۞ ADM Sleipnir
![]() |
| Arte de Moyi Zhang |

"Quando a mente encontra-se totalmente serena e nenhum pensamento vem perturbar sua paz, ela atinge o ápice da perfeição. Para alcançar esse estado elevado, é preciso manter o controle rigoroso sobre o macaco e o cavalo — símbolos do espírito e da energia vital. O espírito e o sêmen devem estar em perfeito equilíbrio, e os Seis Ladrões (1) devem ser completamente eliminados. Somente assim surgem, com vigor, os Três Veículos (2), pois a Iluminação só se manifesta quando todos os nidanas são extintos. Uma vez destruídas as formas, pode-se alcançar o verdadeiro Reino do Oeste, onde a felicidade e a plenitude são absolutas".
Ao retomarem a jornada, o clima estava claro e ameno. Uma brisa suave espalhava por toda parte o perfume quente das orquídeas silvestres. Os brotos de bambu ainda guardavam, como um tesouro precioso, o frescor das últimas chuvas. Não havia uma alma viva por aquelas trilhas, nem mesmo os coletores de ervas medicinais. Os riachos corriam repletos de flores coloridas, em contraste com o tom pardo dos pássaros que buscavam abrigo entre os salgueiros. Enxames de abelhas zumbiam em torno das romãzeiras, indiferentes à beleza que as cercava. E, embora as embarcações-dragão ainda navegassem em luto pelas águas do rio Miluo, os viajantes daquela longa jornada já não se preocupavam em embrulhar os tradicionais bolinhos de arroz nas folhas de bambu (3).
Enquanto mestre e discípulos apreciavam essa paisagem típica do Festival do Duplo Cinco, com o sol alto no céu, avistaram mais uma vez uma montanha imponente bloqueando seu caminho. Segurando as rédeas de seu cavalo, o venerável monge Tang virou-se para trás e disse:
— Wukong, há uma montanha à nossa frente. Receio que ela possa estar repleta de demônios. É melhor redobrarmos a atenção.
— Não se preocupe, mestre — respondeu o Peregrino. — Quem segue o caminho da fé com o desprendimento com que seguimos, não deve temer demônio algum.
Tranquilizado por essas palavras, o mestre esporeou o cavalo e seguiram adiante. Pouco tempo depois, chegaram a uma plataforma elevada, de onde se podia contemplar uma paisagem capaz de deixar qualquer espírito em suspenso. Cumes cobertos de pinheiros e cedros desapareciam no azul profundo do céu. Dos penhascos pendia uma densa rede de trepadeiras e rosas silvestres, sombreados por picos escarpados que ultrapassavam os dez mil metros de altura, com cristas que se estendiam por mais de mil. As rochas escuras estavam revestidas pelo verde intenso de musgos e líquens, coloração que se repetia nas vastas florestas de zimbros e olmos, que se espalhavam até onde a vista conseguia alcançar. Ali, o canto melodioso das aves soava sem parar, como se competissem com o murmúrio dos riachos — um tilintar suave, como jade em movimento. Os caminhos eram bordados por flores que pareciam montes de pedras preciosas. Ainda assim, atravessá-los era uma tarefa árdua. A subida era exaustiva. Os pés, sem encontrar terreno firme, escorregavam a todo momento, ameaçando o viajante com quedas dolorosas. Mas todo o sacrifício era recompensado pelas aparições repentinas de veados e raposas, sempre em pares. Chamava atenção o contraste entre o pelo escuro dos macacos e o branco quase prateado dos filhotes de cervo. De tempos em tempos, ouvia-se o rugido distante de tigres ou o canto agudo das garças, que pareciam atravessar os céus com a própria voz. Havia tantas ameixeiras e damasqueiros que bastava estender a mão para colher alimento suficiente para anos. Por todos os lados, surgiam plantas desconhecidas e flores exóticas, exibindo com orgulho o milagre delicado de seus brotos.
O terreno era tão acidentado que, por muito tempo, os peregrinos foram obrigados a caminhar em ritmo exasperantemente lento. Após cruzarem o topo, começaram a descida pela vertente ocidental e, logo, chegaram a um trecho plano. Querendo mostrar força, Bajie pediu ao Monge Sha que levasse a bagagem e correu em direção ao cavalo, erguendo o ancinho sobre a cabeça, como se fosse atacá-lo. Queria assustar o animal, mas este sequer lhe deu atenção. Mesmo com os gritos e gestos de Bajie, o cavalo continuou marchando com a mesma calma de sempre.
— Para que tentar assustá-lo? — repreendeu o Peregrino. — Deixe que ele siga no próprio ritmo.
— O dia já está terminando e nós caminhamos sem parar — disse Bajie, encerrando a brincadeira. — Subir e descer montanhas dá uma fome danada. Que tal procurar alguma casa por perto pra ver se conseguimos algo pra comer?
— Se não houver nenhuma objeção, posso cuidar disso — respondeu o Peregrino, girando seu bastão de extremos dourados, enquanto soltava um grito estrondoso.
Apavorado, o cavalo disparou como uma flecha. Alguém poderia se perguntar por que ele temia o Peregrino e não Bajie. A resposta é simples: há mais de quinhentos anos, o próprio Imperador de Jade nomeou o macaco cavalariço dos estábulos celestes. Desde então, todos os cavalos passaram a temer os macacos. O mestre puxou as rédeas, mas não conseguiu conter o animal. Sem outra escolha, agarrou-se firme à sela e deixou que o cavalo seguisse em disparada. Assim, percorreram cerca de vinte quilômetros.
O cenário havia mudado por completo. À frente, estendia-se uma vasta região de campos cultivados. No entanto, o mestre não teve tempo para admirar aquela paisagem tranquila. De repente, ouviu-se o som metálico de armas se chocando. Logo surgiu um grupo com mais de trinta homens, armados com lanças, cimitarras, bastões e barras de ferro. Eles bloquearam a estrada e gritaram:
— Para onde pensa que vai, monge?
— Traga um pouco de chá, por favor — respondeu o ancião, já mais calmo.
Como feras em fúria, os bandidos partiram numa perseguição alucinada. Cada um parecia uma flecha disparada de um arco diferente. Por isso, não foi surpresa que, por volta do nascer do sol, avistassem finalmente o monge Tang à distância. Ao ouvir atrás de si um ruído de vozes e gritos, o mestre se virou e viu uma matilha de mais de trinta homens, armados com facas e lanças, se aproximando rapidamente.
CLIQUE NO BANNER ABAIXO PARA AVANÇAR AO
OU
CLIQUE NO BANNER ABAIXO PARA RETORNAR AO

- Para compreender as implicações morais do presente capítulo, é necessário levar em conta, como já foi mencionado na nota 1 do capítulo XIV, que, para o budismo, os sentidos são verdadeiros ladrões da virtude;
- Os Três Veículos, "san-chang", transportam os seres vivos através dos ciclos de reencarnação até alcançar o estado nirvânico. A identificação desses veículos varia conforme as diferentes escolas budistas;
- Durante a festividade do Duplo Cinco, "duan-wu jie", são consumidas uma espécie de pirâmides de arroz envoltas em folhas de bambu ou de lótus, chamadas "chung-tse", em memória do poeta Chü-Yüan, que se suicidou por volta do século III a.C. nas águas do rio Miluo, como protesto contra as medidas adotadas pelo novo imperador. A data também é marcada pelas famosas corridas de barcos-dragão;
- Os Cinco Grandes Deuses são divindades muito veneradas pelo povo comum por serem reconhecidos como grandes dispensadores de riquezas, como se pode deduzir claramente de seus nomes: Zhao Xuantan (Deus da Riqueza), Zhao Gongming (Deus da Prosperidade), Bi Gan (Deus do Comércio), Fan Li (Deus dos Negócios) e Guan Yu (Deus da Lealdade);
- Os Cinco Ministros dos Três Reinos são personificações dos elementos fundamentais, e por isso seu domínio se estende por todo o universo;
- Devido ao seu caráter de vetores espaciais, os chineses consideram "cima" e "baixo" como pontos cardeais. A partir das combinações desses pontos, obtém-se um total de dez direções, embora o taoísmo popular geralmente personifique apenas os cinco mais importantes: norte, sul, leste, oeste e centro.

- Tradução em pt-br por Rodrigo Viany (Sleipnir). Favor não utilizar sem permissão.
- Tradução baseada na tradução do chinês para o espanhol feitas por Enrique P. Gatón e Imelda Huang-Wang, e do chinês para o inglês feita por Collinson Fair.
A Jornada ao Oeste: Capítulo LVI




Nenhum comentário:
Seu comentário é muito importante e muito bem vindo, porém é necessário que evitem:
1) Xingamentos ou ofensas gratuitas ao autor e a outros comentaristas;
2)Comentários racistas, homofóbicos, xenófobos e similares;
3)Spam de conteúdo e divulgações não autorizadas;
4)Publicar referências e links para conteúdo pornográfico;
5)Comentários que nada tenham a ver com a postagem.
Comentários que inflijam um desses pontos estão sujeitos a exclusão.
De preferência, evite fazer comentários anônimos. Faça login com uma conta do Google, assim poderei responder seus comentários de forma mais apropriada, e de brinde você poderá entrar no ranking dos top comentaristas do blog.