Sanzang assentiu com a cabeça e, após um suspiro entristecido, disse:
— Certamente há algo de estranho nessa história toda. De um lado, o rei negligenciou suas responsabilidades; de outro, talvez todos vocês estejam enfrentando uma calamidade destinada. Mas, se foi a chuva de sangue que dissipou a aura do monastério, por que não informaram imediatamente à corte? Em vez disso, acabaram se expondo a este sofrimento.
— Como poderíamos compreender a vontade dos Céus, sendo apenas mortais comuns? — retrucou o monge. — Os mais velhos ficaram confusos, sem saber que rumo tomar. E nós, os mais jovens, tínhamos ainda menos preparo para decidir algo tão grande. O que poderíamos ter feito a respeito.
— Que horas são? — perguntou Sanzang, voltando-se para Wukong.
— Por volta das quatro da tarde — respondeu ele.
— Gostaria de ver o rei para apresentar nosso salvo-conduto — disse Sanzang —, mas não posso resolver o problema desses monges e relatá-lo a Sua Majestade sem antes compreender a situação. Quando deixei Chang’an, fiz uma promessa no Salão das Portas da Lei: de que, durante minha jornada para o Oeste, queimaria incenso em cada templo por onde passasse, prestaria homenagem ao Buda em todo monastério que encontrasse e varreria cada pagoda que visse. Hoje encontramos vocês, monges, que foram injustiçados por causa de sua pagoda. Poderiam providenciar uma vassoura nova enquanto tomo banho? Assim poderei subir e varrer o local, e quem sabe descobrir o que causou a sua profanação e a perda do seu brilho. Depois de encontrar a verdade, será muito mais fácil relatar pessoalmente ao rei e libertá-los de seu sofrimento.
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Ao ouvirem isso, alguns dos monges ainda presos em cangas e correntes correram até a cozinha e pegaram todas as facas e cutelos que encontraram. Em seguida, voltaram correndo até Bajie e os entregaram a ele, implorando:
— Por favor, tente romper as correntes dos jovens monges presos àquela coluna. Assim, eles poderão preparar uma refeição e um banho perfumado para vocês. Enquanto isso, iremos às ruas e tentaremos conseguir uma vassoura nova, para que o Venerável Mestre possa varrer a pagoda.
— Abrir fechaduras é fácil demais! — exclamou Bajie, rindo. — Não será preciso nenhuma faca ou machado. Perguntem ao nosso irmão de cara peluda ali. Ele é mestre em abrir cadeados.
O Peregrino deu um passo à frente e, usando sua magia de abrir cadeados, passou a mão sobre as algemas. No mesmo instante, todas as correntes e cangas caíram no chão.
Os jovens monges correram para a cozinha, onde começaram a limpar as panelas, o fogão e a preparar a refeição.
Quando Sanzang e seus discípulos terminaram de comer e a noite já caía, chegaram alguns dos monges ainda acorrentados e com cangas nos pescoços, e traziam consigo duas vassouras. Ao vê-las, Sanzang se encheu de alegria. Enquanto conversavam, um jovem monge entrou para acender as lamparinas e convidar Sanzang para o banho. Nesse momento, a noite já tomava conta do céu. A lua, cheia e límpida, reinava solene, rodeada por estrelas que cintilavam com intensidade. Ao longe, ouvia-se o som dos tambores dos guardas postados nas muralhas e o toque seco dos bastões usados para marcar as horas da vigília. Um vento frio cruzava as ruas da cidade, enquanto a luz fraca das lamparinas tremulava nas janelas das casas. Os portões da cidade já estavam trancados com grandes travas, e os três mercados haviam fechado suas portas havia bastante tempo. À beira dos lagos, os pescadores amarravam suas embarcações; nos campos, os arados descansavam na terra fria; nos bosques, as machadinhas repousavam ao lado dos lenhadores adormecidos; e, no coração da cidade, estudantes ainda recitavam suas lições à luz bruxuleante das velas.
Após o banho, Sanzang vestiu uma camisa de mangas curtas, amarrou uma faixa de pano à cintura, calçou sapatos de sola de palha e, pegando uma das vassouras, disse aos monges:
— Podem descansar agora. Eu mesmo irei varrer a pagoda.
— Se, como disseram, ela perdeu o brilho após aquela tempestade de sangue e nunca mais voltou a resplandecer — interrompeu o Peregrino —, o mais provável é que alguma força maligna tenha se instalado no topo. Subir sozinho com esse vento frio pode ser perigoso. Que tal se eu acompanhá-lo?
— Ótima ideia — concordou Sanzang, e cada um pegou uma vassoura.
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Antes de iniciarem a subida, passaram pelo salão principal, onde acenderam velas novas e queimaram um pouco de incenso. A fumaça se elevou em espirais tímidas, como se procurasse abrir passagem entre os planos do mundo visível e o invisível. Sanzang ajoelhou-se diante da imagem de Buda, tocou o chão com a testa por três vezes e orou, dizendo:
— Este discípulo, Chen Xuanzang, foi enviado pelo Grande Imperador da dinastia Tang, nas Terras do Leste, para prestar reverência a Tathagata e implorar que me sejam entregues as escrituras sagradas. Ao chegar a este Monastério da Luz Dourada, na cidade do Reino do Sacrifício, ouvi dos monges que a aura que envolvia este lugar desapareceu durante uma chuva de sangue, ocorrida na primeira noite do inverno. O rei os acusou de serem culpados por tal fenômeno e os mergulhou na vergonha. Por isso, decidi varrer a pagoda, não como um ato simbólico, mas como uma busca sincera pela verdade. Suplico, com toda humildade, que, com vossa sabedoria infinita, a origem de tão triste acontecimento seja revelada. Que os culpados sejam punidos, e os inocentes recuperem sua honra perdida.
Assim que terminou a oração, Sanzang abriu a porta da pagoda e começou a varrê-la desde o primeiro degrau, ao lado do Peregrino. A pagoda era tão alta que parecia tocar o céu. Mesmo sem emitir luz própria, suas cores eram tão vivas que lembravam uma montanha dourada coberta por seda. As escadas se enroscavam em espiral até o topo, como se quisessem perfurar os segredos do universo. Não era à toa que a lua gostava de refletir sua imagem ali, e o som dos sinos douradas ecoava como as ondas do mar. Os beirais, curvados, pareciam saudar as estrelas — que, por sua vez, viviam a se admirar nela, pois sua altura cortava o caminho das nuvens. Era impossível vê-la por completo: dava a impressão de ter milhares de quilômetros e alcançar o coração do Nono Céu. Apesar de sua imponência, o interior da pagoda estava tomado pelo descuido. As lamparinas nas paredes de cada andar estavam cobertas por uma espessa camada de poeira — a mesma que escondia o antigo brilho do corrimão de jade branco, agora enterrado sob sujeira e restos de insetos. As mesas de oferendas estavam abandonadas, sem nenhuma espiral de incenso. As imagens e vitrais, cobertos de teias de aranha, pareciam papel de arroz sob o sol. Os incensários e potes de óleo haviam virado esconderijo de ratos. Quanta frustração, sofrimento e morte aquela negligência havia trazido aos monges! Mas tudo isso estava prestes a acabar, pois assim que Sanzang terminasse de varrê-la, a pagoda voltaria a brilhar como antes e recuperaria sua antiga glória.
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Com dedicação, o monge Tang limpava cuidadosamente cada trecho da escada antes de passar ao próximo. Quando chegaram ao sétimo andar, já era hora da segunda vigília, e o mestre começou a sentir os braços pesados de cansaço.
— Está cansado — disse o Peregrino. — Por que não se senta um pouco e deixa que eu varra por você?
— Quantos lances de escada você acha que essa pagoda possui? — perguntou Sanzang.
— No mínimo uns treze — respondeu o Peregrino.
— Preciso terminar de varrer todos, para cumprir a promessa que fiz — disse o mestre, esforçando-se para resistir ao cansaço. Mas, depois de limpar mais três lances, as pernas e as costas começaram a doer tanto que ele precisou se sentar para descansar, bem no final do décimo lance.
— Wukong — disse Sanzang, com a voz fraca —, se não for incômodo, termine de varrer os três andares que faltam.
O Peregrino, satisfeito, limpou o décimo primeiro lance e começou o décimo segundo. Foi então que ouviu vozes vindas do alto da torre. Intrigado, pensou:
— Que estranho! Já está quase na hora da terceira vigília... Quem estaria conversando lá em cima? Só pode ser alguém fora de si. Melhor eu dar uma olhada.
Silenciosamente, o Peregrino pegou a vassoura, colocou-a debaixo do braço e, após ajustar as roupas, saiu por uma das janelas com certa dificuldade. Em seguida, ele subiu em uma nuvem e flutuou até o topo da pagoda para observar. Lá de cima, avistou dois demônios sentados no décimo terceiro andar da pagoda. Estavam à vontade diante de uma panela de arroz e uma jarra cheia de vinho. Enquanto bebiam, jogavam um jogo de adivinhações (6).
Usando sua magia, o Peregrino fez a vassoura desaparecer, e trouxe o seu bastão de ferro com as extremidades douradas. Com ele, bloqueou a entrada da pagoda e gritou:
— Então foram vocês que roubaram o tesouro desta pagoda!
Assustados, os dois se levantaram rapidamente e, no desespero, atiraram contra ele a panela e a jarra, mas o Peregrino bloqueou os ataques com o bastão de ferro e disse:
— Se eu matar vocês, não vai ter ninguém para confessar.
Com o bastão, encurralou-os contra a parede até que não pudessem se mover. Só conseguiam repetir:
— Por favor, não nos mate! Não temos nada a ver com isso. Quem roubou o tesouro foi outro!
Usando sua magia de captura, o Peregrino agarrou os dois com uma só mão e os levou até o décimo lance da escada.
— Mestre! Capturei os ladrões do tesouro! — anunciou em voz alta o Peregrino, acordando Sanzang, que havia cochilado em um dos degraus.
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— Onde os encontrou? — perguntou o mestre, animado.
— Estavam se divertindo no topo da pagoda, jogando e bebendo — explicou o Peregrino, forçando os dois demônios a se ajoelharem no chão. — Quando ouvi toda aquela algazarra, subi na nuvem, saltei até lá e bloqueei a fuga deles sem esforço nenhum. Só não acabei com eles com o meu bastão porque, dessa forma, não haveria ninguém para confessar. Por isso, trouxe os dois até aqui. Mestre, pode interrogá-los e descobrir de onde vieram e onde esconderam o tesouro.
— Por favor, não nos matem! — suplicaram os dois, com vozes cada vez mais lastimosas, até que um deles criou coragem e começou a falar:
— Fomos enviados pra vigiar a pagoda por ordem do Rei Dragão de Todos os Espíritos, cujo palácio fica no fundo do Lago da Onda Esverdeada, bem no coração da Montanha das Rochas Espalhadas. O nome dele é Benborba, e o meu é Baborben. Ele é um espírito de peixe-cascudo, e eu sou um espírito de peixe preto.
Uma das filhas do nosso senhor, conhecida como Princesa de Todos os Espíritos, uma moça encantadora, com habilidades realmente extraordinárias, se casou com um sujeito chamado Nove Cabeças, cujos poderes mágicos não devem nada a nenhum imortal de alto nível. Dois anos atrás, ele trouxe o Rei Dragão até aqui e, com seus feitiços, fez cair uma chuva de sangue sobre o mosteiro, que apagou completamente a aura sagrada do lugar.
Com isso, ele conseguiu roubar as cinzas de um Buda (7) que eram guardadas nesta torre. Ao mesmo tempo, a princesa invadiu o Céu e roubou o agárico de nove folhas, que Wang-Mu Niang-Niang havia plantado diante do Salão da Névoa Divina.
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Agora, tanto as cinzas quanto a planta estão guardadas no fundo do lago, iluminando o palácio dia e noite com seus raios dourados e seus reflexos multicoloridos. Recentemente, ouvimos dizer que um tal de Sun Wukong estava indo em direção ao Paraíso Ocidental em busca das Escrituras Sagradas. Como ele é conhecido por seus poderes mágicos inigualáveis e por adorar se meter nos assuntos dos outros, recebemos ordens para patrulhar a região e soar o alarme assim que ele aparecesse.
— Que audácia! — exclamou o Peregrino com desdém. — Não me surpreende que o Rei Touro tenha aparecido em um dos banquetes de vocês. Só podia estar aliado a uma gangue de espíritos malfeitores!
Mal havia terminado de falar, quando Bajie apareceu com alguns monges jovens, trazendo duas lamparinas.
— Por que ainda estão aqui em cima, conversando? Não iam descansar depois de varrer a pagoda? — perguntou Bajie, dirigindo-se ao mestre.
— Chegou na hora certa, irmão — disse o Peregrino. — O tesouro do mosteiro foi roubado pelo Rei Dragão de Todos os Espíritos. Ele enviou esses dois demônios, que acabei de capturar, para espionar a pagoda e ficar de ouvidos atentos sobre nossos movimentos.
— E como se chamam? Que tipo de demônios são? — perguntou Bajie.
— Eles já confessaram tudo — respondeu o Peregrino. — Um se chama Benborba, e é o espírito de um peixe-cascudo; o outro se chama Baborben, e é o espírito de um peixe preto.
— Se já confessaram tudo — concluiu Bajie, erguendo o ancinho com a intenção de matá-los —, por que continuar perdendo tempo? Vamos acabar logo com isso!
— Parece que não entendeu direito a situação — retrucou o Peregrino. — Se os mantivermos vivos, será mais fácil explicar tudo ao rei. Sem contar que podem nos dar informações valiosas sobre como recuperar o tesouro e punir os culpados.
Bajie baixou o ancinho sem discutir. O Peregrino, então, agarrou os dois demônios e começou a descer com eles pela torre. Enquanto desciam os degraus, os prisioneiros imploravam sem parar:
— Tenham piedade de nós, por favor!
— Que coincidência! — disse Bajie, com um sorriso malicioso. — Estávamos mesmo atrás de um peixe-cascudo e de um peixe-preto para fazer uma sopa para esses monges que sofreram tanto por causa de vocês.
Cheios de alegria, alguns dos jovens monges acompanharam o venerável mestre descendo as escadas da pagoda, iluminando o caminho com suas lanternas. Um deles correu adiante para avisar os outros monges, exclamando:
— Nosso sofrimento terminou! Os demônios que roubaram nosso tesouro foram capturados pelos mestres!
Então o Peregrino deu-lhes a seguinte ordem:
— Tragam correntes de ferro, atravessem os ossos dos ombros deles e os prendam aqui. Fiquem de guarda enquanto descansamos um pouco. Amanhã decidiremos o que fazer com eles.
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Os monges se apressaram em cumprir a ordem com dedicação. Assim que amanheceu, o mestre saltou da cama e falou:
— Irei com Wukong até o palácio do rei, para solicitar que ele carimbe nosso salvo-conduto.
Sanzang vestiu então sua túnica bordada e o chapéu de Vairocana. Assim trajado, foi até a porta, seguido pelo Peregrino, que ajeitou da melhor forma possível sua pele de tigre e a camisa de seda.
— Por que não levam junto esses dois demônios? — perguntou Bajie, ao vê-los pegando o documento de viagem.
— Melhor contar primeiro ao rei o que aconteceu — respondeu o Peregrino. — Depois ele pode mandar alguém buscá-los.
Assim que passaram pelos portões do palácio, viram uma verdadeira revoada de pássaros avermelhados, misturada a inúmeros dragões de cor amarelada. Quando chegaram à Porta das Flores, voltada para o oriente, Sanzang fez uma reverência respeitosa ao oficial de guarda e disse:
— Anuncie ao vosso senhor que este humilde monge está em peregrinação rumo ao Paraíso Ocidental, por ordem direta do Grande Imperador da dinastia Tang, das Terras do Leste, com a missão de obter as escrituras sagradas. Venho humildemente pedir que o virtuoso soberano conceda o seu selo no nosso salvo-conduto, para que possamos atravessar seus vastos domínios com segurança.
O rei ordenou que os viajantes fossem levados imediatamente à sua presença. Ao ver o Peregrino, que caminhava logo atrás do mestre, todos os funcionários — civis e militares — começaram a tremer. Uns diziam que ele era um macaco convertido à religião; outros achavam que se tratava apenas de um monge com o rosto de um deus do trovão. Mas ninguém tinha coragem de encará-lo diretamente.

Enquanto o mestre prestava reverência ao soberano, o Peregrino permanecia imóvel, com as mãos unidas em sinal de respeito.
— Este humilde servo — explicou Sanzang — dirige-se ao Monastério do Trovão no Paraíso Ocidental, com o propósito de prestar reverência a Buda e obter as escrituras sagradas. Cumpro ordem direta do Grande Imperador dos Tang, das Terras do Leste, no Continente Austral de Jambudvipa. Ao chegar a suas nobres terras, não ousamos atravessá-las sem a devida autorização. Por isso, viemos apresentar nosso salvo-conduto e pedir humildemente que o carimbe com o vosso selo e nos permita prosseguir com segurança.
O rei ficou visivelmente satisfeito com a postura respeitosa do mestre e ordenou que ele fosse conduzido ao Salão dos Carrilhões de Ouro. Enquanto o rei examinava pessoalmente o documento, pediu que o mestre se acomodasse sobre uma almofada de seda ricamente bordada.

— Foi uma grande sorte para o Imperador dos Tang — declarou o rei, após concluir a leitura — contar com um monge tão virtuoso como o senhor. Mesmo diante de tantos perigos, aceitou de bom grado essa longa jornada para buscar os ensinamentos de Buda. Que diferença em relação aos monges deste reino, que só pensam em roubar e trazer desgraça para estas terras e para o soberano que as governa!
— Sua Majestade poderia explicar melhor o que aconteceu? — perguntou Sanzang, unindo as palmas das mãos com respeito.
— Não é necessário dizer — respondeu o rei —, que este é o reino mais importante de todos os Territórios Ocidentais. Até pouco tempo, todas as tribos vizinhas vinham nos prestar tributo, não por medo do nosso exército, mas por respeito ao Monastério da Luz Dourada. Lá havia um tesouro sagrado que emitia raios tão intensos que iluminavam o próprio Céu. Mas, cegos pela ganância, os monges roubaram esse tesouro e o brilho se apagou já faz quase três anos. Desde então, os reinos ao redor deixaram de nos reverenciar, o que causou enorme ressentimento em nosso povo.
— Costuma-se dizer, Majestade — respondeu Sanzang com um leve sorriso —, que quem se desvia por um fio de cabelo no início do caminho jamais alcança o alvo no final. Ontem, ao entrar na capital deste próspero reino, vi cerca de dez monges com cangas no pescoço e correntes. Quando perguntei o motivo, disseram que eram do Monastério da Luz Dourada e que eram vítimas de uma injustiça. Após visitar o monastério e investigar com atenção, constatei que não tinham qualquer envolvimento com o roubo. Então, ao varrer a pagoda no meio da noite, capturei dois demônios - os verdadeiros culpados pelo roubo do tesouro.
— E onde eles estão? —perguntou o rei, claramente satisfeito.
— Estão no Monastério da Luz Dourada — respondeu Sanzang. — Ordenei que fossem mantidos sob custódia até que Vossa Majestade decida seu destino.
Maravilhado com tanta prudência, o rei emitiu imediatamente uma ordem:
— Que a guarda real traga imediatamente à minha presença os demônios detidos no Monastério da Luz Dourada. Desejo interrogá-los pessoalmente.
— Embora vossa guarda seja extremamente corajosa — disse Sanzang, em um tom humilde —, seria prudente que meu humilde discípulo os acompanhe.
— E onde está esse discípulo? — quis saber o rei.
— É aquele — respondeu Sanzang, apontando com o dedo —, junto aos degraus de jade.

— Que monge mais feio! — exclamou o rei, surpreso ao vê-lo. — Como é possível ter um rosto assim?
— Majestade — respondeu o Grande Sábio com firmeza —, não se deve julgar um homem pela aparência. Isso seria tão absurdo quanto tentar medir toda a água do mar com uma pequena vasilha. Se só se prestar atenção nos rostos bonitos, como será possível reconhecer os ladrões e os malfeitores?
— O que acaba de dizer é verdade— reconheceu o rei, impressionado com a profundidade daquelas palavras. — É insensato escolher conselheiros com base apenas na aparência. O que mais importa agora é capturar os ladrões e garantir que as cinzas sagradas retornem o quanto antes ao monastério.
Em seguida, ordenou que seus servos reais preparassem uma carruagem e mandou que a guarda real protegesse o monge sagrado no caminho até onde estavam os demônios.
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Imediatamente, os servos reais trouxeram uma esplêndida liteira com um dossel amarelo, e o Peregrino subiu nela. Era tão pesada que precisava ser carregada por oito homens, quatro na frente e quatro atrás, enquanto outros quatro iam à frente abrindo caminho aos gritos até o Monastério da Luz Dourada. O cortejo logo chamou a atenção de toda a cidade. Ninguém deixou de ir até as ruas para tentar ver o monge sagrado e os demônios ladrões. Quando Bajie e o Monge Sha ouviram os gritos e viram o movimento, acharam que algum oficial enviado pelo rei havia chegado, e saíram às pressas do monastério para recebê-lo. Ao ver o Peregrino sentado na liteira, Bajie soltou uma gargalhada e exclamou:
— Agora você voltou ao normal, irmão!

— O que quer dizer com isso? — perguntou o Peregrino, incomodado, descendo da liteira e aproximando-se dele.
—Olha só você, sendo carregado por oito homens numa liteira real com um dossel amarelo! — disse Bajie. — Não é exatamente o jeito digno de viajar para o Belo Rei Macaco? Por isso eu disse que você voltou ao normal!
— Não zombe de mim — disse o Peregrino. Em seguida, desamarrou os dois demônios e se preparou para levá-los ao rei.
— Irmão mais velho — disse o Monge Sha —, por favor, levem-nos junto.
— Não, não — respondeu o Peregrino. — É melhor ficarem aqui, cuidando do cavalo e dos nossos pertences.
— Veneráveis senhores — disse um dos monges com a cabeça ainda presa em uma canga —, por que não vão todos ver Sua Majestade? Deixe que nós cuidemos de suas coisas aqui.
— Está bem — concordou o Peregrino. — Assim que falarmos com o rei, voltaremos para libertá-los.
Bajie segurou um dos demônios, enquanto o Monge Sha fez o mesmo com o outro. O Grande Sábio subiu novamente na liteira, e o cortejo seguiu seu caminho. Ao chegar aos degraus de jade branco, o chefe da guarda imperial levantou a voz e anunciou:
— Os desejos de Vossa Majestade foram cumpridos. Aqui estão os demônios que ordenou que trouxéssemos.
O rei levantou-se imediatamente do trono do dragão e desceu para ver os demônios, acompanhado pelo monge Tang e por todos os oficiais, civis e militares. Um deles tinha o queixo arredondado, coberto de escamas negras, uma boca pontiaguda e dentes tão afiados quanto facas. O outro, por sua vez, possuía pele muito fina, boca alongada e bigodes tão rígidos quanto cerdas. Embora tivessem pernas e conseguissem andar, a aparência deles era tudo, menos humana.
Mesmo assim, o rei lhes perguntou em tom solene:
— De onde vieram, e em que ano invadiram nossos domínios para roubar o nosso tesouro? Quantos ladrões participaram do crime, e quais são os nomes deles? Falem a verdade, se quiserem poupar suas vidas.
Um fio de sangue escorria lentamente pelos pescoços dos dois demônios, embora parecessem não se importar com a dor. Assim que ouviram as perguntas do rei, lançaram o rosto ao chão e responderam:
— Há aproximadamente três anos, no primeiro dia do sétimo mês, o Rei Dragão de Todos os Espíritos se estabeleceu com toda a sua família em um lugar a trezentos quilômetros daqui, chamado Lago da Onda Esverdeada, bem no coração da Montanha das Pedras Espalhadas. Sua filha, uma princesa extremamente bela e sedutora, casou-se com um sujeito conhecido como Nove Cabeças, para quem a magia não tem segredo. Ao saber que o maior dos vossos monastérios possuía um tesouro de valor incalculável, uniu forças com o dragão para roubá-lo. Para isso, fez cair uma chuva de sangue que dissipou a aura que envolvia o monastério. Assim, não foi difícil roubar as relíquias sagradas, que agora repousam no fundo do lago, iluminando dia e noite o palácio do dragão. Ao mesmo tempo, a princesa conseguiu arrancar de Wang-Mu-Niang-Niang o seu agárico, com a qual potencializa ainda mais o poder das cinzas. Nós, senhor, não somos bandidos, mas soldados a serviço do Rei Dragão, e tivemos a má sorte de sermos capturados justamente na noite passada. Declaramos que tudo o que dissemos é a mais pura verdade.
— Se isso é verdade — disse o rei —, por que não revelam os seus nomes?
— Eu, senhor — respondeu um deles — me chamo Benborba, e meu companheiro se chama Baborben. Sou o espírito de um peixe-cascudo, e ele, o de um peixe preto.
O rei ordenou ao chefe da guarda imperial que os levassem para as masmorras.

Em seguida, chamou um dos escrivães e ditou a seguinte ordem:
— Que todos os monges do Monastério da Luz Dourada sejam imediatamente libertados das cangas e das correntes. Ordeno que seja preparado no Salão do Unicórnio um banquete esplêndido, em agradecimento aos monges que vieram de longe e ajudaram na captura dos ladrões. Após o banquete, discutiremos a questão de solicitar que esses sábios monges capturem o líder dos ladrões.

Sem demora, os cozinheiros imperiais organizaram um banquete com fartura de pratos vegetarianos e carnes. Após convidar o mestre Tang e seus discípulos para o Salão do Unicórnio, o rei perguntou:
— A que família pertence?
— A família na qual nasci se chama Chen, embora na religião eu seja conhecido como Xuanzang. O imperador me concedeu a honra de usar o sobrenome Tang. No entanto, sou mais conhecido como Sanzang.
— E os seus nobres discípulos? — continuou o rei.
— Eles não pertencem a nenhuma família — explicou Sanzang. — O primeiro se chama Wukong, o segundo Wuneng e o terceiro Wujing. Esses nomes foram dados pela própria Bodhisattva Guanyin, dos Mares do Sul. Todos juraram obediência a mim e me consideram seu mestre. Por isso, às vezes me refiro a Wukong como Peregrino, a Wuneng como Bajie e a Wujing como Monge Sha.
Assim que terminou de falar, o rei convidou Sanzang a ocupar o lugar de honra na mesa. O Peregrino ficou à sua esquerda, enquanto Bajie e o Monge Sha sentaram-se à direita. Sobre essas mesas havia uma grande variedade de pratos vegetarianos, frutas, chá e arroz. O rei se acomodou à frente deles, diante de uma mesa repleta de iguarias com carne, como as outras cem mesas ocupadas pelos funcionários civis e militares, conforme seus postos. Todos começaram a comer após a permissão de Sua Majestade, que ergueu a taça num brinde à saúde dos ilustres visitantes. Sanzang não se atreveu a levar a taça aos lábios, mas seus três discípulos aceitaram o brinde com alegria. A orquestra do palácio animava o ambiente, embora a música não fosse páreo para o apetite imenso de Bajie. Sem se importar com o tipo de verdura que lhe serviam, ele devorava tudo num piscar de olhos. Os criados lhe trouxeram mais sopa e arroz do que para todos os outros juntos, e mesmo assim ele engolia tudo antes que os demais dessem a primeira garfada. Também não recusou nenhuma taça de vinho oferecida, mesmo com o banquete se estendendo até o fim da tarde.

Sanzang então agradeceu ao rei por todas as honras, mas o soberano, segurando sua túnica, disse:
— Isto foi apenas uma forma de agradecer aos santos monges por terem capturado os demônios. A celebração continuará no Palácio Jianzhang (8), onde gostaria de discutir com o Venerável Mestre o plano para capturar o líder desses bandidos e devolver o tesouro à pagoda.
— Se esse é o desejo de Vossa Majestade — respondeu Sanzang —, não há necessidade de outro banquete. Nós, humildes monges, nos despediremos agora e partiremos para enfrentar os demônios.
O rei, no entanto, não aceitou a recusa e insistiu para que todos seguissem até o Palácio Jianzhang, onde foram novamente recepcionados com festa. Erguendo uma taça de vinho, o soberano perguntou: