۞ ADM Sleipnir
Lapulapu (c. 1450–1542), também grafado como Lapu-Lapu, foi um datu (governante/chefe) da ilha de Mactan, nas Filipinas. Ele é reconhecido como o primeiro herói nacional filipino, devido à sua resistência contra a colonização espanhola. Ao derrotar o navegador Fernão de Magalhães em 1521, Lapulapu atrasou por mais de quarenta anos o avanço da colonização espanhola no arquipélago.
Etimologia do nome
O registro mais antigo de seu nome aparece no diário do veneziano Antonio Pigafetta, cronista da expedição de Magalhães, que menciona os dois datus de Mactan: Zula e Çilapulapu (c. 1524). Ao longo dos séculos, diversas grafias surgiram. Em 1890, José Rizal registrou “Si Lapulapu” em sua edição de Sucesos de las Islas Filipinas. Em línguas filipinas, si é um marcador de nomes próprios, mas há debate se o “Si/Çi” anotado por Pigafetta tinha esse sentido ou se era um título honorífico derivado do sânscrito Sri.
Outras variantes históricas incluem Calipulapo (1604), Cali Pulaco (1614) e Kalipulako (pseudônimo usado pelo revolucionário Mariano Ponce). Em 2019, a Comissão Histórica Nacional das Filipinas estabeleceu Lapulapu como a grafia oficial. Já a crônica Aginid, Bayok sa Atong Tawarik (1952), cuja historicidade é debatida, chama o chefe de Lapulapu Dimantag (“inatingível por lâmina”), sobrenome ainda encontrado em famílias de Mactan.
 |
| Lapu Lapu (Mobile Legends: Bang Bang) |
Origens
As origens de Lapulapu permanecem controversas. Segundo a tradição oral, os cebuanos de Opong (antigo nome de Mactan) eram governados pelo rajá Mangal, sucedido por seu filho Lapulapu. O Aginid, Bayok sa Atong Tawarik apresenta outra narrativa: o reino de Cebu teria sido fundado por Sri Lumay, um príncipe de origem tâmil-malaia famoso por resistir a invasores de Mindanao. Seu filho Sri Bantug o sucedeu, seguido por Rajah Humabon, sob cujo governo Cebu prosperou comercialmente. Nesse relato, Lapulapu teria vindo de Bornéu e solicitado a Humabon um território para se estabelecer, recebendo as regiões de Mandawili e Opong. Apesar do início amistoso, as relações se deterioraram quando Lapulapu passou a praticar pirataria contra embarcações locais, prejudicando o comércio de Cebu. O nome Mactan possivelmente deriva de mangatang (“assaltantes”).
O historiador William Henry Scott, entretanto, argumenta que Lapulapu provavelmente era nativo de Mactan, e que o conflito com Magalhães foi resultado de um mal-entendido: o explorador português presumiu que Humabon governava toda a região, quando na realidade os datus visayanos eram autônomos.
A Batalha de Mactan
Quando Magalhães chegou às Filipinas, em 1521, Lapulapu era um dos dois datus de Mactan. Enquanto Zula aceitou pagar tributo aos espanhóis, Lapulapu recusou-se e desafiaram o explorador.
Na madrugada de 27 de abril de 1521, Magalhães avançou com cerca de 60 espanhóis e entre 20 e 30 barcos de guerreiros aliados de Humabon. Os recifes impediram um desembarque próximo, obrigando-os a marchar pela água até a praia. Pigafetta relata que enfrentaram cerca de 1.500 guerreiros armados com kampilan (espadas tradicionais), escudos, arcos e lanças de bambu.
Convencido da superioridade das armas europeias, Magalhães manteve os guerreiros de Humabon nos barcos e avançou com apenas 49 homens. Contudo, canhões e mosquetes foram inúteis devido à distância. Durante o combate, Magalhães foi ferido por uma flecha envenenada e, ao ordenar a retirada, foi abandonado por parte de seus próprios homens. Os guerreiros de Lapulapu o cercaram e o mataram, junto com vários espanhóis.
A tradição filipina frequentemente retrata Lapulapu matando Magalhães em duelo, mas Pigafetta não confirma isso. É possível que Lapulapu — já idoso — tenha comandado a batalha à distância. O Aginid, Bayok sa Atong Tawarik afirma ainda que Humabon incentivou o ataque para eliminar seu adversário político e, posteriormente, teria envenenado 27 espanhóis em um banquete, possivelmente em retaliação.
Religião e crenças de Lapulapu
As crenças religiosas de Lapulapu são outro tema de debate histórico. Contudo, há fortes indícios de que Lapulapu praticava o animismo visayano (anito), religião tradicional dos povos de Cebu. Algumas tradições tardias o descrevem como muçulmano, mas historiadores rejeitam essa interpretação: a região não era islamizada, e Pigafetta relata práticas nitidamente animistas, como tatuagens rituais, consumo de carne de porco e vinho de palma — todos proibidos no Islã. O deus supremo visayano era Abba ou Kan-Laon, equivalente ao Bathala dos tagalo.
Legado
Reconhecimento nacional
Em 2017, o presidente filipino Rodrigo Duterte instituiu o dia 27 de abril como Dia de Lapulapu, feriado nacional especial. Em 2023, a província canadense da Colúmbia Britânica também passou a adotar oficialmente a data.
Ordem de Lapulapu
Em 7 de abril de 2017, Duterte assinou o Decreto Executivo nº 17, criando a Ordem de Lapulapu, que homenageia cidadãos e servidores por serviços extraordinários. Inicialmente composta por três medalhas (Kamagi, Kalasag e Kampilan), foi ampliada com a Medalha Magalong. Os 44 comandos do SAF mortos em Mamasapano (2015) receberam a condecoração postumamente em 2018.
Monumentos e comemorações
O Santuário de Mactan, estabelecido em 1969, abriga uma estátua de bronze de 6 metros de Lapulapu (1981) e o Monumento de Magalhães (1866). A primeira estátua de Lapulapu, de 1933, segurava uma besta apontada para a prefeitura; após três prefeitos morrerem de ataque cardíaco, a arma foi substituída por uma espada em 1938.
O festival Kadaugan sa Mactan (“Vitória em Mactan”), celebrado anualmente em 27 de abril, apresenta reencenações da batalha com praticantes de eskrima (arte marcial filipina). Em 2024, mais de 8 mil pessoas assistiram ao evento.
Em 2021, o Banco Central das Filipinas lançou uma cédula comemorativa de 5.000 pesos dedicada ao herói. A figura de Lapulapu aparece ainda nos selos da Polícia Nacional e do Corpo de Bombeiros. A cidade de Opon foi renomeada Cidade de Lapu-Lapu em 1961.
Vigia dos mares
Além do reconhecimento oficial, Lapulapu vive na imaginação popular através de várias lendas. Uma lenda local afirma que Lapulapu nunca morreu, mas foi transformado em pedra e continua vigiando os mares de Mactan. Pescadores de Mactan jogam moedas em uma rocha com forma humana para "pedir permissão" a Lapulapu para pescar em "suas águas".
Cultura Popular
Lapulapu foi retratado e homenageado em diferentes obras de cinema, televisão, música, literatura e mídia digital ao longo das décadas, o que consolidou seu lugar como uma das figuras culturais mais icônicas das Filipinas.
No cinema, uma das primeiras representações de Lapulapu foi feita pelo ator Mario Montenegro, em 1955, conhecido por interpretar heróis históricos filipinos. Depois, em 2002, Lito Lapid voltou a dar vida ao personagem em uma nova adaptação, e, em 2010, Aljur Abrenica interpretou Lapulapu no videoclipe oficial de Lupang Hinirang produzido pela GMA Network. Em 2019, Zeus Collins fez uma homenagem bem-humorada no filme The Mall, The Merrier, onde Lapulapu aparece como uma das estátuas do fictício Tamol Mall. Mais recentemente, Armando Alera assumiu o papel na série Boundless (2022), e Michael Copon interpretou o herói no filme 1521 (2023), focado justamente na batalha histórica.
Na televisão, Lapulapu também ganhou espaço. Em 1995, Calvin Millado interpretou o líder de Mactan no programa infantil Bayani, ajudando a aproximar o público jovem da história do país.
A música também contribuiu para manter viva sua memória. Em Otso Otso (2004), Bayani Agbayani menciona Lapulapu em uma rima infantil que o contrapõe a Fernão de Magalhães, relembrando a Batalha de Mactan. Por outro lado, a música Panalo, de Ez Mil, gerou polêmica ao afirmar que Lapulapu foi decapitado durante o confronto — um erro histórico criticado tanto pelo governo da cidade de Lapu-Lapu quanto pela Comissão Histórica Nacional das Filipinas.
Na literatura, o romancista kuwaitiano Saod Alsanousi inclui Lapulapu em seu premiado romance O Caule de Bambu. Na história, o protagonista José/Issa vê o herói filipino como um símbolo de resistência islâmica, oferecendo uma leitura que extrapola fronteiras culturais e históricas.
Nos jogos digitais, Lapulapu também ganhou versões próprias. No popular Mobile Legends: Bang Bang, ele aparece como um herói jogável que utiliza duas armas e alterna entre estilos de luta. A lore do jogo o apresenta como chefe de Makadan (identificado como Parlas, uma sublocalidade da ilha fictícia Vonetis), uma referência direta à histórica Mactan. Ele também aparece em Honor of Kings como Guardião da Pátria e datu de Nectam, um reino inspirado nas Filipinas. Nessa adaptação, o personagem possui habilidades que remetem à sua lenda, incluindo uma arma que pode ser arremessada e recuperada, além de poderes sobrenaturais adquiridos ao custo de se transformar gradualmente em pedra — referência a um mito filipino sobre sua figura.
 |
| Lapu Lapu (Honor of Kings) |
Uma abordagem cinematográfica mais recente surge em Magellan (2025), dirigido por Lav Diaz. O filme apresenta uma visão polêmica ao retratar Lapulapu como uma figura mitológica criada por Rajah Humabon, contrariando a visão historiográfica tradicional, que o reconhece como um líder histórico real e independente.
Considerações finais
Apesar de sua fama como primeiro herói nacional das Filipinas, pouco se sabe com certeza sobre Lapulapu. Suas datas exatas de nascimento e morte, sua linhagem e até sua aparência permanecem desconhecidas. Pigafetta é a única fonte primária confiável, e nenhum europeu contemporâneo descreveu sua voz, feições ou confirmou sua presença direta em combate. Mesmo assim, Lapulapu tornou-se um símbolo duradouro de identidade e resistência — uma figura que ultrapassa os limites da historiografia para encarnar o ideal filipino de liberdade e autodeterminação.
fontes: