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8 de maio de 2023

A Jornada ao Oeste: Capítulo I

۞ ADM Sleipnir

Arte de Moyi Zhang

O Portal dos Mitos tem a satisfação de trazer ao seus leitores o maior trabalho que já me desafiei a fazer nesses 10 anos de blog, uma tradução completa do clássico romance chinês “Jornada ao Oeste” (chinês 西遊記; Xī Yóu Jì), de Wu Cheng’en. Baseado em eventos históricos reais, a obra narra a peregrinação do monge Xuanzang para a Índia, em busca de escrituras sagradas do budismo, além de trazer a história de Sun Wukong, o Rei Macaco.

Dividido em 100 capítulos, o romance mantém a história básica do registro pessoal de Xuanzang sobre sua viagem, "Grandes registros Tang sobre as regiões ocidentais", adicionando, porém, elementos do folclore, baladas antigas e invenções do autor, como o fato de Sidarta Gautama encomendar a missão ao monge chinês (chamado de Tang Sanzang no romance) e lhe fornecer três protetores, os quais serão beneficiados com o perdão de seus pecados. Esses três protetores são Sun Wukong, Zhu Bajie, Sha Wujing e um príncipe dragão que serve como montaria (um cavalo branco) de Tang Sanzang. A Jornada ao Oeste é considerada um dos Quatro Grandes Romances Clássicos da literatura da China, e possui forte influência na cultura pop, marcando presença em jogos, filmes e animes.

Minha missão será trazer todos os 100 capítulos, um de cada vez. A intenção é publicar um por semana, mas não posso prometer tal frequência. Mas garanto-lhes que esse é um projeto ao qual pretendo me dedicar 100%. Abaixo, o primeiro capítulo. Espero que apreciem o trabalho, e dêem seu feedback nos comentários.

JORNADA AO OESTE
  • Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
  • Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.

CAPÍTULO I:

TUDO O QUE EXISTE SE ORIGINA DA RAIZ DIVINA. O CAMINHO (TAO) SURGE DIRETAMENTE DA PRÓPRIA FONTE DA MORALIDADE


Um poema diz: 
“No começo havia apenas Caos. O Céu e a Terra formavam uma massa confusa, na qual tudo e nada se misturavam como impurezas na água. Por toda parte reinava uma espessa névoa que o olho humano jamais poderia ver, e que Pan Gu (1) conseguiu dispersar com sua força prodigiosa. O puro foi então separado do impuro e apareceu a bondade suprema, que espalha suas bênçãos sobre todas as criaturas. Seu mundo é o da luz. Quem se aproxima dela descobre o caminho que conduz ao reino do bem. Mas quem quiser penetrar no segredo do início de tudo o que existe deve ler A Crônica das Origens (2)"
Nela, é afirmado que no reino do Céu e da Terra o tempo é dividido em períodos de cento e vinte e nove mil e seiscentos anos. Cada uma desses períodos subdivide-se, por sua vez, em doze épocas com duração de dez mil e oitocentos anos, que respondem aos seguintes nomes: Dhzu, Chou, Yin, Mao, Chen, Sz, Wu, Wei, Shen, Yu, Hsü e Hai (3)

Apesar de sua enorme amplitude, todos eles têm seu equivalente no ciclo repetitivo dos dias. Assim, Dhzu corresponde às primeiras horas da manhã, quando a escuridão é total e ainda não há sinal de luz; o cantar do galo ocorre em Chou; em Yin começa a clarear; o sol nasce, finalmente, em Mao; em Chen já é dia claro e os homens se preparam para tomar o café da manhã; quem trabalha já tem tudo planejado em Sz; em Wu o sol atinge seu zênite; a tarde começa a declinar em Wei; em Shen, as famílias se reúnem à mesa para o lanche da tarde; em Yu o sol se põe; em Hsü, os últimos vestígios do crepúsculo desaparecem completamente; Por fim, o povo retira-se para descansar em Hai, abrindo assim as portas para um novo ciclo. É o mesmo que acompanhou o mundo em suas origens distantes e, ao mesmo tempo, tão próximas. De fato, no final da época de Hsü, o Céu e a Terra estavam em um estado de confusão total, em que nada e tudo se misturavam de uma forma absolutamente incompreensível para nós. 

Após cinco mil e quatrocentos anos de escuridão constante, ocorreu o advento da época de Hai, também conhecido como Caos, e durante seu domínio não existiam seres humanos ou nenhuma das duas esferas pelas quais agora nos regemos. Demorou mais 5.400 anos para que essa idade das trevas terminasse e as forças criativas da luz começassem a agir lentamente. Tal milagre começou a acontecer na época de Dhzu, mas eles o fizeram então com tanta timidez que não é de surpreender que Shao-Kang-Chr (4) tenha afirmado: 
"Nenhuma mudança ocorreu no próprio centro do Céu, quando o inverno chegou às regiões de Dhzu. O princípio masculino ainda estava adormecido e nada do que existe havia vindo à luz."
Porém, após outros 5.400 anos, a primavera reinou na época de Dhzu, o firmamento tomou suas raízes imóveis e a luz finalmente foi capaz de formar o sol, a lua, as estrelas e outros corpos celestes. Não é estranho, portanto, que se diga que o Céu começou a existir em um momento tão numinoso. Seguiram-se outros 5.400 anos, durante os quais o firmamento se solidificou para sempre. A mesma coisa aconteceu com a terra durante a época de Chou. Daí a entusiástica declaração do I Ching (Livro das Mudanças):
"Quão maravilhosos são os princípios masculino e feminino! Deles, seguindo o mandato do Céu, todas as coisas finalmente surgiram."
No entanto, levou mais 5.400 anos após o advento da época de Chou para que certos materiais sem nome se condensassem e dessem origem aos cinco elementos essenciais: água, fogo, metal, madeira e terra. Antes que uma era tão extraordinária terminasse, outros 5.400 anos tiveram que se passar, após os quais a época de Yin amanheceu, e tudo o que conhecemos começou a surgir e crescer, como se seguisse a voz de uma primavera eterna.

Não é de estranhar, portanto, que o Livro da Contagem do Tempo diga: "O numen celeste desceu e o terrestre ascendeu. Assim, o Céu e a Terra se uniram e de sua cópula surgiram todas as coisas". Naquela época, o Céu e a Terra eram tão brilhantes quanto a própria luz e cada um continha em si os dois princípios do yin e do yang, a cuja união tudo deve sua existência. Durante os cinco mil e quatrocentos anos que se seguiram, de fato, apareceram bestas, animais e homens. Assim se estabeleceram para sempre as três forças que regem os destinos da natureza: o Céu, a Terra e o Homem, que, como já foi dito, viu a luz durante a 
milagrosa época de Yin.

Depois que Pan Gu colocou todo o universo em ordem, os Três Reis (5) colocaram o mundo em ordem e os Cinco Imperadores (5) estabeleceram o código moral. O mundo foi então dividido em quatro grandes continentes. O oriental tinha o nome de Purvavideha; o ocidental chamava-se Aparagodaniya, o do sul Jambudvipa e por último o do norte, Uttarakuru. Neste livro trataremos apenas, do continente oriental de Purvavideha

No outro extremo do oceano que banhava suas costas, estava a renomada nação Ao-Lai, bem perto da qual, bem no centro de um plácido mar de águas serenas, erguia-se a famosa Montanha das Flores e Frutos. Surgiu no exato momento da formação do mundo e agora fazia parte de um grupo de dez ilhotas, que acabou dando origem às Três Ilhas (6). Sua beleza era impressionante. Não é de estranhar, portanto, que um poeta tenha escrito sobre ela:
"Sua majestade compete com a serenidade do próprio oceano, como se fosse o imperador dos mares. As ondas quebram ao seu lado, como montanhas de prata que o golpe transforma em minúsculos flocos de neve, jogando peixes contra as rochas e despertando serpentes marinhas de seu sono profundo. Na sua parte sudoeste avistam-se planícies marcantes cheias de serenidade, enquanto ao leste tudo é abrupto com picos que se lançam ao mar com ferocidade mal disfarçada. Os que permanecem, orgulhosos, em terra seca vestem-se, ao crepúsculo, de matizes violetas, que escondem a sua inacessível bravura pétrea. Em seus picos cantam as fênices, emparelhadas, enquanto a seus pés descansam os unicórnios solitários. Por todo o lado ouve-se o lamento dos faisões, que procuram desesperadamente as grutas onde vivem os dragões. Toda a ilha é povoada por animais extraordinários que raramente são vistos em outros lugares, como o cervo longevo, as raposas imortais, as corujas divinas ou as cegonhas de plumas negras. Naquele lugar extraordinário, a grama nunca seca e as flores nunca murcham. Ali a primavera é eterna e para onde quer que se olhe avista-se o verde dos ciprestes e pinheiros, aliados incondicionais da vida. Os pessegueiros estão sempre em flor, as vinhas quebram-se sob o peso dos próprios frutos, a relva dos pastos está sempre fresca e os bambus atingem tais alturas que por vezes detêm o ímpeto enlouquecido das nuvens. Este é verdadeiramente o lugar privilegiado onde o Céu se apoia e a Terra descansa das suas muitas agruras, um paraíso onde convergem mais de uma centena de rios".
Bem no topo daquela montanha extraordinária havia uma rocha imortal. Tinha uma altura de trinta e seis pés e meio (11,12520 metros) e uma circunferência de apenas vinte e quatro pés (7,315200 metros). Tais medições não foram acidentais, pois correspondiam exatamente aos trezentos e sessenta e cinco dias do ano solar e às vinte e quatro horas (7) que marcam as atividades diárias do homem. Também tinha nove buracos profundos e outros oito mais curtos, que encontravam seu equivalente numérico nas Nove Constelações e nos Oito Planetas que habitam os palácios celestes.  
Embora nenhuma vegetação crescesse nela, por muito tempo ela foi alimentada com as mesmas sementes do Céu e da Terra e com a força extraordinária do sol e da lua. Finalmente, por ação direta do alto, ela engravidou e um embrião sobrenatural começou a crescer dentro dela. Após um longo período de gestação, abriu-se inesperadamente um dia e deu à luz um ovo de pedra do tamanho de um balão. Exposto à força dos elementos, transformou-se num macaco de pedra, idêntico aos macacos que conhecemos hoje. 

Não demorou muito para que ele aprendesse a correr e subir em árvores. Quando dominou perfeitamente tão difíceis técnicas, curvou-se, reverente, diante dos quatro pontos cardeais e então aconteceu o milagre: de seus olhos saíram dois poderosos raios que atingiram o próprio Palácio da Estrela Polar. Sua luz era tão forte que chamou a atenção do Beneficente Senhor dos Céus, o divino Imperador de Jade, que se reunia com seus ministros no Palácio das Nuvens dos Arcos Dourados, especificamente na Sala do Tesouro da Névoa Divina. Surpreso com seu brilho extraordinário, ele ordenou que Shunfeng'er Qianliyan (8) abrissem o Portão Sul do Palácio Celestial e descobrissem de onde veio tal fenômeno. Os dois capitães cumpriram a ordem sem perder tempo, e após analisarem cuidadosamente a situação, voltaram para junto do seu senhor e reportaram-lhe, dizendo: 
- Em obediência ao vosso mandato real, seus súditos descobriram que esses raios poderosos são provenientes da Montanha das Flores e Frutos. Esse lugar está localizado na região de Ao-Lai, a leste do continente de Purvavideha. Naquela montanha singular existe uma rocha imortal que, estranhamente, deu à luz um ovo de pedra. O mais incrível, porém, é que os elementos agiram sobre ele e o transformaram em um macaco de pedra. Os raios que o incomodaram vieram precisamente de seus olhos, pois, ao se curvarem aos quatro pontos cardeais, adquiriram tal vivacidade que sua luz atingiu o próprio Palácio da Estrela Polar. Mas não se preocupe. O macaco em questão começou a comer e beber e logo perderá todo o seu poder. 
- Acho que não - respondeu o Imperador de Jade com complacência misericordiosa. As criaturas do mundo que jazem aos nossos pés surgiram da cópula do Céu e da Terra e é natural que de vez em quando nos surpreendam com a sua desconcertante forma de agir. 
A essa altura, o macaco havia aprendido a andar, correr e pular de um lugar para outro. Alimentava-se de frutas e plantas e bebia dos muitos rios e córregos que corriam pela ilha. Passava a maior parte do tempo colhendo flores e subindo em árvores em busca de frutas. Não demorou, porém, a fazer amizade com o tigre, o lagarto, o lobo, o leopardo e o veado, embora considerasse as outras espécies de macacos como sua verdadeira família. À noite, ele dormia em cavernas que, as quais abandonava assim que o sol se levantava na linha do horizonte e a manhã começava. O tempo passava devagar, porque, como diz o ditado popular, "no alto dos picos o rio avança e recua com tanta regularidade que ninguém se dá conta do passar dos anos". 
Certa manhã, porém, estava tão quente que ele não encontrou melhor maneira de escapar do calor do que brincar com outros macacos à sombra de alguns pinheiros. Descobriu então, surpreso, o quanto se parecia com eles. Seu jeito de se divertir era praticamente o mesmo. Alguns, de fato, pulavam de galho em galho em busca de frutas, enquanto outros passavam o tempo jogando pedrinhas ou pequenas pinhas uns nos outros. Às vezes, eles iam à praia e a outros lugares arenosos e começavam a construir estranhas pagodas de areia. Também não era incomum eles perseguirem libélulas e correrem como loucos atrás de lagartos. 
Eles não se esqueciam, porém, de se curvar diante do Céu, apresentando assim seu respeito aos dignos Budas que o habitam. Mas isso não significava que eles deixavam de ser animais indisciplinados, estragando vinhas e outras árvores que cresciam exuberantes ao seu redor à vontade. Quando se cansavam disso, deitavam-se em canteiros macios de grama e procuravam pulgas e vermes uns nos outros. Quando, depois de muito cavar em seu pelo espesso, encontravam um, comiam-no avidamente ou simplesmente o matavam com as unhas.  
Outros preferiram, porém, limpar-se das pulgas sozinhos. Para fazer isso, eles alcançavam o tronco de um pinheiro e se esfregavam nele repetidamente, até que a queimação desaparecesse e a sensação de desconforto diminuísse. O que mais gostavam, apesar do perigo que isso representava, era brincar e perseguir-se entre os pinheiros. Teriam tempo depois de se desfazerem de todos os parasitas que pudessem apanhar nas suas infindáveis ​​incursões nas águas verdes das ribeiras. Fizeram isso naquela manhã, chegando a um dos riachos da montanha. Vendo a força da correnteza e os solavancos que a água dava entre as rochas, como melões que se esmagavam incessantemente contra as pedras, ficaram maravilhados e começaram a ponderar sobre sua estranha beleza. Não deveria surpreender ninguém que eles falassem. Se, como diz o ditado tradicional, "as bestas têm sua língua e os pássaros a deles", por que seria estranho que os macacos se comunicassem por meio de palavras? Então os macacos disseram uns aos outros: 
- Como não sabemos de onde vem toda essa água e hoje não temos o que fazer, o melhor é traçarmos seu curso e assim descobrirmos onde está sua nascente. Vocês não acham que será uma ótima maneira de passar o tempo? 

Todos aceitaram a ideia com entusiasmo e, expressando grande alegria, seguiram o curso desconhecido da torrente montanha acima. Os macacos caminhavam em família e não tardaram a encontrar a sua nascente: uma impressionante queda de água, cuja visão os deixou sem palavras. Elevava-se na paisagem como uma coluna muito alta, de onde emergiam lindos arco-íris que o vento mudava constantemente de posição.  
Milhares de ondas brancas dançavam em sua base, o que fazia pensar em brisas inexistentes e na bravura de rios lunares desconhecidos. O seu brilho lembrava mesmo o da dama da noite e tingia ligeiramente de branco o verde profundo da paisagem em que se insere. Suspeitava-se da existência de poderosos afluentes que o alimentavam, mas a sensação que mais dominava aqueles que tiveram a sorte de contemplá-lo foi a de uma cortina belíssima que alguém pendurara nas próprias nuvens. Ao ver um milagre tão inesperado, os macacos começaram a bater palmas e exclamar com entusiasmo: 
- Que maravilha! Que beleza incrível! A sua água brota diretamente do coração da serra e desagua, sem dúvida, na longínqua placidez do Grande Oceano.  
Outros acrescentaram com certeza inabalável: 
- Quem se atrever a cruzar essa impressionante cortina e voltar são e salvo para nos contar as maravilhas que se escondem atrás dela será o nosso rei. Há alguém disposto a fazê-lo? 
Ninguém respondeu a tal desafio. Tiveram que jogá-lo três vezes ao vento, antes que um macaco de pedra aparecesse de longe e gritasse em voz alta: 
- Eu o farei! Eu cruzarei a cortina de água e voltarei para contar o que há por trás dela! 
Era um macaco muito corajoso. Não é de estranhar que a sua fama tenha se mantido viva de geração em geração, até chegar intacta aos nossos dias. Quando se lançou contra a coluna d'água, o fez com tanta segurança arrogante que parecia um rei entrando pelos portões de seu próprio palácio. Fechando os olhos, ele decolou e pulou na cachoeira. Ao sentir que nenhuma gota lambia seu corpo de pedra, tornou a abri-los e descobriu, atônito, que estava diante de uma ponte que brilhava com a mesma força do sol. 
Incrédulo e inseguro, aproximou-se e viu que ela era feita de lâminas de ferro. A água que corria sob o seu arco saía de um buraco e perdia-se ao longe, dando origem, talvez, à esplêndida cascata que acabara de atravessar. Em um salto subiu até o topo da ponte e de lá descobriu um lugar paradisíaco, que, sem dúvida, deveria ser o palácio de alguma pessoa importante. Estava em uma névoa fina, que lhe dava uma pátina reminiscente tanto do azul puro do céu quanto do verde frio do jade. A julgar pelo número de janelas, devia ter inúmeros cômodos, embora nenhum ocupante em potencial fosse visível. 
Seus muros haviam sido cuidadosamente esculpidos com motivos florais, que se repetiam, como em um espelho, no exuberante jardim que a cercava. Era tão bem cuidado que com certeza alguém deveria morar em uma mansão tão esplêndida. Perto da parede principal, de fato, ainda havia brasas vivas de uma fogueira, uma mesa cheia de copos, garrafas, pratos, tigelas e restos de comida, e um número indeterminado de cadeiras de pedra primorosamente trabalhadas. Um pouco mais adiante, cresciam algumas touceiras de bambu, atrás das quais se apreciava o verde eterno de um grupo de pinheiros e a beleza perfumada de quatro ou cinco ameixeiras. Apesar de sua sensação palaciana inegável, este lugar tinha toda a aparência de um lar. 
O macaco de pedra ficou olhando para ele por um longo tempo, sem acreditar no que estava vendo. Quando se certificou de que não era um sonho, saltou para o centro da ponte e, mais seguro de si, olhou para a esquerda e para a direita. Foi assim que descobriu uma inscrição em pedra que dizia: "Esta é a terra sagrada da Montanha das Flores e Frutos, a Caverna Celestial que esconde a Cortina de Água". 
O macaco de pedra ficou radiante. Ele havia decifrado o mistério daquele lugar extraordinário e decidiu voltar para contar a seus irmãos. Ele se virou apressadamente, fechou os olhos novamente e, tomando impulso, atravessou a parede de água mais uma vez. 
- Que sorte eu tive! Que golpe de sorte maravilhoso! - exclamou com entusiasmo, quando se viu do outro lado novamente. 
- O que há do outro lado? perguntaram os macacos, rodeando-o com impaciência. -Quão profunda é a água lá? 
- A água? repetiu o macaco de pedra, rindo. Nesse mundo quase não há água. Vi apenas uma ponte feita de lâminas de ferro, de onde se vislumbra uma esplêndida mansão celeste. 
- O que você quer dizer com isso? - os outros macacos perguntaram novamente. 
-A água que passa debaixo da ponte de que estou falando - respondeu o macaco de pedra, ainda rindo - sai de um buraco na rocha e é tão abundante que esconde totalmente seu arco De um lado da ponte ergue-se uma esplêndida mansão de pedra, rodeada por um magnífico jardim cheio de árvores e flores. Junto à sua porta principal encontram-se mesas de pedra com todo o tipo de utensílios de cozinha: fornos, tachos, panelas, bancos, pratos... O mais surpreendente é que são de pederneira, como a inscrição que aparece mesmo no centro da  ponte e onde se lê: "Esta é a terra sagrada da Montanha das Flores e Frutos, a Caverna Celestial que esconde a Cortina de Água." Acho, portanto, que é o local ideal para ficar e viver. É extremamente pacífico e espaçoso o suficiente para acomodar milhares e milhares de seres de todas as idades e condições. Acomodemo-nos nela e esqueçamos para sempre os reveses que o Céu nos submeteu. Lá nos protegeremos do vento e nos abrigaremos da chuva, porque naquele paraíso a neve é ​​desconhecida e nunca congela. Nela tudo parece ter o brilho do ouro e até a névoa é luminosa como os raios da lua ou o próprio sopro do trovão. Pinheiros e bambus são sempre belos, e flores raras desabrocham todos os dias. 
- Se o que você diz é verdade, o que estamos esperando para entrar nesse mundo? exclamaram os outros macacos, radiantes -. Você pula primeiro e nos leva até ele. 
O macaco de pedra não se fez de rogado. Fechou os olhos, tomou impulso e se perdeu atrás da cortina de água, gritando: 
- Em frente, rapazes! Sigam-me todos! 
Assim fizeram os mais corajosos. Outros, porém, recuaram, como se duvidassem do que seu novo rei lhes havia dito e não se atreveram a seguir seu exemplo. Felizmente, no fim, a curiosidade prevaleceu sobre o medo e, sem pararem de gritar e de baterem palmas, lançaram-se também ao desconhecido. Todos pousaram em cima da ponte, mas não demoraram ali muito tempo, pois logo se lançaram sobre os fornos e pratos de pedra, lutando rudemente por tigelas e cadeiras. 
Foi sorte eles serem feitos de pedra; caso contrário, eles teriam sido reduzidos a pedacinhos em muito pouco tempo. O barulho era francamente indescritível e só diminuiu quando as forças dos macacos falharam e eles se deitaram para descansar pacificamente na grama. O macaco de pedra sentou-se então no lugar mais alto que pôde encontrar e disse-lhes solenemente: 
- Senhores, como bem sabem e diz o ditado, quem não goza de confiança não pode realizar proeza alguma. Vocês mesmos concordaram, não faz muito tempo, que quem passasse a cortina de água e a atravessasse novamente sem sofrer nenhum dano seria nomeado seu rei. Pois bem, já o fiz não uma, mas duas vezes e até tive a delicadeza de vos trazer para viver num local tão privilegiado como este, para que usufruam das suas maravilhas e criem as vossas famílias sem imprevistos. Como é possível, então, que não se ajoelhem diante de mim e me preste seus respeitos? Vocês esqueceram de sua promessa? Que tipo de macacos são vocês que não cumprem suas palavras? 
Ao ouvir isso, todos os macacos ficaram profundamente envergonhados e, cruzando as mãos sobre o peito, prostraram-se humildemente no chão. Então eles prestaram suas homenagens um a um, começando pelo mais velho e terminando pelo mais novo. Quando terminaram, curvaram-se reverentemente diante dele e todos gritaram em uníssono: 
- Viva nosso rei! 
Desta forma, foi entronizado o macaco de pedra, que passou a ser conhecido a partir daquele momento como o "Belo Rei dos Macacos". Isso é atestado por um antigo poema, que diz: 
"Uma vez que tudo surgiu da cópula do Céu e da Terra, uma rocha divina surgiu da união da lua e do sol. Logo se transformou em um ovo, que, com o passar do tempo, se transformou em um esplêndido macaco. Sua inteligência era tão profunda que chegou a penetrar no mistério do Grande Tao e a conhecer o segredo do próprio elixir da vida. Ninguém jamais viu as feições de seu espírito, porque é totalmente informe, mas sua obra é conhecida por todos e nunca deixou de ser elogiada em todos os lugares. Sua memória durará de geração em geração, porque ele é um rei sábio cujo domínio se estende além das fronteiras imprecisas do fluxo eterno."
Sem perder tempo, o Belo Rei dos Macacos escolheu os mais corajosos e inteligentes de seus súditos e os nomeou ministros e oficiais. Todos eles aceitaram essas nomeações sem inveja ou rancor e começaram a explorar o novo mundo que tinham a sorte de habitar. Sua existência não poderia ser mais idílica. Pela manhã eles percorreram a Montanha das Flores e Frutos, retirando-se para descansar na Caverna da Cortina de Água quando a noite caía e tudo era envolto pela escuridão. Os macacos viviam em perfeita harmonia, sem se misturar com outras feras e bichos, apegados à sua independência e preocupados apenas com sua própria felicidade. Colhiam flores na primavera, frutos no verão, bagas e nozes no outono e raízes (9) no inverno. O que mais eles poderiam querer?  
O Belo Rei dos Macacos havia desfrutado de trezentos ou quatrocentos anos de uma existência tão pacífica quando um dia, enquanto participava de um banquete cercado por outros macacos, de repente ficou tão triste que as lágrimas começaram a rolar livremente pelo seu rosto. Os macacos aproximaram-se dele, alarmados, e curvando-se com mais respeito do que de costume, perguntaram:  
- Podemos saber o que está acontecendo contigo, grande senhor? 
- Embora deva admitir que ser vosso rei trouxe paz ao meu espírito – respondeu o Rei dos Macacos -, a incerteza do futuro se apoderou dele e plantou em meu coração a semente da inquietação. 
- Vamos, Majestade! - exclamaram os macacos, soltando uma gargalhada -. Como é possível que você não esteja satisfeito com a vida que levamos? Habitamos uma montanha imortal, aninhada em uma terra sagrada, e à noite descansamos em uma caverna que pertence aos próprios deuses. Você não está satisfeito com os banquetes que oferecemos diariamente em sua homenagem? Mesmo os imortais têm inveja de nossa existência. Nem mesmo fênices ou unicórnios têm poder sobre nós e, o mais importante, escapamos totalmente da influência do homem. Que bênção maior pode haver do que esta independência que agora desfrutamos? Como você pode dizer que se preocupa com o futuro? 
- É verdade que não estamos sujeitos às disposições humanas nem somos escravos de nenhum animal e que nem a velhice tem poder sobre nós – admitiu o Rei dos Macacos -. Mas isso não significa que escapamos da influência de Yama, o Rei do Além. De que nos servirá viver tanto, se no final tivermos que morrer? Vocês não entendem que, apesar de nossa existência paradisíaca, não estamos entre os imortais? 
Ao ouvir isso, os macacos levaram as mãos ao rosto aterrorizados e começaram a chorar incontrolavelmente. A inquietação de seu rei também se apossara de seu espírito, atormentado pelo pensamento insuportável de seu próprio desaparecimento. No entanto, quando seus gritos se tornaram mais penetrantes, um dos macacos de nível inferior deu um passo à frente e, curvando-se diante de seu senhor, disse com uma convicção trêmula: 
- Como Vossa Majestade sabe muito bem, dentro das  cinco classes de seres viventes (10) que existem, apenas três conseguiram escapar da tirania de Yama, o Rei do Além-Túmulo. 
- Você sabe quais são? - perguntou o Rei dos Macacos, surpreso. 
- Claro que sim! - respondeu ele. Você só precisa estar um pouco familiarizado com a religião para saber essas verdades. Os únicos que não estão sujeitos à morte são os Budas, os imortais e os sábios. Só eles conseguiram quebrar a roda de ferro da transmigração, escapando, de uma vez por todas, da série infinita de nascimentos e mortes que nos espera e possuindo uma existência tão longa quanto a do Céu, a da Terra, a das Montanhas e a dos Cursos de Água. . 
- Você sabe onde vivem esses seres extraordinários? - perguntou novamente o Rei dos Macacos. 
- “Eles vivem nas terras de Jambūdvīpa, onde habitam cavernas antigas em montanhas imortais.” 
- Nesse caso - concluiu o Rei dos Macacos, tremendo de satisfação e esperança - amanhã deixarei esta montanha e irei procurá-los. Eu os encontrarei, mesmo que tenha que percorrer toda a terra e chegar aos confins do mar. Quando eu o fizer, permanecerei ao seu lado até que o segredo da juventude eterna seja passado para mim e, assim, estarei para sempre livre da tirania inflexível do Rei Yama. 
Seu entusiasmo por escapar das redes de transmigração e se tornar um grande sábio em todas as coisas semelhantes ao próprio Céu tomou conta de todos os seus súditos, que começaram a aplaudir com entusiasmo enquanto diziam uns aos outros: 
- Que idéia maravilhosa teve nosso soberano! Amanhã percorreremos toda a montanha, colheremos todas as frutas e bagas que encontrarmos e daremos um esplêndido banquete de despedida ao nosso Grande Rei. 
Assim que amanheceu, os macacos realmente partiram em busca de pêssegos, frutas, ervas aromáticas e raízes doces. Eles também coletaram orquídeas, crisântemos e todos os tipos de flores exóticas e as usaram para decorara enorme mesa de pedra que ficava ao lado da parede principal da mansão.  
Foi exatamente lá que aconteceu o brilhante banquete de despedida. O aroma dos vinhos misturava-se com o das cerejas, vermelhas de maturidade e tentação lúbrica, e com o das ameixas de casca fina e polpa doce. A seu lado havia ramos de lechíes (11), algumas ainda em flor; esplêndidas pêras douradas, que lembravam por sua forma cabeças de coelhos sorridentes; lindas tâmaras, pulsando como corações de galinhas recém-depenadas; pêssegos perfumados, doces como o próprio elixir da vida; morangos carregados de acidez e doçura ao mesmo tempo, que lembravam o sabor ambíguo de certos queijos e a maciez amanteigada das natas; melancias imensas, com suas polpas carregadas com o rubor das donzelas e as lágrimas de azeviche de suas sementes; romãs muito saborosas, que, uma vez abertas, pareciam estranhos seres grávidos de rubis; esplêndidos cachos de uvas, que se transformavam em açúcar assim que tocados, afogando-se no seu sumo, como o vinho, a sede e a ansiedade; laranjas pintadas ao sol, rivalizando em brilho com a ferocidade amarelada das nozes e amêndoas; frutas, sementes e bagas de toda espécie enchiam, enfim, a esplêndida mesa de mármore, que se estendia, com sedutora elegância, paralela à parede frontal da casa. O bom gosto dos humanos não pode se gabar de nada, comparado ao que os travessos macacos da montanha exibiram naquele dia. 
O rei ocupava a cabeceira da mesa, enquanto os outros se sentavam de acordo com sua posição e idade. O banquete durou um dia inteiro. O vinho corria como torrentes e todos os macacos se revezavam servindo ao seu soberano, que em nenhum momento deu sinal de estar embriagado. Na manhã seguinte, sua sobriedade era, de fato, completa. Ele levantou-se muito cedo, convocou todos os seus súditos e deu-lhes instruções muito precisas para a viagem, dizendo-lhes: 
- Cortem alguns pinheiros e construam uma balsa com eles. Como remo, usarei a vara de bambu mais longa que encontrarem. Vocês já sabem que o mar é fundo e a viagem deve durar muitos dias. Portanto, vocês também terão que preparar uma grande quantidade de bagas e frutas para eu me alimentar. 
Quando tudo estava pronto, ele subiu na balsa e, com um poderoso golpe do mastro, adentrou nas águas do imenso oceano. O vento o ajudou em seu propósito, soprando forte na direção da ponta sul do continente de Jambudvipa. O poema fala claramente de sua façanha, dizendo:
"O macaco que deve a sua existência aos céus abandonou a montanha onde vivia e governou habilmente a sua balsa, até conseguir colocá-la nas próprias mãos do vento. Impulsionado por sua força, ele navegou pelos mares em busca da imortalidade. Esse desejo havia dominado seu espírito, expulsando dele todas as preocupações que se agarram a nós, mortais, na teia de aranha da existência. Seu coração e mente foram predestinados para realizar grandes feitos. Por isso agora se esvaziou de tudo e se lançou no nada da distância em busca do indescritível mistério das origens e da morte".
Ele havia escolhido o momento certo para sua jornada. Após embarcar em sua balsa, o vento sudeste soprou forte por dias a fio e o levou para a costa noroeste do continente de Jambudvipa. Cansado da longa viagem, um dia ele usou sua vara de bambu para checar a profundidade da água, e ao constatar que já não era mais profunda,  saltou da balsa e nadou com força até à praia. O lugar fervilhava de animação extraordinária. Para onde quer que ele olhasse, podia ver pessoas atarefadas pescando, caçando gansos, coletando amêijoas e extraindo sal. Vendo aproximar-se o Rei dos Macacos, feroz como um espírito e desajeitado como uma fera, abandonaram as redes e os baldes e correram, apavorados, para se esconder. Apenas um deles, que era coxo e não tinha medo de nada, permaneceu em seu lugar, sem lhe dar atenção. Com habilidade incomum, o Rei Macaco o despiu de suas roupas, deixando-o completamente nu, e em seguida vestiu-se com elas. Assim, conseguiu passar mais despercebido entre os homens, cujos costumes e modos de vida veio a dominar quase na perfeição. Ele percorreu cidades e vilas, entrou em lojas e mercados, conversou com alguns e fez amizade com outros, descansou à noite e encheu a barriga durante o dia, mas em nenhum momento se esqueceu dos Budas, dos imortais e dos sábios, possuidores do segredo da eterna juventude. Foi assim que descobriu que os homens só corriam atrás do lucro e da fama, sem se importar com o fim fatídico que os esperava. Nenhum dos que conheceu jamais demonstrou a menor preocupação com a morte, como se nunca fosse acontecer com eles. 
Como era possível que sua busca por fama e fortuna nunca acabasse? O desejo por riqueza e poder os tiranizava como um governador covarde, mas eles se entregavam de bom grado ao seu jogo, levantando-se cedo de suas camas e voltando para elas ao anoitecer. Eles não se importavam em montar em suas mulas e cavalgar por dias sem fim para conseguir uma única moeda de cobre. Sua ganância era sem medida. Aquele que havia se tornado primeiro-ministro sonhava em ser rei e aquele que já havia alcançado o trono aspirava a ser um deus. Pobres seres infelizes, sedentos de reconhecimento e honra, ignorantes absurdos do chamado inevitável de Yama! A cegueira até os obrigou a acumular riquezas e fama para os filhos e netos, como se não fossem sofrer da mesma doença. Por que ninguém escapava dessa loucura e parava para pensar no fim implacável que os esperava? Com uma atitude tão deplorável ao seu redor, não era de se estranhar que a busca do Rei dos Macacos tenha sido totalmente inútil até então. Como ele encontraria o segredo da imortalidade, se ninguém se importava com ela? Mas ele não desanimou. Por oito ou nove anos ele não fez nada além de vagar por vilas e cidades, até que finalmente alcançou o extremo oposto do desconcertante continente de Jambudvipa. Diante dele estendia-se a infinita placidez do Grande Oceano Ocidental. Era tão imenso que sentiu vontade de entrar em suas águas, certo de que os imortais viviam além da linha do horizonte. Sem perder tempo, construiu uma nova balsa, semelhante à que havia usado na viagem anterior, e se lançou às águas, emocionado. 
Depois de muitos meses de dolorosa navegação, ele finalmente chegou às costas distantes do continente de Aparagodaniya, localizado no extremo oeste do mundo. Mas parecia totalmente desabitado, e seu entusiasmo sofreu um sério revés. Com um gesto cansado, adentrou a densa mata que se estendia do outro lado da praia e descobriu uma impressionante montanha, cuja crista se perdia nas nuvens e cuja base estava firmemente ancorada na densa vegetação que tudo cobria. A sua beleza imperecível recuperou sua esperança, lançando-se à conquista do seu cume, sem se importar com o perigo que podiam representar os lobos, vermes, tigres e panteras que sem dúvida habitavam as suas saias. O Rei dos Macacos não temia nada. Ao subir, descobriu uma paisagem de beleza indescritível e que o fez esquecer de vez das feras. 
A montanha era na verdade parte de uma vasta cordilheira, cujos picos apareciam à distância, alinhados como as lanças de um exército prestes a entrar em batalha. Alguns brilhavam ao sol, como se fossem realmente de aço, enquanto outros estavam cobertos por uma espessa névoa azulada, que sugeria a iminência de uma chuva torrencial. No entanto, o que identificava a todos era o verde profundo da impenetrável vegetação que os cobria. Suas árvores, tão antigas quanto o próprio mundo, tinham seus galhos entrelaçados, e uma inextricável rede de caminhos passava por eles, sem levar a lugar nenhum.  
Pinheiros e bambus numerados aos milhares, fornecendo sombra protetora para uma grama que crescia naquele solo sagrado há milhares de anos e para flores que nunca paravam de florescer, independentemente da estação ou hora do dia. A isto acrescentava-se a sinfonia oculta dos pássaros, o sussurro límpido dos riachos, o riso fresco das folhas das árvores ao serem incessantemente sacudidas pelo vento. Mas sentia-se, ao mesmo tempo, a formação silenciosa de orquídeas no fundo das falésias e a ascensão inaudível de musgos e líquenes pelas paredes escorregadias dos taludes. A montanha era uma canção ensurdecedora para a vida e ela própria parecia pulsar, como se fosse parte do corpo de um dragão gigantesco. Tinha que ser a residência oculta de algum ser eminente. 
Foi o que pensou o Rei dos Macacos, pelo menos, quando finalmente alcançou o cume de uma montanha tão única. Ofegante pelo esforço, ele olhou em volta com curiosidade e pensou ter ouvido de repente uma voz de homem vindo de dentro da floresta que se estendia à sua direita. Ele correu até ela a toda velocidade e, apurando a orelha, verificou que não havia se enganado. Com beatífica indiferença, alguém cantava uma canção que dizia: 
"Sou um amante inveterado do xadrez, mas o que mais gosto é de carregar o machado no ombro (12) e caminhar pela mata. Adoro o som do aço desmembrando a madeira fresca, mas o que eu amo mesmo é ir até a entrada do vale , suando sob o peso da madeira que tenho que trocar por vinho com meus vizinhos. Então me sinto tão feliz que rio despreocupadamente, como se, em vez de um homem, eu fosse apenas um menino. Não me importo que a aproximação do inverno pinte os caminhos com geada e os picos com neve venerável. Meu mundo é a floresta e nela vou desfiando a plácida monotonia da minha existência. Deitado olhando a lua, as raízes dos pinheiros me servem de travesseiro e sua dureza terrosa me dá um descanso tão suave que durmo profundamente até o amanhecer, então subo com segurança até as mesetas e escalo os altos picos que as sustentam em busca de madeira para a força irresistível de meu machado. Quando consigo colher o suficiente, carrego nos ombros e na cabeça, ainda cantando, em direção ao mercado, onde troco por alguns alqueires de arroz. Nunca discuto seu preço, pois não busco enriquecimento ou ganho pessoal, e a honra é um desperdício para mim como as pedras que caem no riacho quando ocorre uma avalanche. Minha vida foi aliada à sobriedade, seguindo o caminho traçado pelos imortais e pelos respeitáveis ​​mestres taoístas, que ensinam O Clássico da Corte Amarela (13) sentados pacificamente no chão."
Quando o Rei dos Macacos ouviu isso, ele se encheu de profunda alegria e disse para si mesmo esperançoso:

- Então os imortais se escondem neste lugar! Quem poderia ter dito isso?

Ele penetrou mais na floresta e assim chegou, sem ser visto, até o local onde um lenhador brandia seu machado. A primeira coisa que chamou sua atenção foi sua roupa estranha. O chapéu em sua cabeça era inteiramente feito de folhas e galhos de bambu recém-cortados. A saia que cobria seu corpo era de algodão grosso e um cinto grosso de seda não tingida estava preso à cintura. Um par de sandálias de palha cobria seus pés, ásperos como raízes de árvores centenárias, que contrastavam fortemente com o fio brilhante de seu machado extremamente pesado. Sobre seu ombro havia um gigantesco feixe de lenha, tão visivelmente volumoso que não havia dúvida de que o homem era um dos melhores lenhadores da região. O Rei dos Macacos saiu de seu esconderijo e, erguendo a voz, disse:

- Ei, imortal, não vá embora! Preciso que me ensine o seu segredo, pois a morte me apavora e não me deixa viver em paz.

-Imortal eu? - exclamou o lenhador, tão constrangido que deixou cair ao mesmo tempo o machado e a trouxa no chão -. Pobre de mim! Como posso ser um imortal, se mal tenho o suficiente para me vestir e me alimentar?

- Se você não é um imortal, como é que fala a mesma língua que eles? - perguntou o Rei dos Macacos, por sua vez, surpreso.

- O que eu disse para você ter uma ideia tão errada de mim? - respondeu o lenhador -. Pelo que sei, minha língua é tão grosseira quanto a dos animais ao nosso redor.

- Vamos. Não seja tão humilde - respondeu o Rei dos Macacos -. Assim que entramos na floresta, ouvi você cantar uma canção que terminava mais ou menos assim: “A minha vida aliou-se à sobriedade, seguindo o caminho traçado pelos imortais e pelos respeitáveis ​​mestres taoístas, que ensinam o Clássico da Corte Amarela sentados pacificamente no chão”. Todos sabem que este livro contém os segredos do taoísmo. Como você poderia saber de sua existência, então, se você não é um imortal?

- Não sei absolutamente nada dessas coisas - respondeu o lenhador, depois de rir bastante -. Essa canção a que você se refere faz parte de um longo poema chamado “Um Tribunal Habitado Inteiramente por Casulos”, que um vizinho meu me ensinou. Ele é realmente um imortal e, vendo-me tão sobrecarregado de preocupações, teve pena de mim e me aconselhou a recitá-lo quando eu estivesse no limite de minhas forças. Segundo ele me disse, sua beleza traria paz ao meu espírito e todos os meus problemas desapareceriam imediatamente. Um pouco antes de você aparecer, eu estava me sentindo um pouco deprimido e comecei a cantá-la. O que eu menos suspeitava é que alguém poderia estar me ouvindo.

- Se, como afirmas, és vizinho de um imortal - inquiriu o Rei dos Macacos, mais uma vez, incrédulo - , por que não segues os seus ensinamentos? Não seria mais prático se você dominasse o segredo da eterna juventude, ao invés de se dedicar a aprender estranhos poemas que não levam a lugar nenhum? 

- Por que eu iria querer a juventude eterna? - respondeu o lenhador. - Minha vida sempre foi muito difícil. Até os oito ou nove anos dependi dos meus pais. Só então, quando eu estava começando a entender o que era a vida, meu pai morreu e minha mãe nunca mais se casou, então eu não tive um irmão. Que escolha restava para mim, exceto trabalhar como um louco e tentar sustentar a família? Minha mãe sempre foi a coisa mais importante para mim e não vou abandoná-la agora que ela está muito velha. Para pioras as coisas, os campos que possuo são muito rochosos e mal produzem o suficiente para nos alimentarmos. Assim, sou obrigado a entrar na floresta todos os dias em busca de madeira, que depois troco no mercado por alguns alqueires de arroz. Eu mesmo cozinho. Não que eu seja muito bom nisso, mas com o tempo adquiri alguma prática e até me tornei um mestre na arte de fazer chá. Agora você entende por que não posso me dedicar aos terríveis ascetismos que meu ilustre vizinho preconiza?

- Isso não tem nada a ver - concluiu o Rei dos Macacos. - Pelo que você acabou de me dizer, deduzo que você é uma pessoa extremamente piedosa e não tenho dúvidas de que mais cedo ou mais tarde será recompensado como merece. Agora, se não se importa, gostaria que me levasse até onde mora o imortal. Assim, posso cumprimentá-lo e pedir-lhe que me transmita seus inestimáveis ​​ensinamentos.

-É muito perto daqui- explicou o lenhador. - O lugar exuberante onde nos encontramos é conhecido como a Montanha do Coração e da Mente. Nela, há uma caverna chamada As Três Estrelas e a Lua Minguante, dentro da qual vive um imortal que responde pelo nome de venerável Subodhi. Ao longo de sua longa existência doutrinou milhares de discípulos e atualmente estimo que trinta ou quarenta pessoas seguem seus ensinamentos. A casa dele fica a sete ou oito milhas daqui. Precisamente este caminho leva diretamente para lá. Siga-o sem virar à esquerda ou à direita e garanto-lhe que, antes que você perceba, você terá chegado à sua porta.

- Por que você não me leva? - implorou o Rei dos Macacos, agarrando-se nervosamente a sua saia de algodão -. Se eu obtiver algum benefício com esta visita, prometo recompensá-lo por todo o trabalho que teve comigo.

- Como você é teimoso! o lenhador protestou. Eu acabei de te dizer e você ainda não entendeu. Se eu for com você, vou perder um tempo precioso e não poderei cuidar direito de minha mãe? Tenho que cortar o máximo de madeira possível para trocá-la por arroz. Você não percebe que eu sou muito pobre? Sinto muito, mas não posso ir com você.

O Rei dos Macacos entendeu que não havia o que fazer e seguiu viagem pelo caminho que o lenhador havia indicado. Era extremamente estreito e seguia um caminho muito sinuoso e irregular, como se tivesse sido criado por uma cabra. Com muita dificuldade avançou ao longo dela e, depois de sete ou oito milhas, vislumbrou a entrada de uma caverna. Situava-se num cenário esplêndido, no qual a névoa brilhava como se tivesse tomado parte da luz da lua e do sol. Ciprestes numerados aos milhares, e prósperos brotos de bambu podiam ser vistos ao lado deles, dando à paisagem uma sensação refrescante de água da chuva. Perto da boca da caverna estendia-se um espesso tapete de flores de todos os tipos, rivalizando em beleza com o verde perene da grama, tão profundo que parecia jade. Uma legião de musgos e líquenes agarrava-se às rochas, dando-lhes o aspecto venerável de velhos de longas barbas e porte sereno. Ao longe, parecia ouvir-se o canto mítico das fénices, enquanto o coaxar ritmado das cegonhas tomava conta de todos os pântanos e subia, veloz, rumo aos céus, carregada de nuvens que lembravam bordados multicoloridos. Sentia-se a proximidade de cervos brancos, leões dourados e elefantes de jade, como se aquele lugar sagrado fosse, na realidade, uma imitação do paraíso.

O Rei dos Macacos notou imediatamente que a porta da caverna estava bem fechada e que nenhum vestígio de presença humana podia ser visto em seus arredores. Tudo estava em total serenidade, como se o momento da criação tivesse acabado de ocorrer. Virando-se, viu que no topo do penhasco onde ficava a gruta havia uma enorme placa de pedra. Tinha cerca de nove metros de altura e dois metros e meio de largura, e nela estava escrito em letras artísticas de tamanho incomum: "A Montanha do Coração e da Mente. A Caverna das Três Estrelas e da Lua Minguante".


Isso pareceu agradar muito ao Rei dos Macacos, que disse para si mesmo, entusiasmado:

- Realmente, as pessoas que habitam esta terra são confiáveis, porque, ao contrário do que eu esperava, a montanha e a caverna com esse nome existem de verdade. Aproximou-se um pouco mais da gruta, mas não se atreveu a quebrar a paz que reinava no ambiente, batendo descuidadamente na porta. Preferiu, portanto, continuar curtindo. Subiu num pinheiro com um salto acrobático, apanhou uma pinha e começou a comê-la tranquilamente. Depois de um tempo ouviu o rangido de uma porta e, virando a cabeça apressadamente, viu um jovem imortal saindo da caverna. Sua figura era extremamente graciosa e todos os seus traços tinham uma finura típica de príncipes ou grandes senhores. Ele tinha duas fitas de seda amarradas na cabeça e vestia uma túnica tão larga que o bater de suas dobras se confundia com o próprio sopro do vento. Tanto seu corpo quanto seu rosto apareciam circundados por uma estranha luz, uma verdadeira transcrição da inteligência universal, que o tornava alheio ao seu entorno, sem perder completamente sua conexão com ele. Parecia ter a idade do mundo e, ao mesmo tempo, a tímida inexperiência do adolescente. Ele deu a impressão de estar acima de toda dor, impassível à felicidade e ao infortúnio, mas de repente levantou a voz e gritou:

- Posso saber quem está fazendo barulho?


  O Rei dos Macacos saltou do pinheiro e, curvando-se diante dele, respondeu:

  - Sou eu, um humilde buscador da imortalidade, que sinceramente me arrependo de tê-lo incomodado.

  - Você está realmente interessado no Tao? - o jovem perguntou novamente, rindo.

  - Isso mesmo - reconheceu o Rei dos Macacos.

-Você não precisava me responder - , disse o jovem. - Já sabia. Há poucos minutos, meu professor estava se preparando para nos transmitir seus ensinamentos, quando de repente se virou para mim e disse: Existe alguém lá fora que quer penetrar nos segredos do Tao. Saia e receba-o em meu nome e em nome de todos os imortais que vivem aqui". Então presumi que seria você.

 - É verdade - , respondeu o Rei dos Macacos, sorrindo, satisfeito. - Quem mais poderia ser?

  - Nesse caso - concluiu o jovem -, siga-me!

O Rei dos Macacos ajeitou suas roupas da melhor maneira que pôde e entrou na caverna atrás do imortal, que o conduziu por uma complicada rede de corredores e grandes salas, nas quais arcos artísticos de pedra haviam sido esculpidos. Alguns estavam totalmente vazios, enquanto outros exibiam o luxo heterogêneo que só se vê em palácios. O Rei dos Macacos não teve oportunidade de apreciar sua beleza, pois o jovem andava muito rápido e não queria se perder naquele labirinto inextricável. Por fim, depois de muitas voltas e reviravoltas, chegaram a uma esplêndida plataforma de jade verde, na qual estava sentado o venerável Subodhi. Seu comportamento era solene e ao seu redor havia uma pequena coorte de nada menos que trinta imortais de baixo escalão. Nenhum podia, no entanto, se comparar com ele. Bastava olhar para ele para perceber a profundidade de sua inteligência e a desconcertante pureza de sua mente. Sentia-se palpavelmente que ele era um ser sem começo e que nunca terminaria, sempre meditando na verdadeira sabedoria do abandono total (14). Isso dava à sua figura uma aparência pacífica, na qual os opostos coexistiam, criando e destruindo um ao outro ao mesmo tempo. Tudo e nada se uniram em seu venerável corpo de um verdadeiro Buda, que, sem dúvida, tinha a mesma idade do universo. O que importava ter surgido vários milênios depois da época de Dhzu? Mestre Subodhi era o autêntico Grande Sacerdote da Iluminação.

Assim que o Rei dos Macacos o viu, ele imediatamente prostrou-se com o rosto em terra e, golpeando o chão com sua testa, disse:

- Você é, verdadeiramente, o mestre mais sábio que existe. Permita-me, então, contar-me entre o número de seus discípulos.

  - De onde você é? - O venerável ancião imediatamente o interrompeu -. Se você quiser se tornar meu discípulo, primeiro terá que nos dizer seu nome e o país de onde você vem.

- Seu humilde servo - respondeu o Rei dos Macacos com respeito incomum - vem da Caverna da Cortina de Água, que está localizada na Montanha das Flores e Frutos no país de Ao-Lai, no distante continente de Purvavideha. 

- Vá embora daqui imediatamente! - então gritou o venerável ancião -. Você não passa de um impostor e um mentiroso descarado. Não entendo como você pode se interessar pela iluminação de nossa pura doutrina!

- Eu nunca disse uma mentira em toda a minha vida! - protestou o Rei dos Macacos, batendo com a testa no chão com mais energia do que antes -. Acredite em mim! A resposta que acabei de lhe dar é tão autêntica e verdadeira quanto o som da sua própria voz.

- Não misture minha voz com suas mentiras! - berrou, ofendido, o venerável ancião -. Como queres que acreditemos que vens do continente de Purvavideha, se entre ele e o nosso existem dois grandes oceanos, separados pelo imenso continente de Jambudvipa? É praticamente impossível fazer uma viagem tão longa. Você não entende?

- Seu humilde servo respondeu o Rei dos Macacos, sem ousar erguer os olhos do chão - levou mais de dez anos para chegar até aqui. Durante esse tempo, tive que atravessar mares e cruzar regiões infinitas de todos os tipos. 

- Admito que uma viagem tão interminável pode ser feita em etapas - reconheceu o venerável ancião, mais calmo. - Mas para determinar se o que você diz é verdade ou não, gostaria de saber qual é a sua natureza.

-Meu temperamento é muito brandoexplicou o Rei dos Macacosrepentinamente animado. Se alguém me insulta, nem me arrepio, e se me batem na cara, nunca revido. Eu, senhor, sou daqueles que pensa duas vezes antes de fazer as coisas e, assim, consigo controlar meus ataques de raiva a tempo. Posso garantir que toda a minha vida segui este princípio ao pé da letra: "Nunca ceda ao mau humor, porque é a própria fonte da infelicidade."

-Vejo que não lhe falta lábia- reconheceu o venerável ancião. No entanto, quando lhe perguntei sobre sua natureza, não me referia ao seu caráter, mas ao nome de seus pais.

Não tenho pais, grande senhor - respondeu o Rei dos Macacos.

- Quer dizer que você nasceu de uma árvore? perguntou o venerável ancião, zombando.

- Claro que não respondeu o Rei dos Macacos, sem dar atenção ao seu estranho tom de voz .- Devo minha existência a algo tão humilde quanto uma rocha da Montanha das Flores e Frutos. Por milênios fui considerado imortal, mas um dia ela se abriu de repente e eu saí dela. 

Esta resposta pareceu agradar muito ao venerável ancião, que disse:

- Bom. Isso esclarece sua origem. Não se pode dizer que você não é uma criatura de sorte, pois poucos podem se orgulhar de ter o Céu e a Terra como pais. Agora, se não se importa, gostaria de vê-lo caminhar. O Rei Macaco imediatamente se levantou e deu a volta na plataforma de jade algumas vezes. Vendo seu andar manco, o venerável ancião começou a rir e disse:

- Embora os traços do seu rosto sejam atraentes na aparência, deve-se reconhecer que, pelo jeito de andar, você se parece com um macaco que só se alimenta de pinhões. Aliás, isso me dá uma ideia. Como você ainda não tem nome próprio e parece uma fera, vamos chamá-lo de “Hu”. Agora, se retirarmos seu radical e dividirmos em dois os caracteres que o formam, temos as palavras "ku" e "üe", que, como você bem sabe, significam "velha" e "fêmea" respectivamente. Agora, como uma velha é incapaz de conceber, acho melhor você se chamar de “Sun”. Vou explicar mais claramente porque prefiro este nome e não aquele. Se fizermos o mesmo processo que a palavra Hu, descobriremos que ela é formada pelos caracteres "tzu" e "si", que significam "menino" e "bebê". Precisamente dentro da tradição taoísta, a chamada doutrina da infância ocupa um lugar de grande destaque. É por isso que me parece tão apropriado chamá-lo de Sun.

Que bom! - exclamou o Rei dos Macacos, radiante, sem deixar de se curvar diante de seu reverenciado mestre- Finalmente recebi um sobrenome de acordo com minhas características pessoais.  No entanto, gostaria de lhe pedir um novo favor. Dado que chamar alguém por seu sobrenome é muito formal, e você terá que me repreender com alguma frequência, eu também gostaria de ter um nome como todo mundo.

-Deixe-me pensar - disse o venerável ancião, olhando-o nos olhos. -Dei um nome a todos os meus outros discípulos, com base nos doze princípios que compõem minha tradição doutrinária e na posição que ocupam dentro dela. A propósito, você pertence ao décimo.

Que princípios são esses? - perguntou interessado o Rei dos Macacos.

O amplo, o grande, o sábio, o inteligente, o verdadeiro, o adequado, o natural, o aquoso, o agudo, o desperto, o completo e o alerta - respondeu solenemente o venerável ancião -. Você, como acabei de lhe dizer, pertence ao décimo grupo, ou seja, ao "desperto", que se expressa com o caractere "wu". Portanto, o nome que procuro para você é o de Wukong, que significa "desperto para o nada". Lhe parece bom?

- "É realmente esplêndido!"- exclamou mais uma vez o Rei dos Macacos, quase chorando de gratidão. A partir de agora todos me conhecerão como Sun Wukong - e assim seria.

Seu nome não poderia ser, de fato, mais adequado à nova atividade em que agora se lançava. A escritura, de fato, afirma: 

"Quando o mundo começou a existir, não havia nome. Para quebrar, então, a parede indestrutível da não- existência, é preciso acordar para o nada." 

O Rei dos Macacos estava entusiasmado com seu novo nome e consumido pelo desejo de penetrar no mistério do Tao. Mas este é o assunto do próximo capítulo.


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Notas do Capítulo I:

  1. Segundo a mitologia chinesa, Pan Gu foi o primeiro ser humano. Surgido da conjunção do yin e yang, teve a honra de presenciar a formação do universo;
  2. Em outras edições, ao invés desta obra, é citada a Crônica da Libertação durante a Peregrinação ao Ocidente. É provavelmente uma versão reduzida das aventuras de Tripitaka compiladas por Chou Ding-Chen e publicadas em Fujian durante o reinado de Wan-Li;
  3. As denominações dessas épocas correspondem, na realidade, às das doze horas, mencionadas na nota 7 do capítulo V. Com isso, estabelece-se uma certa unidade entre a parte e o todo, muito ao gosto taoísta, uma escola para a qual as divisões são completamente sem sentido;
  4. Também conhecido pelo nome de Shao-Yung, foi um escritor da dinastia Sung, versado no I Ching;
  5. Os Três Reis e os Cinco Imperadores foram os primeiros governantes da China. Envoltos em uma aura de lenda, não há acordo entre os estudiosos sobre sua verdadeira personalidade, já que diferentes combinações de nomes foram propostas ao longo dos séculos;
  6. As Três Ilhas e as Dez Ilhotas são a morada dos imortais;
  7. Devido à tendência de identificar a parte com o todo, as vinte e quatro horas também se referem aos vinte e quatro períodos solares, que são as divisões a que o ano foi submetido a partir da dinastia Han. Especificamente, é "o início da primavera", "água da chuva", "renascimento dos insetos", "zênite primaveril", "brilho e luminosidade", "chuva de grãos", "início do verão", "madurecimento das espinhas", "a espinha dentro a orelha", "o solstício de verão", "o calor leve", "o calor forte", "o início do outono", "o fim do calor", "o orvalho branco", "o zênite do outono", "o orvalho frio", "o aparecimento da geada", "o início do inverno", "a nevasca suave", "a forte nevasca", "o solstício de inverno", "frio leve" e "frio forte". Como se pode observar, essa classificação seguiu um padrão sazonal;
  8. Qianliyan e Shunfeng'er são dois demônios ditos serem os guardas de Mazu, estando constantemente ao seu lado. Antes de se tornarem seus protetores, tanto Qianliyan quanto Shunfenger pediram a mão de Mazu em casamento, e ela concordou, mas apenas sob a condição de que eles a derrotassem em combate. Durante a batalha que se seguiu, Mazu facilmente subjugou os dois demônios com suas habilidades superiores em artes marciais e com a ajuda de um lenço de seda mágico que soprou areia em seus olhos, cegando-os. Em vez de se casar com Mazu, Qianliyan e Shunfenger juraram servir como seus guardiões e nunca deixarem o seu lado
  9. No original fala-se de "esperma amarelo", que é uma planta cujas raízes possuem propriedades curativas, sendo, portanto, muito apreciada em toda a China. Dado o sentido geral das atividades dos macacos aqui descritas, o autor da tradução para o espanhol, onde está tradução se baseia, optou por traduzi-lo simplesmente como "raízes";
  10. Segundo os antigos chineses, os seres vivos são divididos em cinco grupos: os que têm asas, os que têm pelos, os que têm casca dura, os que têm escamas e os que não têm nada. O homem se enquadra precisamente nesta última categoria;
  11. Lechíes são uma fruta de casca coriácea e polpa muito doce, semelhante à da uva, que cresce nas regiões tropicais da China;
  12. Referência ao Imortal Cabo de Machado Podre, que fez sua casa em uma das montanhas de Zhejiang. Segundo a lenda, durante a dinastia Tsin, um lenhador chamado Wang-Chi entrou para cortar madeira. Não demorou muito para ele encontrar dois jovens que jogavam xadrez e que tiveram a gentileza de lhe oferecer uma fruta semelhante a uma semente de tâmara. Acabou sendo tão nutritivo que o lenhador nunca mais sentiu fome enquanto observava atentamente o desenvolvimento do jogo. Quando acabou, um dos jovens exclamou, divertido: "Seu cabo de machado apodreceu!" Surpreso, o lenhador voltou para sua aldeia, descobrindo que mais de cem anos haviam se passado desde sua partida;
  13. O Clássico da Corte Amarela é um dos textos canônicos do taoísmo clássico;
  14. Às vezes era conhecido como "duplo três", pois engloba os três temas centrais da meditação budista: vacuidade, que ajuda a mente a se libertar de todas as ideias; a ausência de forma, que a desconecta de qualquer fenômeno externo; a negação do desejo, que a liberta de possíveis amarras internas. Existe um segundo nível de meditação, no qual cada um dos temas aparece duplicado. Portanto, é atribuído um caráter duplo.

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6 comentários:

  1. Parabéns mano!!!! Simplesmente incrível, isso que é esforço e dedicação a um projeto. Parabéns mesmo você é um guerreiro por trazer esse conto. Tudo de bom e boa sorte.

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  2. Excelente trabalho. Pena que tive um acidente a pouco tempo que me deixou como sequela uma grande vertigem que me dificulta muito quando me concentro na leitura de grandes textos.
    A propósito, o seu trabalho em postar o leitor dos textos publicados foi abortado. Para mim, neste tipo de texto, seria de grande ajuda.
    Abraços.

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    1. Na verdade dei uma pausa por motivos técnicos, irá retornar o mais breve possível. Só não sei se vou conseguir fazê-lo nesses posts da Jornada ao Oeste nessa primeira etapa, talvez futuramente.

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  3. Parabéns continue assim, faz um tempo que acompanho i blog e gosto muito das histórias.

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