۞ ADM Sleipnir

Arte de Moyi Zhang
CAPÍTULO XLIX:
VÍTIMA DO INFORTÚNIO, SANZANG FOI PARAR EM UM PALÁCIO SUBMERSO. PARA RESGATÁ-LO, GUANYIN LANÇA MÃO DE UMA REDE DE PESCA.




Ao chegarem à beira das águas, o Peregrino voltou-se para Bajie e o Monge Sha e disse:
— Decidam entre vocês dois quem entra primeiro.
— Devia ser você — respondeu Bajie —, já que seus poderes são muito maiores que os nossos.
— Se fosse um monstro da montanha — retrucou o Peregrino —, podem ter certeza de que eu não precisaria da ajuda de ninguém. Bastaria minha força para derrotá-lo. Mas debaixo d’água é diferente. Para entrar no oceano ou caminhar por um rio, preciso manter constantemente o selo que repele as águas ou me transformar em um peixe, ou qualquer outra criatura aquática. Em qualquer um desses casos, não consigo manejar o meu bastão de ferro com eficiência, nem lutar como de costume. Por isso, peço que um de vocês vá na frente.
— De acordo — concordou o Monge Sha —, mas não sabemos o que nos espera lá embaixo. Acho melhor entrarmos todos juntos. Você pode se transformar no que quiser, e eu abrirei caminho. Assim, não será difícil chegar até a toca do monstro. Se o mestre estiver ileso, podemos iniciar o ataque imediatamente. Mas, se descobrirmos que isso não foi obra da criatura ou que o mestre já não está mais entre nós, seja por afogamento ou devorado por essas feras, o melhor a fazer será desistir e cada um seguir seu próprio caminho.
— Faz sentido — reconheceu o Peregrino. — Esse é o plano mais sensato. Quem de vocês vai me carregar?
Bajie, satisfeito, pensou consigo mesmo:
— Esse macaco já zombou de mim incontáveis vezes. Agora que ele não pode lutar direito debaixo d’água, vou aproveitar para me divertir um pouco às custas dele. Assim ele aprende a não abusar da sorte.
Ele então levantou a voz e disse:
— Eu carrego você.
— De acordo — respondeu o Peregrino, percebendo suas intenções. — Não é à toa que seus braços parecem muito mais fortes que os de Wujing.
O Peregrino então subiu suas costas, enquanto o Monge Sha abriu caminho pelas águas. Assim, os três seguiram em direção ao Rio que Alcança o Céu.
Depois de percorrerem mais de cem quilômetros, Bajie decidiu pregar uma peça no Peregrino. No entanto, este arrancou um fio de cabelo e o transformou numa cópia exata de si mesmo. Ao mesmo tempo, agitou o corpo e se transformou em um piolho, escondendo-se dentro da orelha de Bajie.
Pouco tempo depois, Bajie fingiu tropeçar e arremessou o falso Peregrino por cima da própria cabeça. Como não passava de um único fio de cabelo, a corrente o arrastou em questão de segundos.
— Como pôde fazer isso? — repreendeu-o o Monge Sha. — Deveria ter sido mais cuidadoso! Quem sabe onde nosso irmão foi parar? Teria sido melhor se fosse você quem caísse na lama.
— Não entendo como esse macaco pode ser tão fraco — desculpou-se Bajie. — Um tropeço insignificante desses e ele saiu voando como uma flecha. Mas, enfim, que diferença faz se está vivo ou morto? Nossa prioridade é encontrar o mestre o quanto antes.
— Não concordo — rebateu o Monge Sha. — Ele é nosso irmão, e não podemos simplesmente abandoná-lo à própria sorte, ainda mais sabendo que não se defende tão bem na água quanto nós. Eu me recuso a seguir em frente até que o encontremos.
— Não se preocupe, Wujing! — gritou o Peregrino de dentro da orelha de Bajie, sem conseguir segurar o riso. — Estou aqui!
— Esse idiota é um inútil! — exclamou o Monge Sha, caindo na gargalhada. — Não sei como ele teve a ousadia de tentar enganá-lo. Mas o verdadeiro enganado agora é ele! Mesmo ouvindo-o perfeitamente, não faz ideia de onde você está. Quero ver o que ele vai fazer agora!
Bajie ficou tão apavorado que caiu de joelhos na lama e começou a gritar, tremendo da cabeça aos pés:
— Foi culpa minha, eu reconheço! Se quiser me castigar, espere até que libertemos o mestre e voltemos para a costa. Então, pedirei desculpas como quiser. Mas por que tanto barulho? Não vê que estou morrendo de medo? Por favor, revele sua forma original. Eu prometo que irei carregá-lo e nunca mais ousarei ofendê-lo.
—Está bem. Não irei mais enganá-lo — respondeu o Peregrino. — Você ainda está me carregando! Agora vamos em frente, depressa!
Ainda murmurando, Bajie seguiu os passos do Monge Sha. Caminharam mais cem quilômetros até se depararem com um edifício imponente, onde se podia ler, em enormes caracteres:
"Palácio da Tartaruga Marinha".
— Esse deve ser o covil do monstro — disse o Monge Sha. — Por que não vamos até a porta e desafiamos essa criatura?
— Há água ao redor da torre? — perguntou o Peregrino.
— Não — respondeu o Monge Sha.
— Nesse caso — concluiu o Peregrino —, escondam-se dos dois lados da entrada enquanto eu dou uma olhada.
Com incrível destreza, o Peregrino deixou a orelha de Bajie e, sacudindo o corpo mais uma vez, transformou-se em um camarão de patas longas. Em seguida, deu dois ou três saltos e entrou furtivamente pela porta.
O único detalhe que chamou sua atenção foi um camarão fêmea de barriga enorme, que parecia vigiar a entrada de um corredor que se estendia para o oeste. Saltando até ela, o Peregrino a cumprimentou, dizendo:
— Irmã, o Grande Rei está debatendo com os outros sobre a melhor maneira de comer esse tal monge Tang. Mas onde é que ele está?
— O próprio Grande Rei o capturou ontem, após provocar uma nevasca intensa e cobrir tudo de gelo — respondeu ela. — Agora ele está trancado em uma enorme caixa de pedra nos fundos do palácio. Se os discípulos dele não aparecerem até amanhã, iremos devorá-lo em um banquete esplêndido, com direito até a música!
O Peregrino continuou conversando com o camarão por um bom tempo e, em seguida, se dirigiu à parte do palácio indicada pelo mesmo. Não demorou a encontrar a caixa de pedra. Parecia uma pocilga ou uma espécie de túmulo. À primeira vista, calculou que tinha cerca de três metros de comprimento. Tão logo subiu em cima dela, o Peregrinou ouviu os soluços de Sanzang, que não parava de lamentar sua sorte.
O Peregrino aguçou os ouvidos e escutou o mestre se queixando:
— Não se abata, mestre. O Livro dos Desastres Aquáticos diz: "Enquanto a terra é a mãe das Cinco Fases, a água é, na verdade, sua origem: sem a terra, não há nascimento, mas sem a água, nada pode crescer." Não se preocupe, estou aqui para ajudá-lo.
— Meu discípulo! Por favor, me salve! — suplicou Sanzang.
— Mantenha a calma — aconselhou o Peregrino. — Antes de libertá-lo, preciso acabar com esse monstro.
— Por favor, apresse-se! — insistiu Sanzang. — Se eu passar mais um dia aqui, acho que morrerei sufocado.
— Garanto que isso não acontecerá — tranquilizou-o o Peregrino. — Agora, preciso ir.
O Peregrino então se virou e saltou para fora pelos portões principais. Assim que recuperou sua forma habitual, gritou:
— Bajie!
— Descobriu alguma coisa? — perguntaram Bajie e o Monge Sha, aproximando-se.
— O monstro capturou o mestre — respondeu o Peregrino. — Ele ainda não sofreu nenhum dano, mas está preso dentro de uma caixa de pedra. Acho que vocês deveriam desafiá-lo enquanto eu volto à superfície. Se conseguirem derrotá-lo, façam isso sem hesitar. Mas, se não forem páreo para ele, finjam que estão exaustos e o atraiam para fora da água. Eu cuidarei do resto.
Após fazer com os dedos o sinal para repelir a água, o Peregrino disparou para fora do rio e ficou de pé junto à margem, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Enquanto isso, Bajie assumiu uma postura ameaçadora e, aproximando-se da entrada, bradou com voz potente:
— Liberte meu mestre imediatamente, criatura maldita!
Os pequenos demônios que faziam a guarda correram para dentro, apressando-se em informar seu senhor:
— Há alguém lá fora exigindo a libertação de seu mestre.
— Devem ser os monges que me atacaram — comentou o monstro. — Tragam minha armadura.
Os demônios obedeceram rapidamente. Assim que terminou de se equipar, o monstro pegou sua arma e saiu até a entrada, onde encontrou Bajie e o Monge Sha, que o observavam atentamente, estudando cada um de seus movimentos. Sua aparência era de fato, impressionante. O elmo que protegia sua cabeça era feito de ouro puro e irradiava uma luz peculiar, realçando ainda mais a sua couraça, também dourada. Em contraste, sua cintura era envolta por um cinto precioso, adornado com pérolas e jade, que destoava completamente das rústicas botas de couro marrom que calçava. Seu nariz era tão aquilino que lembrava uma montanha, sua testa larga evocava a de um dragão e seus olhos, redondos e ferozes, pareciam crateras de um vulcão. Os dentes afiados reluziam como lâminas de aço, enquanto os cabelos curtos e desgrenhados lembravam as formas imprevisíveis de uma chama. A barba, longa e pontiaguda, tinha a aspereza de uma lima. Entre os lábios, carregava uma espécie de alga filamentosa, frágil e esverdeada, cujo tom contrastava brutalmente com o pesado maço de bronze avermelhado que segurava nas mãos. Assim que os portões se abriram com um rangido arrepiante, o monstro soltou um grito que reverberou como o trovão de uma tempestade primaveril. Seus traços deixavam claro que não se tratava de um ser humano. Não à toa, era conhecido como o Grande Rei do Poder Numinoso.
Ao sair do palácio, o monstro fez um gesto com a mão, e mais de cem demônios surgiram, formando uma linha impecável, todos armados com espadas e lanças.
— De que monastério você saiu, e por que veio até aqui causando todo esse alvoroço? — perguntou o monstro.
— Maldita criatura! — exclamou Bajie. — Há apenas dois dias, por pouco não encontrou a morte em nossas mãos, e agora finge ter esquecido quem somos? Somos discípulos do santo monge da Grande Nação Tang, nas Terras do Leste, e estamos a caminho do Paraíso Ocidental para prestar nossas homenagens a Buda e obter as escrituras sagradas. Nossos propósitos são infinitamente mais nobres que os seus. Você se autointitula Grande Rei do Poder Numinoso, mas não passa de um impostor, usando magias insignificantes para devorar sem piedade os filhos inocentes do povo de Chen. Será que é tão difícil me reconhecer? Já se esqueceu tão rápido da pequena Bacia de Ouro, da família de Chen Ching?
— Não é muito respeitoso da sua parte — replicou o monstro. — Deveria levá-lo aos tribunais por se passar por uma jovem tão delicada quanto Bacia de Ouro. Não sabe que é um crime execrável usurpar a identidade de outra pessoa? Por sua culpa, não só fui impedido de saciar minha fome, como ainda saí com um ferimento na mão! Como ousa aparecer à minha porta depois de já ter me derrotado uma vez?
— Se realmente tivesse se rendido — retrucou Bajie —, não teria provocado uma nevasca tão intensa, nem aprisionado meu mestre no gelo. Se deseja que as coisas continuem como estão, liberte-o imediatamente. Caso contrário, terá de sentir novamente o gosto do meu ancinho!
— Ora, ora! Parece que, com palavras, é um guerreiro excepcional! — zombou o monstro, esboçando um sorriso sarcástico. — Admito que fui eu quem provocou a nevasca e capturou seu mestre. Compreendo que tenha vindo exigir sua libertação, mas devo adverti-lo de que as circunstâncias mudaram um pouco desde a última vez que nos encontramos. Da última vez, eu estava desarmado, pois ia apenas a um banquete, o que lhe deu certa vantagem. Espero que não fuja agora e consiga me enfrentar por pelo menos três rodadas. Se conseguir, prometo libertar seu mestre imediatamente. Caso contrário, também terminará servindo de banquete para mim!
— Mas que maneira mais pretensiosa de falar! — rebateu Bajie no mesmo tom. — Você é quem deveria temer o golpe do meu ancinho!
— Pelo seu jeito ingênuo de falar, é evidente que se tornou monge já na metade da vida — comentou o monstro.
— Você realmente tem uma certa percepção milagrosa, meu garoto — respondeu Bajie. — Se não, como sabia disso?
— Apenas presumi que, se você luta com um ancinho, é porque deve ter sido um trabalhador contratado em uma horta, e então o roubou de seu mestre — disse o monstro.
— Que ignorância! — exclamou novamente Bajie. — Não percebe que este ancinho não é uma simples ferramenta de trabalho? Seus dentes são feitos de garras de dragão, e seu cabo, que lembra uma serpente, foi moldado em ouro branco. Sua verdadeira força se revela em batalha, pois ele é capaz de levantar ventos gelados e gerar chamas incontroláveis. São incontáveis os monstros que já foram destruídos por ele, protegendo o monge Tang ao longo da jornada para o Oeste. Quando brandido, ele libera uma névoa densa que obscurece o sol e a lua, ao mesmo tempo em que emite luzes vibrantes de cores intensas. Diante dele, o Monte Tai e os mil tigres que o habitam tremem. Os incontáveis dragões dos mares se encolhem ao sentir sua presença. Talvez tenha um grande poder, mas isso não impedirá que este ancinho abra nove buracos horríveis em seu corpo, drenando sua vida até a última gota!
O monstro, claro, não acreditou em uma única palavra. Pensando se tratar apenas de bravatas, ergueu seu pesado maço de bronze e o lançou com toda a força contra a cabeça de Bajie, que por sorte, desviou o golpe com o seu ancinho. Furioso, Bajie bradou:
— Maldita criatura! Está claro que você também virou um espírito só depois de desperdiçar metade de sua vida!
— Quem lhe disse isso? — perguntou o monstro, surpreso.
— Presumi que pela maneira desajeitada como balança esse maço de bronze — respondeu Bajie —, você deve ter sido ajudante de ferreiro ou algo parecido.
— Esse maço — explicou o monstro — não é uma ferramenta qualquer. Ele possui nove partes idênticas, que se assemelham as pétalas de uma flor. Embora seja oco, seu cabo permanece eternamente firme e vigoroso. No mundo mortal, não há nada semelhante a ele, pois sua origem remonta ao reino dos próprios deuses. No lago de jaspe, ele adquiriu sua resistência, e no de jade, absorveu o aroma imortal que o caracteriza. Eu mesmo, após anos de prática e cultivo da virtude, o temperei, conferindo-lhe poderes mágicos que o tornam tão sólido e resistente quanto o aço. Nenhuma lâmina, lança ou machado pode sequer arranhá-lo. Por mais afiado que seja seu ancinho, meu maço o esmagará com a mesma facilidade com que se martela um simples prego.
Cansado dessa troca de insultos, o Monge Sha interveio, colocando-se entre os dois combatentes e bradando com firmeza inesperada:
— Chega de se gabar, monstro! Os sábios sempre disseram: "Palavras não provam nada; apenas ações têm valor". Se tem tanta confiança, não fuja e enfrente meu cajado!
— Ora, ora! — exclamou novamente o monstro, detendo o golpe com seu maço. — Mais um que decidiu virar monge depois de já ter vivido metade da vida.
— Como sabe disso? — retrucou o Monge Sha.
— Pelo jeito como se move — respondeu o monstro —, qualquer um diria que passou a vida inteira trabalhando como um moleiro.
— De onde tirou essa ideia absurda? — insistiu o Monge Sha.
— Se você não trabalhou como moleiro — disse o monstro —, como aprenderia a usar um rolo de massa, como aqueles que fazem macarrão?
— Maldita criatura! — exclamou o Monge Sha, irritado. — Não sabe do que está falando! Esta arma é única no mundo. Dada a sua ignorância, não me espanta que a confunda com qualquer coisa. Ela tem sua origem na parte sombria da lua. Além disso, foi talhada a partir da madeira de uma árvore Sala. Seu exterior é adornado com jóias luminosas, enquanto seu interior é feito de ouro puro. No passado, ela figurou em incontáveis banquetes imperiais. Agora, está a serviço do monge Tang, como todos que percorrem o caminho rumo ao Oeste sabem. Nas Regiões Superiores, é reconhecida por sua merecida fama e chamada de Cajado Aniquilador de Monstros. Com um único golpe, ela é capaz de partir seu crânio ao meio!
O monstro não quis ouvir mais nada e se lançou contra os dois monges. A batalha que se desenrolou no fundo do rio foi uma das mais ferozes já testemunhadas. O ancinho, o maço de bronze e o cajado não paravam de desferir golpes para todos os lados. Wuneng e Wujing lançaram um ataque combinado contra o monstro, que acabou por tirá-lo do sério. A habilidade que demonstraram não ficou aquém de seu passado, como Marechal dos Juncos Celestes e general dos exércitos celestiais respectivamente. No entanto, o monstro os enfrentava com habilidade e coragem incomparáveis. Com razão, o Tao possui formas de perfeição tão elevadas quanto o budismo. A terra domina a água, tornando visíveis os leitos dos rios quando o solo seca. Da água nasce a madeira, que, mais cedo ou mais tarde, floresce. O Zen e o Tao conduzem ao mesmo estado, e o elixir pode reunir em si os três credos. A terra é a mãe de onde tudo brota. Mergulhado na água sagrada, o velho sempre renasce. A madeira encontra nela sua origem, tornando-se depois o berço onde cresce o fogo luminoso. As Cinco Fases são, ao mesmo tempo, idênticas e distintas, parecendo se anular mutuamente. A diferença entre suas naturezas não passa de uma ilusão. Por isso, o maço de bronze, o cajado e o ancinho não conseguiam se sobrepor, fazendo com que os golpes se multiplicassem ao infinito. Aqueles que empunhavam armas tão poderosas sabiam que estavam arriscando suas vidas por um monge, flertando com a morte em nome de Sakyamuni (1). O maço de bronze era o que mais se movia, tentando conter o cajado à esquerda e o ancinho à direita, em um confronto que parecia não ter fim.
Por mais de duas horas, a batalha se desenrolou sob as águas, sem que houvesse um vencedor claro. Percebendo que seus esforços eram inúteis, Bajie fez um sinal para o Monge Sha, e os dois fingiram estar exaustos. Sem hesitar, viraram-se e fugiram, arrastando suas armas.
— Fiquem aqui! — ordenou o monstro aos seus servos. — Irei atrás deles e os trarei de volta para que vocês possam comê-los.
Como um vendaval que arranca folhas secas e varre as flores murchas, o monstro disparou em perseguição, subindo em direção à superfície. Na margem oriental do rio, o Grande Sábio observava atentamente as águas, sem piscar sequer uma vez. De repente, ondas enormes surgiram no rio, acompanhadas de gritos e rugidos. Bajie foi o primeiro a surgir, berrando e aflito:
— Ele está vindo! Ele está vindo!
O Monge Sha surgiu logo atrás, repetindo, igualmente agitado:
— Ele já está aqui!
O monstro, que vinha logo atrás deles, bradou:
— Para onde pensam que vão?
Mas, assim que emergiu, deu de cara com o Peregrino, que o encarou e disparou:
— Prove o peso do meu bastão, criatura imunda!
O monstro se esquivou com uma agilidade surpreendente, bloqueando o golpe com destreza usando seu maço de bronze. Enquanto um agitava ondas gigantescas, o outro demonstrava sua maestria na luta, firme na margem. Após três rodadas de combate, as forças do monstro começaram a fraquejar, e ele mergulhou de volta, desaparecendo em meio ao turbilhão de ondas revoltas.
O Peregrino então se voltou para seus companheiros e disse:
— Obrigado irmãos! Vocês lutaram muito bem contra essa besta.
— Esse monstro pode não ser tão habilidoso em terra — comentou o Monge Sha —, mas é bastante formidável debaixo d’água. Bajie e eu o atacamos de todos os lados, e mesmo assim mal conseguimos igualar sua força. E agora, o que faremos para libertar o mestre?
— É melhor não perdermos tempo — disse o Peregrino —, pois temo que ele possa machucar o Mestre.
— Vamos tentar atraí-lo para fora de novo — disse Bajie ao Peregrino. — Enquanto isso, fique quieto e espere por ele no ar. Assim que ele emergir, acerte-o no crânio com um dos seus golpes esmagadores. Mesmo que não o mate, irá deixá-lo atordoado, e assim eu poderei acabar com ele com um golpe do meu ancinho.
— Excelente plano! — concordou o Peregrino. — Isso é o que eu chamo de um ataque coordenado. Creio que somente assim conseguiremos pegá-lo.
Assim, os dois mergulharam na água novamente, e por enquanto não falaremos mais deles. Voltemos a falar do monstro, que assim que chegou à sua morada, foi recebido com entusiasmo por diversos demônios menores. No entanto, a perca foi a única que teve coragem de lhe perguntar:
— Grande Rei, até onde perseguiu aqueles dois monges?
— Havia outro deles escondido na margem, e tentou me acertar com um enorme bastão de ferro — explicou o monstro. — Felizmente, consegui desviar do golpe e entrei em combate direto com ele. Só os céus sabem o peso daquela arma! Meu maço de bronze não tinha efeito contra ela. Mesmo resistindo a três investidas, no final, precisei admitir a derrota e fugir o mais rápido possível.
— Consegue lembrar como era esse terceiro monge? — perguntou a perca.
— Sim — respondeu o monstro. — Seu rosto era completamente coberto de pelos, sua voz lembrava o estrondo de um trovão e ele tinha orelhas pontudas. Além disso, era extremamente irritante e seus olhos pareciam emitir fogo, especialmente as pupilas, que brilhavam como se fossem feitas de diamante.
— Fez bem em escapar — comentou a perca. — Se tivesse resistido a mais três golpes, certamente estaria morto. Com base na sua descrição, acho que sei quem é esse monge.
— E quem é ele? — perguntou o monstro, interessado.
— Há algum tempo, quando vivia no Oceano Oriental, ouvi o Rei Dragão falar sobre sua fama — explicou a carpa. — Esse monge nada mais é do que o Grande Sábio, Sósia do Céu, o Belo Rei dos Macacos, um imortal da Grande Mônada, cuja origem remonta ao caos primordial de onde tudo surgiu. Há cerca de quinhentos anos, ele mergulhou o céu no caos, ameaçando a própria existência do Palácio Celestial. No entanto, recentemente abraçou o budismo e se comprometeu a acompanhar o monge Tang até o Paraíso Ocidental para obter as escrituras sagradas. Por isso, agora se chama Peregrino Sun Wukong. Ele possui poderes mágicos extraordinários e domina inúmeras transformações. Posso garantir que não teria resistido a mais um único golpe. O melhor que pode fazer é desistir de enfrentá-lo novamente.
Antes que ela tivesse terminado de falar, um demônio entrou apressado, e com a voz aflita, informou:
— Grande Rei! Aqueles dois monges estão de volta! Estão chamando você de covarde e o desafiam para um novo combate.
— Irmã, você é realmente muito sábia — disse o monstro à perca. — Seguirei seu conselho, e não irei aceitar o desafio deles. Vejamos o que eles são capazes de fazer!
Virando-se para seus subordinados, o monstro ordenou:
— Fechem os portões. Como diz o velho ditado: "Por mais que gritem, nada conseguirão, pois não vou abrir." Não me importa se esperarem dois ou três dias. Quando se cansarem, irão embora. Então, poderemos aproveitar à vontade a carne do monge Tang.
Sem perder tempo, os demônios selaram o acesso ao palácio com pedras e barro. Bajie e o Monge Sha intensificaram os insultos, mas não obtiveram qualquer resposta. Preocupado, Bajie golpeou as portas do palácio com seu ancinho, reduzindo-as a pedaços. No entanto, atrás delas, erguia-se um altíssimo e sólido muro feito de pedras e barro.
— Está claro que esse monstro está morrendo de medo — comentou o Monge Sha. — Por isso, se trancou em seu palácio e se recusa a sair. Acho que deveríamos discutir com o Peregrino o nosso próximo passo.
Bajie aceitou a sugestão e ambos correram de volta para a margem oriental. O Peregrino aguardava impacientemente a aparição do monstro, suspenso a meia altura e escondido entre a névoa. Ao ver os dois emergirem sem o demônio, o Peregrino baixou sua nuvem e os encontrou na margem, perguntando:
— Por que o monstro não os seguiu desta vez?
— Ele trancou as portas de seu palácio e se recusa a sair para nos enfrentar — respondeu o Monge Sha. — Bajie derrubou as portas do palácio mas não adiantou nada. Atrás delas havia um muro sólido feito de pedras e barro, que impedia qualquer um de entrar. Por isso, como não pudemos enfrentá-lo novamente, decidimos voltar para discutir com você qual caminho devemos seguir para libertar o mestre o mais rápido possível.
— Se ele agiu como me contaram — respondeu o Peregrino — vejo que será bem difícil derrotá-lo. Fiquem aqui e certifiquem-se de que ele não fuja. Acredito que chegou o momento de fazer uma pequena viagem.
— Podemos saber para onde você vai? — perguntou Bajie.
— Estou indo até a Montanha Potalaka, pedir ajuda à Bodhisattva — respondeu o Peregrino. — Preciso descobrir o nome e a origem do monstro. Quando encontrar sua terra natal e capturar seus parentes e vizinhos, voltarei para resgatar o mestre.
— Mas fazer tudo isso vai dar muito trabalho e levará muito tempo! — exclamou Bajie, soltando uma gargalhada.
— Garanto que não vai levar muito tempo nem me dá trabalho algum — replicou o Peregrino. — Voltarei mais rápido do que imagina.
Tão logo o Peregrino terminou de falar, ele montou em uma nuvem e, deixando a margem do rio, dirigiu-se rapidamente para os Mares do Sul.
Em menos de uma hora, avistou a Montanha Potalaka, e então voou direto para o seu topo e pousou sua nuvem. Ao vê-lo pousar, os Vinte e Quatro Devas, o Grande Guardião da Montanha, o Príncipe Muzha, Sudhana, o Menino, e a Donzela Dragão, que transporta a pérola, vieram para lhe dar as boas-vindas.
— Grande Sábio Sun, o que o traz até aqui? — perguntaram com extrema cortesia.
— Tenho um assunto a tratar com a Bodhisattva— respondeu o Peregrino.
— A Bodhisattva deixou sua caverna nesta manhã e se dirigiu diretamente ao bosque de bambus — disseram os devas. — Ela não permitiu que ninguém a acompanhasse, mas, como sabia que você viria hoje, nos deu ordens para esperar aqui e recebê-lo. Como não será possível vê-la imediatamente, pedimos que aguarde sentado sob o Penhasco Turquesa até que ela decida recebê-lo.
O Peregrino obedeceu de imediato, mas, antes que tivesse se sentado, Sudhana aproximou-se dele e disse:
— Grande Sábio Sun! Devo agradecê-lo por tudo o que fez por mim. Graças à sua bondade anterior, a Bodhisattva dignou-se a me acolher. Nunca me afasto dela e estou sempre ao pé de seu trono de lótus. Ela tem sido muito generosa comigo.
O Peregrino reconheceu imediatamente o Menino Vermelho e, soltando uma risada, respondeu:
— Naquela época você estava tão confuso pelo mal que só agora, convertido, conseguiu perceber que eu sou uma pessoa justa e boa.
Após esperar pela Bodhisattva por um bom tempo, o Peregrino começou a ficar impaciente e, voltando-se para os devas, disse:
— Por favor, poderiam informar que estou aqui? O tempo está passando, e estou preocupado que meu mestre possa ser morto a qualquer momento.
— Não podemos fazer isso — desculparam-se os devas. — A Bodhisattva insistiu que a esperasse aqui.
O Peregrino, tomado por seu temperamento impulsivo, já não conseguia mais se conter. Sem hesitar, adentrou o bosque de bambus, enquanto os devas, impotentes, nada puderam fazer para detê-lo. Com passos largos e firmes, avançou pela mata, arregalando os olhos e vasculhando os arredores com olhar atento. Logo, avistou a Bodhisattva sentada de pernas cruzadas sobre um leito de folhas de bambu. Ela parecia tranquila, alheia a qualquer preocupação. Sem maquiagem, exibia uma serenidade natural e cativante. Seus cabelos soltos deslizavam suavemente pelas costas, livres de qualquer adorno. Em vez da habitual túnica azul, vestia um colete delicado que combinava com sua saia de seda. A faixa de cetim, que costumava usar à cintura, estava desatada. Descalça, com os braços à mostra, segurava uma faca de jade, que usava para descascar habilmente a pele de um bambu.
Quando o Peregrino a viu, não conseguiu conter-se e exclamou:
— Bodhisattva, seu discípulo Sun Wukong presta suas respeitosas homenagens.
— Espere lá fora — disse a Bodhisattva.
— Bodhisattva — respondeu o Peregrino —, meu mestre está em apuros, e e precisei vir pedir a vossa ajuda para livrá-lo das garras do monstro do Rio que Alcança o Céu.
— Eu já disse para sair do bosque! Espere-me lá fora — repetiu a Bodhisattva.
Sem ousar contrariá-la, o Peregrino abandonou imediatamente o bosque e, dirigindo-se até onde estavam os devas, disse-lhes:
— A Bodhisattva parece estar completamente ocupada hoje com seus assuntos domésticos. Por que ela está cortando tiras de bambu no bosque, sem estar adequadamente vestida, em vez de estar sentada em seu trono de lótus?
— Não sabemos — responderam os devas. — Quando ela saiu da caverna esta manhã, foi direto para o bosque sem sequer se vestir adequadamente, e apenas nos ordenou que o recebêssemos. É provável que esse comportamento dela esteja relacionado a sua visita, Grande Sábio.
O Peregrino não teve outra opção a não ser esperar. Após um tempo, a Bodhisattva emergiu do bosque segurando um cesto de bambu roxo.
— Wukong — disse ela —, irei com você para resgatar o Monge Tang.
— Nosso irmão mais velho é tão impulsivo! Imagino que barulho ele deve ter feito nos Mares do Sul para forçar a Bodhisattva a vir até aqui toda desarrumada e sem maquiagem.
"Os mortos se vão, enquanto os vivos permanecem."
Ela repetiu o feitiço sete vezes e então ergueu o cesto novamente. Dentro dele, havia um pequeno peixe dourado, que se contorcia desesperado.
A Bodhisattva então se voltou para Wukong e ordenou:
— Salte imediatamente na água e liberte seu mestre.
— Como vou libertá-lo, se ainda não capturamos o monstro? — replicou o Peregrino.
— Como não? — respondeu a Bodhisattva. — Não o vê dentro desse cesto?
— Como um peixe tão pequeno pôde ser tão poderoso? — ousaram perguntar Bajie e o Monge Sha.
— Este é um dos peixes do meu lago de lótus— explicou a Bodhisattva. — Todos os dias, ele subia até a superfície e ouvia atentamente meus ensinamentos. Isso explica sua força, pois seu nível de perfeição é, de fato, muito elevado. Seu maço de bronze é na verdade apenas um botão de lótus e seu caule, transformados em uma arma poderosíssima por meio de magia. Não sei exatamente quando a maré alta o arrastou até aqui, mas quando olhei para o lago esta, percebi que ele havia sumido. Após fazer alguns cálculos e consultar as linhas da minha mão, soube que ele havia se transformado em um monstro, que estava tentando devorar o vosso mestre. Foi por isso que nem me preocupei em colocar minhas joias ou me vestir como de costume. Não tinha havia tempo a perder, então apressei-me em tecer esta cesta e vir capturá-lo.
— Nesse caso — disse o Peregrino —, poderia ficar aqui um pouco mais? Se não se importa, gostaria de convocar todos os crentes do vilarejo de Chen, para que possam contemplar seu rosto dourado. Será um gesto de consideração, tendo em vista os muitos sacrifícios que fizeram por causa de seu peixe. Além disso, não tenho dúvidas que isso ajudará esses humanos mortais a se tornarem seus devotos adoradores.
— Tudo bem — assentiu a Bodhisattva. — Vá e reúna-os rapidamente.
Sem perder tempo, Bajie e o Monge Sha correram até o vilarejo, gritando:
— Venham todos ver a Bodhisattva Guanyin!
Os habitantes do vilarejo, sem qualquer distinção de idade ou posição social, correram para a margem do rio. Assim que avistaram a Bodhisattva, todos se ajoelharam e começaram a bater a testa no chão em sinal de reverência. Entre eles, haviam alguns artistas talentosos que rapidamente fizeram um retrato da deusa, o que explica por que, em certas representações, Guanyin aparece segurando uma cesta de pesca. Concluída a epifania, a Bodhisattva retornou rapidamente aos Mares do Sul.
Bajie e o Monge Sha então abriram um caminho pelas águas e seguiram direto para o Palácio da Tartaruga Marinha para libertar seu mestre. Todos os monstros e demônios que estavam lá dentro foram aniquilados. Com passos rápidos, eles chegaram à parte de trás do palácio de água e abriram a caixa de pedra.
Sem perder tempo, carregaram o monge Tang nas costas e o levaram até a margem. Ao vê-los, Chen Qing e seu irmão se ajoelharam, colocando o rosto em terra, e disseram humildemente:
— Deveriam ter dado ouvidos aos nossos conselhos. Se o tivessem feito, não teriam passado por esta terrível provação.
— Para que continuar insistindo nisso? — retrucou o Peregrino. — O que importa é que, no próximo ano, não precisarão mais oferecer sacrifícios para aquela besta, pois o Grande Rei foi capturado e não matará mais ninguém. Agora, senhor Chen, dependemos de você para conseguir uma embarcação que nos ajude a atravessar o rio.
— Podem contar com isso! — disse Chen Qing, e imediatamente ordenou a construção de um barco, tarefa essa na qual todos os habitantes do vilarejo colaboraram.
O entusiasmo era tanto que, enquanto alguns cuidavam da aquisição do mastro, outros se encarregavam de confeccionar os remos e trançar as cordas. Houve até quem se comprometeu a servir como marinheiros na travessia. O alvoroço que causavam era ensurdecedor. No auge da agitação, uma voz estrondosa ecoou do fundo do rio, dizendo:
Mas o Peregrino, empunhando seu bastão de ferro, exclamou em tom ameaçador:
— Vá embora daqui, besta maldita! Se der mais um passo, eu a destruirei com um único golpe!
— O que fiz eu para merecer tanta gratidão? — respondeu o Peregrino.
— Ao que parece — respondeu a tartaruga —, não percebem que o Palácio da Tartaruga Marinha me pertence. Por gerações, ela foi o centro da minha família, sendo passada de pais para filhos sem interrupção. Foi nela que adquiri consciência de minhas origens, consegui me alimentar da minha própria respiração e alcançar um considerável grau de perfeição. A partir desse ponto, o palácio começou a ser conhecido como o Palácio da Tartaruga Marinha. No entanto, há cerca de nove anos, aquele monstro apareceu aqui, aproveitando-se da força das marés, e desencadeou toda sua violência contra mim. Ele matou quase todos os meus filhos e, com incrível ousadia, tomou a maioria dos meus servidores. Devo admitir que minha força era inferior à dele e ele me expulsou dos meus próprios domínios. Compreendem agora por que estou em dívida com vocês? Ao tentarem libertar o seu mestre, conseguiram que a Bodhisattva Guanyin dispersasse todas aquelas bestas, fazendo com que o palácio fosse devolvido a mim. Chegou, enfim, o momento de me reunir com os meus em um lugar que sempre foi nosso. Acabaram-se os dias em que eu tinha que dormir na terra e descansar no barro! O favor que recebi de vocês é tão grande quanto as montanhas e tão profundo quanto o oceano. No entanto, não sou apenas eu quem está em dívida. Todo o vilarejo se beneficiou da coragem de vocês, que puseram fim àquela abominável tradição de de sacrifícios anuais. Quantas crianças poderão continuar a viver graças ao que acabaram de fazer! Isso é o que se chama matar dois pássaros com uma pedra. Compreendem agora o motivo da minha gratidão e do meu desejo de servi-los?
— É verdade tudo isso que acabou de nos contar? — perguntou o Peregrino, colocando o bastão de ferro de lado.
— Como ousaria mentir após tudo o que fizeram por todos nós? — respondeu a tartaruga.
— Você jura pelos céus que tudo o que disse é verdade? — insistiu o Peregrino.
— Se minha intenção não for transportar o monge Tang em segurança para o outro lado do Rio que Alcança o Céu — proclamou a tartaruga, olhando para o alto —, que agora meu corpo se cubra de sangue!
O Peregrino então assentiu e ordenou:
— Aproxime-se.
A tartaruga nadou até a margem e, lentamente, arrastou-se para a terra firme. Aos poucos, os curiosos se aproximaram e, surpresos, constataram que seu imenso casco media cerca de quinze metros.
— Suba sem medo, mestre — disse o Peregrino ao monge Tang.
— Receio que o casco desta tartaruga não seja firme o suficiente — comentou Sanzang. — Vocês viram o que aconteceu com o gelo? Apesar de sua espessura, acabou me trazendo a ruína.
— Não se preocupe com isso — disse a tartaruga. — Embora não pareça, sou muito mais segura do que o gelo. Sei que o menor erro pode me levar à destruição.
— Se me permite opinar — disse o Peregrino —, acredito que uma criatura que obteve o dom da fala seja incapaz de mentir. Tragam o cavalo imediatamente!
Todos os habitantes do vilarejo de Chen os seguiram até a margem. O Peregrino colocou o cavalo sobre a tartaruga e pediu ao monge que se colocasse à sua esquerda, enquanto o Monge Sha se posicionava à direita. Ele mesmo tomou a dianteira, deixando Bajie na retaguarda. Temendo que, mesmo assim, a tartaruga pudesse pregar-lhes uma peça, retirou a sua pele de tigre e a usou como rédea, colocando um pé sobre a cabeça do animal e, como um simples cocheiro, segurou firmemente seu temível bastão de ferro, pronto para agir caso fosse necessário.
— Pode seguir em frente — ordenou o Peregrino à tartaruga —, mas vá com calma. Se tentar qualquer artimanha, lhe darei um golpe na cabeça.
— Fique tranquilo — respondeu a tartaruga. — Tudo correrá bem.
Com suavidade, ela esticou as quatro patas e deslizou pela água como se ainda estivesse em terra firme. Na margem, a multidão se aglomerava, queimando incenso e gritando, ao mesmo tempo em que se curvavam profundamente:
— Namo Amitabha!
Era como se os arhats tivessem descido à terra ou se todos os bodhisattvas tivessem se revelado aos mortais. O povo continuou com os ritos até que os peregrinos se perderam na distância.
O mestre e seus discípulos conseguiram atravessar aquela imensa massa d'água em menos de um dia. A tartaruga branca cumpriu sua promessa, transportando-os com segurança pelos oitocentos quilômetros que separavam as margens do Rio Celeste.
Quando chegaram ao outro lado, nem uma única gota de água havia molhado suas roupas. Sanzang juntou as mãos ao peito e agradeceu à tartaruga, dizendo:
— Não há nada que eu possa lhe oferecer para retribuir o que fez por nós. Mas prometo que, quando retornar com as escrituras sagradas, lhe darei um presente como forma de agradecimento.
— Prometo que assim o farei — respondeu Tripitaka.(3)
A tartaruga deu meia-volta e mergulhou rapidamente nas águas do rio. O Peregrino ajudou o monge Tang a montar no cavalo, enquanto Bajie carregava a bagagem e o Monge Sha fechava a marcha. Não demoraram muito para encontrar o caminho que os conduziria para o Oeste, seguindo adiante com as esperanças renovadas e uma firme determinação.
Sobre essa jornada, há um poema que diz:
Não sabemos, por enquanto, quantos caminhos eles ainda precisam percorrer, ou que tipo de desafios os aguardam ao longo da jornada. Quem desejar descobrir, terá que ouvir as explicações que serão oferecidas no próximo capítulo.
CAPITULO L EM BREVE ...

Notas do Capítulo XLIX
- Um dos nomes de Buda;
- Não se deve ignorar o caráter simbólico deste incidente. A tartaruga era, de fato, considerada um animal tão longevo que quase alcançava a imortalidade. Além disso, o lendário Fu Xi projetou seus oito símbolos divinatórios após estudar cuidadosamente o casco de uma tartaruga;
- É significativo o esquecimento em que Sanzang posteriormente deixa essa promessa. No entanto, isso lhe dará a oportunidade de completar o número exato de provas que lhe foram designadas.
- Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
- Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
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