong viu coladas duas tiras de papel onde se lia:

"Um retiro no interior da montanha, onde as preocupações mundanas não alcançam. Uma caverna divina isolada, onde se desfruta da serenidade."

- Dá para perceber que este monstro - pensou o Peregrino - conhece perfeitamente o destino de tudo que vive e faz o que pode para se afastar da sujeira e da lama.

Ele atravessou uma terceira porta e deparou-se com uma construção com beirais ricamente decorados e amplas janelas adornadas. O monstro não demorou a aparecer. Vestia uma túnica de seda verde escuro, usava um gorro da mesma cor na cabeça e calçava um par de botas de couro. Ao ver o Peregrino entrar, ajustou suas roupas e, saindo ao seu encontro, disse em tom de boas-vindas:

- Meu querido amigo, quanto tempo faz desde que nos vimos! Sente-se, por favor!

O Peregrino retribuiu a saudação e os dois se sentaram para tomar chá. Assim que terminaram, o monstro se inclinou reverentemente e disse:

- Acabei de enviar-lhe um convite para vir à minha humilde mansão depois de amanhã. A que devo a honra de desfrutar de sua companhia tão cedo?

- Decidi vir prestar meus respeitos após me deparar com seu mensageiro - respondeu o Peregrino. - Ao saber que planeja celebrar o Festival da Túnica de Buda, não pude conter a impaciência e corri para ver essa maravilha.

- Você deve estar enganado, meu caro amigo - exclamou o monstro, soltando uma gargalhada. - Essa túnica originalmente pertenceu ao monge Tang, que, pelo que sei, é seu hóspede. Por que você quer tanto vê-la, já que certamente teve a sorte de apreciar sua beleza antes?

- Esse pobre monge - respondeu Peregrino - a tomou emprestado, sim, mas não teve a oportunidade de examiná-la antes de ser levada pelo Grande Rei. Além disso, o nosso monastério, incluindo todos os nossos pertences, foi destruído por um incêndio, e o discípulo daquele Monge Tang estava bastante beligerante a respeito do assunto. Em toda aquela confusão, não consegui encontrar a túnica em lugar nenhum, sem saber que o Grande Rei, em sua boa sorte, a encontrou. É por isso que vim especialmente para vê-la.

Enquanto falavam, um dos demônios que tinham saído em patrulha retornou e informou ao seu senhor:

- Que horrível desgraça, Grande Rei! O oficial que enviastes para entregar os convites foi assassinado por Peregrino Sun, e seu corpo jaz sem vida à beira do caminho. Suspeito, portanto, que nosso inimigo tomou a forma do ancião do Estanque Dourado e está tentando roubar a túnica de Buda.

- Então é ele? - alarmou-se o monstro. - Já desconfiava que ele tinha vindo rápido demais.

Sem perder tempo, ele agarrou sua lança e a lançou contra o Peregrino. Sun Wukong, felizmente, bloqueou o golpe com a barra de ferro e assumiu sua forma habitual. 

Sem parar de lutar com ferocidade, passaram do salão de visitas para o pátio e, de lá, para fora da caverna. Todos os monstros que lá habitavam, sem distinção de posição ou idade, tremeram de terror. A batalha foi, de fato, a mais feroz que ocorreu nessas montanhas. Não à toa, o Rei dos Macacos transformado em monge e o monstro ladrão de túnicas eram dois excelentes lutadores. Seus reflexos os faziam responder aos golpes com uma precisão murmurada. Quanto valor aquele tesouro inestimável tinha para eles! Se o demônio da patrulha não tivesse falado, nenhum dos dois teria despendido tanta energia. A lança e a barra se chocavam repetidamente, preenchendo todo o espaço com o rugido da guerra. Eles eram rivais dotados de poderes idênticos, pois, enquanto Wukong dominava a arte das transformações, o monstro conhecia uma infinidade de fórmulas mágicas. Um estava empenhado em devolver a túnica ao seu mestre, enquanto o outro a queria para celebrar seu aniversário. Como poderiam desistir dela de boa vontade? Não é de surpreender que, desta vez, a luta parecesse interminável. Nem mesmo Buda pessoalmente teria sido capaz de detê-la.

Sem parar de guerrear por um segundo sequer, os dois chegaram ao topo da montanha. Mas não pararam por aí, continuaram erguendo as armas acima das nuvens. Levantando ondas de vento, névoa e pedras, lutaram sem parar até que o sol se pôs a oeste. No entanto, nenhum dos dois obteve uma vantagem apreciável. Nesse momento, o monstro sugeriu:

- Ei, Sun! Que tal deixarmos isso para amanhã? Está ficando muito tarde, e não podemos continuar lutando. Se você concordar, retomaremos a luta assim que amanhecer. Combinado?

- Se quiser lutar - replicou o Peregrino -, comporte-se como um guerreiro e não me venha com desculpas de que está ficando tarde.

Mal tinha terminado de dizer isso, desferiu uma chuva de golpes na cabeça de seu adversário, mas o monstro se transformou mais uma vez, tornando-se uma brisa leve e se refugiou na caverna. Em seguida, fechou firmemente as portas de pedra e se recusou a sair de lá. Ao Peregrino não restou alternativa senão retornar ao Templo de Guanyin. 

Sanzang ficou muito feliz em vê-lo, mas, ao perceber que não trouxe a túnica, temeu o pior e perguntou:

- Por que ainda não trouxe a túnica de volta? 

O Peregrino então tirou da manga o convite e o entregou a Sanzang, dizendo: 

- Mestre, por acaso descobri que o monstro e aquele velho ancião eram amigos. Inclusive, ele enviou um de seus pequenos demônios com um convite para que o ancião participasse do grande Festival da Túnica de Buda. Eu matei o demônio e assumi a forma do velho monge para poder entrar na caverna. Consegui enganá-lo, mas, quando pedi para me mostrar a túnica, ele se recusou categoricamente. Enquanto tomávamos chá, um de seus patrulheiros chegou e o informou de tudo o que aconteceu, após o qual nos envolvemos em um violento combate. A batalha durou até o início da noite e, como aconteceu da primeira vez, terminou em empate. Quando o monstro viu que já era tarde, esquivou para dentro da caverna e trancou as portas de pedra, então não me restou outra alternativa senão retornar.

- Como é a sua habilidade como lutador comparada à dele? - perguntou novamente Sanzang.

- Não muito melhor - respondeu o Peregrino. - Estamos bem equilibrados.

Sanzang leu mais uma vez o convite, entregou-o ao guardião do monastério e perguntou:

- Quais são as chances de seu mestre ser um espírito monstro?

- Nenhuma - respondeu imediatamente o guardião, caindo de joelhos. - De fato, ele era totalmente humano. Uma vez que o Rei Negro atingiu o grau de humanidade que agora possui através da meditação, vinha frequentemente ao monastério discutir as escrituras sagradas com meu mestre. Em troca, ensinava-lhe algumas práticas mágicas, como o domínio da respiração e o cultivo de suas próprias essências. Foi assim que se tornaram grandes amigos.

- Esses monges não parecem monstros - comentou o Peregrino. - Todos têm, de fato, uma cabeça redonda apontando para o céu e um par de pés firmemente plantados na terra. Talvez sejam um pouco mais altos e pesados que eu, mas, com certeza, não são monstros. Vocês notaram a assinatura do convite? "Vosso servo, o Urso". Daí deduzo que essa criatura deve ser um urso negro que se tornou um espírito.

- Ouvi dizer dos antigos - afirmou Sanzang - que o urso e o macaco pertencem à mesma família. Em outras palavras, ambos são bestas. Como esse urso pode ter se tornado um espírito?

- Eu também sou uma besta - disse o Peregrino, rindo. - No entanto, tornei-me o Grande Sábio, Sósia do Céu. Qual é a diferença entre homens e animais ? Todos os seres deste mundo que possuem as nove aberturas podem se tornar imortais, praticando a Grande Arte.

- Você mesmo acabou de admitir que ambos possuem habilidades semelhantes - Sanzang o repreendeu. - Como pretende derrotá-lo e recuperar minha túnica?

- Não se preocupe com isso - tranquilizou-o o Peregrino. - Eu sei como farei isso.

Enquanto discutiam sobre isso, os monges lhes serviram o jantar. Após a refeição, Sanzang pediu algumas tochas e se retirou para descansar no salão Zen. A maioria dos monges passou a noite sob toldos apoiados nos muros deteriorados, reservando os aposentos da parte de trás para os monges de maior dignidade. A hora estava muito avançada. A Via Láctea brilhava como se fosse um riacho de prata, o ar era puríssimo e o céu estava pontilhado de estrelas brilhantes. Todos os sons haviam se dissolvido na placidez da noite, como se as montanhas tivessem sido repentinamente esvaziadas de pássaros. Nos rios distantes, as luzes dos pescadores estavam se apagando uma a uma, enquanto as lâmpadas dos pagodes se tornavam cada vez mais fracas. Há muito tempo, os tambores e sinos haviam se calado, às vezes dando a impressão de ouvir soluços distantes de bestas desconhecidas.

Sanzang passou a noite muito inquieto, pensando em sua túnica. Como poderia dormir bem? Em uma de suas muitas voltas na cama, viu que as janelas estavam gradualmente se tingindo de luz e, levantando-se imediatamente, gritou para seu discípulo:

- Já é dia, Wukong, então vá imediatamente buscar a túnica.

O Peregrino pulou de sua cama e viu que os monges estavam trazendo água para as abluções matinais.

- Cuidem bem do meu mestre como ele merece - ordenou o Peregrino. - Preciso me ausentar, e espero que o sirvam sem relutâncias.

- Posso saber para onde você vai? - perguntou Sanzang, agarrando-se a ele.

- Todo este assunto demonstra claramente a irresponsabilidade da Bodhisattva Guanyin - respondeu o Peregrino. - É incompreensível que tenha desfrutado das ofertas das pessoas deste lugar e, ao mesmo tempo, permitido que um monstro andasse rondando por aqui. Vou aos Mares do Sul para ter uma pequena conversa com ela e pedir que venha aqui exigir do monstro a imediata devolução de vossa túnica.

- E quando estará de volta? - perguntou Sanzang novamente.

- Provavelmente depois do café da manhã - respondeu o Peregrino. - No máximo, estarei de volta por volta do meio-dia, quando tudo estiver resolvido. Vocês - repetiu, dirigindo-se aos monges - cuidem bem do meu mestre. Mal tinha acabado de dizer isso, quando desapareceu de sua vista. 

Num piscar de olhos, chegou aos Mares do Sul. Parou na nuvem em que viajava e, olhando ao redor, viu a imensa extensão do oceano, onde a água e o céu pareciam se fundir ao longe. Uma luz suave, repleta de bons presságios, parecia envolver toda a terra, enchendo-a com o brilho do sagrado. As ondas, coroadas por uma espuma tão branca que parecia neve, quebravam na costa, elevando-se incessantemente. O constante rugido da água lembrava o rolar da tempestade. A montanha cheia de tesouros em que habitava a Bodhisattva parecia estar envolta em um arco-íris, destacando-se as cores vivas do vermelho, amarelo, verde, roxo e azul. Que lugar esplêndido era Potalaka, nos Mares do Sul! A agulha rochosa do pico da montanha se assemelhava a uma faca que cortava limpidamente o espaço. Nela cresciam milhares de flores exóticas e mais de cem tipos de ervas sagradas. O vento sacudia as árvores, enquanto o sol reverberava nos lotos dourados. O Templo de Guanyin aparecia coberto de ladrilhos multicoloridos. Em frente à Caverna do Som da Maré, incontáveis conchas de tartaruga foram espalhadas. Dentro dela, à sombra dos salgueiros, os papagaios cantavam; os pavões lhes respondiam, escondidos entre o bambu. Os guerreiros encarregados de defender tão paradisíaco lugar estavam postados atrás das rochas. Entre eles, destacava-se, solene e heroico, Muzha, sempre atento a um mar de cornalina.

O Peregrino não conseguia tirar os olhos de tanta beleza. No entanto, ele se virou para descer de sua nuvem e dirigir-se à floresta de bambu. As diferentes divindades que lá estavam saíram imediatamente para recebê-lo, dizendo:

- Há certo tempo, a Bodhisattva nos informou de vossa conversão, feito pelo qual todos nos parabenizamos. No entanto, tínhamos entendido que você estava acompanhando o monge Tang. Por que abandonou suas responsabilidades para vir até aqui?

- Não o fiz - defendeu-se o Peregrino. - Se vim a este lugar sagrado, foi precisamente porque encontrei uma tremenda dificuldade, que espero que a Bodhisattva possa resolver. Assim, agradeceria se anunciassem minha chegada.

As divindades assim o fizeram, e a Bodhisattva concordou imediatamente em se encontrar com ele. Sem perder tempo, o Peregrino ajoelhou-se diante do lótus coberto de joias.

- Posso saber o que veio fazer aqui? - perguntou Guanyin.

- Há dois dias - explicou o Peregrino - meu mestre chegou a um de vossos templos Zen, um daqueles pagodes onde as pessoas lhe oferecem sacrifícios e incenso. O que não entendo é por que permitiu que um Espírito Urso vivesse por perto. O resultado é que ele roubou a túnica do meu mestre e, embora eu tenha tentado recuperá-la várias vezes, todos os meus esforços foram infrutíferos. Então, espero que resolva o problema.

- Cuidado com tua insolência! - exclamou a Bodhisattva. - Por que vieste pedir minha ajuda, quando é provável que esse Urso tenha se apoderado da túnica de teu mestre por tua mania de querer mostrá-la a todo mundo? Além disso, você tem sua parcela de culpa, pois pediu que o vento intensificasse o fogo, e fez com que meu templo incendiasse por completo. É incrível que agora venha até mim pedir satisfações.

Ao ouvi-la falar assim, o Peregrino compreendeu que a Bodhisattva possuía o conhecimento do passado e do futuro. Baixou a cabeça com inesperada humildade e disse:

- Suplico que perdoe minha maneira de falar. Tudo aconteceu como você acabou de dizer. Tenho que confessar que fiquei muito chateado que o monstro se recusasse a me devolver a túnica. Além disso, meu mestre está sempre me ameaçando com o encantamento. Não suporto a terrível dor de cabeça que isso causa! Daí eu ter me comportado da forma como o fiz. Tende piedade de mim e ajude-me a capturar o monstro; assim recuperaremos a túnica e poderemos continuar nossa jornada para o Oeste.

- Esse monstro possui muitos poderes mágicos - afirmou a Bodhisattva. - De fato, é tão forte quanto você. Você não merece que eu te ajude, mas vou fazê-lo pelo monge Tang.

Agradecido, o Peregrino inclinou a cabeça ainda mais e pediu à Bodhisattva que não se demorasse. Montaram nas nuvens sagradas e logo chegaram à Montanha do Vento Negro, onde seguiram um caminho que conduzia diretamente à caverna. 

Pouco depois, viram um taoísta descendo pela encosta da montanha com uma bandeja de cristal, sobre a qual podiam-se ver duas pílulas mágicas. O Peregrino correu em sua direção, brandiu o bastão de ferro e o deixou cair com força sobre a cabeça daquele infeliz. O golpe destruiu seu crânio e causou uma hemorragia terrível no pescoço.

Horrorizada, a Bodhisattva exclamou:

- Você continua tão irracional quanto sempre! Posso saber por que você o matou? Não foi ele quem te roubou a túnica. Além disso, ele não tinha feito nada a você. Por que teve que tirar sua vida?

- Acredito que você não o reconheça - respondeu o Peregrino. - Ele é um dos amigos do Urso Negro. Eu os vi ontem conversando no campo com um literato vestido de branco. Estavam falando sobre a celebração do Festival da Túnica de Buda e do aniversário do espírito que nos roubou. Aliás, esse taoísta disse que pretendia passar o dia de hoje com seu amigo, longe do barulho que, sem dúvida, haverá amanhã. Por isso o reconheci. É muito provável que estivesse indo celebrar o aniversário do monstro.

- Nesse caso - concluiu a Bodhisattva -, não tenho nada a objetar.

O Peregrino se aproximou do taoísta e descobriu que se tratava de um lobo cinzento. Na bandeja, que havia caído ao seu lado, podia-se ler uma inscrição que dizia: "Fabricada por Lin Hsü-Tse (10)".

- Que sorte! - exclamou o Peregrino, animado. - Isso vai nos poupar muitas dificuldades e energias. Sem ser submetido a tortura, esse monstro acabou de nos fazer uma confissão valiosa, que pode levar à sepultura hoje mesmo seu desprevenido amigo.

- Pode-se saber do que você está falando? - perguntou a Bodhisattva.

- Costumo mencionar muito um provérbio que diz: "Todo plano deve ser contrariado com outro" - respondeu o Peregrino. - Não sei, porém, se você está disposta a aceitar minha estratégia.

- Fale de uma vez! - instigou a Bodhisattva.

- Como pode ver - disse o Peregrino -, nesta bandeja há duas pílulas mágicas, que vamos presentear ao monstro. É sorte que nela esteja gravado que foi fabricada por Lin Hsü-Tse. Se fizermos o que tenho em mente, podemos dispensar as armas e até mesmo desistir da luta. Num piscar de olhos, o monstro encontrará a morte, e nós recuperaremos a túnica de Buda. Se, por outro lado, recursar seguir meu plano, podemos considerar esse tesouro como perdido, e Sanzang terá feito uma viagem tão longa em vão.


- Nota-se que não te falta lábia - exclamou a Bodhisattva, rindo.

- Não posso reclamar - admitiu o Peregrino, satisfeito. - De qualquer forma, trata-se apenas de um plano sem nenhuma importância.

- Se importaria de explicá-lo? - insistiu a Bodhisattva.

- Com muito gosto - respondeu o Peregrino. - Levando em consideração a inscrição nesta bandeja, deduzo que o tal Lin Hsü-Tse não é outro senão o taoísta que acabei de matar. Se não tiver objeções, você poderia adotar a sua personalidade. Eu comerei uma das pílulas e me transformarei em outra um pouco maior que a que sobrar. Você a colocará então na bandeja e a oferecerá ao monstro como presente de aniversário. Eu me encarregarei de que ele nos devolva a túnica assim que ele a engolir. Se ele se recusar a fazê-lo, sou capaz de tecer uma nova com as suas próprias entranhas.

A Bodhisattva achou o plano excelente e concordou várias vezes com a cabeça.

-  Bem. O que está esperando? - perguntou o Peregrino, sorrindo.

A Bodhisattva não perdeu tempo em mostrar sua misericórdia e poder ilimitado. Usando sua infinita capacidade de transformação, sintonizou a mente com a vontade e instantaneamente assumiu a forma do imortal Lin Hsü-Tse.

- Fantástico! - exclamou o Peregrino ao vê-la. - Verdadeiramente extraordinário! O monstro é a Bodhisattva, ou a Bodhisattva é o monstro?

- Wukong, a Bodhisattva e o monstro cabem em um simples pensamento, pois no início não eram nada - afirmou a Bodhisattva, sorrindo.

Iluminado por essas palavras, o Peregrino se virou e se transformou em uma pílula mágica. Ninguém conhecia sua fórmula, embora fosse brilhante e tão perfeita quanto uma pérola. Dentro dela estavam escondidos os hexagramas do "seis por seis" e do  "três por três" (11) como se tivesse sido criada com a ajuda de Shao Wang (12) ou formada nos Montes Goulou (13) . Possuía o brilho do mosaico e do ouro amarelo; sua luz era a do sol e parecia emanar de seu próprio interior. Uma camada de mercúrio a protegia dos ataques exteriores, embora seu poder fosse tão imenso que na realidade não precisava de proteção.

A pílula em que o Peregrino se transformou era um pouco maior que a outra. A Bodhisattva observou isso e, pegando a bandeja de cristal, dirigiu-se à caverna do monstro. Antes de chegar, olhou ao redor e viu uma série impressionante de precipícios e penhascos. As nuvens se amontoavam como rebanhos no cume da montanha. Por toda parte, o verde de pinheiros e ciprestes era azotado impiedosamente pelo vento. Este era verdadeiramente um lugar para monstros, não para homens, embora alguém pudesse pensar que não poderia haver um lugar melhor para um eremita buscar o Caminho. Pelas encostas da montanha, um riacho se precipitava; suas águas lembravam o suave murmúrio de um alaúde. Nenhum som poderia ser mais adequado para purificar os ouvidos. Um cervo descansava sobre uma rocha, enquanto ao longe se ouvia, perdido na espessura da floresta, o canto das garças. Era tão melodioso que imediatamente elevava o espírito, como se fosse a própria música das esferas. A beleza da paisagem parecia agradar profundamente à Bodhisattva, que disse:

- Se essa besta foi capaz de escolher como morada um lugar tão extraordinário, significa que está plenamente capacitada para receber a iluminação do Tao.

Assim, ela já estava inclinada à misericórdia. Ao se aproximar da entrada da caverna, foi reconhecida pelos demônios que montavam guarda e que gritaram, jubilosos, ao vê-la:

- Acaba de chegar o imortal Lin Hsü-Tse!

Enquanto alguns corriam para anunciar sua chegada, outros a saudaram com respeito incomparável. O monstro não demorou a aparecer.

- Que grande honra fazeis com a vossa presença a um lugar tão humilde como este! - exclamou o monstro, dando-lhe as boas-vindas.

- Só vim trazer-vos uma pílula mágica como presente de aniversário - replicou a Bodhisattva.

Inclinaram-se respeitosamente e se sentaram. O monstro fez vários comentários sobre o que acontecera no dia anterior, mas a Bodhisattva nada disse. Apenas pegou a bandeja e sugeriu ao seu anfitrião:

- Aceitai, vos suplico, esta prova de reconhecimento por parte de um taoísta sem importância - escolheu a pílula maior e, oferecendo-a ao monstro, acrescentou -: Esta pequena maravilha vos fará viver por mais de mil anos.

- Nesse caso - concluiu o monstro, entregando a outra à Bodhisattva -, gostaria de compartilhar esta outra convosco.

O monstro a levou à boca, mas não fez o menor esforço para engoli-la, porque ela mesma deslizou garganta abaixo. 

O Peregrino não demorou a fazer suas travessuras dentro do corpo da besta. O monstro caiu no chão, incapaz de suportar a dor. A Bodhisattva recuperou então a forma que lhe era habitual e arrancou do monstro a túnica de Buda. 

Em seguida, o Peregrino saiu de seu corpo pelo nariz, mas, temendo que pudesse usar alguma artimanha, a Bodhisattva lhe atirou na cabeça uma pequena coroa de ferro. Assim que se pôs de pé, o monstro tentou, de fato, pegar a lança e atacar o Peregrino pelas costas. Ao vê-lo, a Bodhisattva elevou-se no ar e recitou um feitiço. Imediatamente, o monstro sentiu uma dor insuportável e, jogando a lança de lado, contorceu-se desesperadamente no chão. O Rei dos Macacos deu um salto e quase morreu de rir ao ver o sofrimento do Urso Negro.

- Maldita besta! - exclamou a Bodhisattva. - Não pensa em desistir?

- Eu me rendo! - respondeu o monstro, sem pensar duas vezes. - Liberte-me dessa dor o mais rápido possível!

Temendo que todo seu esforço fosse desperdiçado, o Peregrino acabar com ele ali mesmo, mas a Bodhisattva o deteve, dizendo: 

- Não o machuque, pois eu penso em lhe dar uma missão.

- Uma missão? - repetiu o Peregrino. - Este monstro só serve para ser pasto dos vermes.

- A parte de trás da Montanha Potalaka está desguarnecida - explicou a Bodhisattva - e quero que ele se encarregue de protegê-la. Não duvido que ele gostaria de ser nomeado Deus Guardião da Montanha.

- Você é realmente uma deusa salvadora e cheia de misericórdia - disse o Peregrino, sorrindo. - Incapaz de causar o menor dano a qualquer ser vivente. Se eu conhecesse um feitiço como esse, o recitaria pelo menos dez mil vezes. Assim acabaria com todos os ursos negros que há por aqui.

O monstro levou bastante tempo para recuperar a consciência. A dor era tão insuportável que, assim que voltou a si, lançou-se com o rosto no chão e disse:

- Perdoe-me a vida! Estou disposto a me submeter de bom grado à Verdade!

A Bodhisattva abandonou a sagrada luminosidade de sua nuvem e, tocando suavemente a cabeça dele, o transformou em seu servo. Dessa forma, o Urso Negro abandonou sua louca ambição de poder, tornando-se escravo da virtude.

- Você já pode ir, Wukong - ordenou a Bodhisattva ao Peregrino. - Procure não causar mais problemas e certifique-se de que não falte nada ao monge Tang.

- Agradeço que tenha vindo de tão longe para nos ajudar - replicou o Peregrino, respeitoso. - Por isso, penso que é meu dever acompanhar-vos de volta à vossa residência.

- Creio que não será necessário - respondeu a Bodhisattva.

O Peregrino inclinou-se diante dela e partiu. A Deusa da Misericórdia, por sua vez, não demorou em voltar ao Grande Oceano, acompanhada pelo urso. Sobre tudo isso trata um poema, que afirma:

"Uma luz de mil cores envolve sua figura, que possui a perfeição do ouro. Ela é a doce auxiliadora da humanidade, vigiando o curso do mundo de seu Lótus de Ouro. Veio em auxílio do buscador de escrituras, retirando-se, casta e pura, para sua morada assim que o resgatou do perigo. Transformou o inimigo em discípulo e retornou à sua morada aquática, uma vez recuperada a túnica bordada de Buda."

 

Não sabemos o que aconteceu depois. Quem quiser descobrir terá que ouvir com atenção o que é dito no próximo capítulo.


CAPITULO XVIII EM BREVE ...

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Notas do Capítulo XVII

  1. Uma planta selvagem que cresce em áreas elevadas;
  2. O mais importante de todos era o ting, que possuía três patas e simbolizava as cavidades internas do corpo humano.
  3. O Monte Penglai é uma das três montanhas onde, de acordo com a mitologia, habitavam os imortais.
  4. O Monte Ling-Tai é a Montanha do Coração e da Mente, onde Wukong conheceu o patriarca Subodhi.
  5. De acordo com os princípios da alquimia interna, o sol refere-se ao coração, elemento masculino, e a lua aos rins, elemento feminino. Quando suas energias estão em perfeito equilíbrio, o elixir interno é produzido, alcançando assim a imortalidade.
  6. Para alcançar o objetivo alquímico, era essencial conservar dentro do corpo as energias, ou "chi", dos diferentes órgãos;
  7. Esses ilhéus e ilhas eram moradas dos imortais.
  8. Hsien-Shang era um dos nomes pelo qual o deus Erlang Shen era conhecido;
  9. A crença popular afirmava que Buda possuía sobrancelhas luminosas de jade de cor branca.
  10. Li Hsü-Tse é o "Mestre do Vazio Transcendente".
  11. "Três por três" e "seis por seis" são os hexagramas "chien" e "kuen" do I Ching ou Livro das Mudanças, que fazem referência direta aos princípios masculinos e femininos, ou seja, ao yin e ao yang.
  12. Shao-Wang foi um mago originário do reino de Chi.
  13. Os montes Goulou, localizados ao norte da província de Kwangsi, são famosos pela rede de cavernas que os atravessa. Segundo a lenda, o alquimista Ke-Hung (283-343) realizou muitos de seus trabalhos lá.


  • Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
  • Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
fontes consultadas para a pesquisa:
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