Arte de Rodrigo Viany (Sleipnir) |
- Antologia Ilustrada do Folclore Brasileiro, de Alceu Maynard Araujo;
- Migalhas Folklóricas, de Marisa Lira.
- http://lendasestorias.blogspot.com/2014/06/lenda-do-flamboyant-ou-da-arvore-de.html
Arte de Rodrigo Viany (Sleipnir) |
Arte de Plestari |
۞ ADM Sleipnir
Arte de Moyi Zhang |
NOMEADO SÓSIA DO CÉU, ELE AINDA NÃO ESTÁ SATISFEITO
Taibai Jinxing, a Estrela Dourada do Planeta Vênus, deixou a Caverna da Cortina D'água acompanhado por Sun Wukong, o Belo Rei dos Macacos, e juntos voaram acima das nuvens. Wukong, no entanto, achou que eles estavam viajando muito devagar e usou sua técnica de salto nas nuvens. Ele logo adquiriu uma velocidade tremenda, deixando Taibai Jinxing para trás e alcançando o Portão Sul do Céu primeiro.
Quando ele estava prestes a descer das nuvens e entrar, o devaraja (2) Virudhaka (3), juntamente com os heróis celestiais Pang, Liu, Gou, Bi, Deng, Xin, Zhang e Tao, se puseram em seu caminho empunhando lanças, cimitarras, espadas e alabardas. Com um gesto feroz, eles se aproximaram dele e o impediram de seguir em frente.
— Que sujeito enganador é esse Estrela Dourada! — disse Wukong. — Se eu fui convidado para vir até aqui, por que essas pessoas usam suas espadas e lanças para impedir minha entrada?
Wukong protestava em voz alta quando Taibai Jinxing, ofegante, finalmente o alcançou. Wukong logo se voltou para ele com raiva e o repreendeu, dizendo:
— Por que você me enganou? Se estou aqui, é porque você mesmo me informou que o Imperador de Jade lhe entregou um decreto de reconciliação para mim. Se isso é verdade, por quê essas pessoas bloquearam o caminho e se empenham em não me deixar passar?
— Antes de tudo, tente se acalmar — aconselhou Taibai Jinxing, rindo. — Como você nunca esteve no Palácio Celestial antes e não tem um nome apropriado, é natural que os guardiões não o conheçam. Como eles vão deixar você passar, se você é um completo estranho para eles? Assim que você se encontrar com o Honorável Imperador de Jade e ele lhe confiar uma responsabilidade oficial, seu nome aparecerá nas listas dos imortais e você poderá entrar e sair quando quiser. Quem então ousará bloquear sua entrada?
-Se é assim, tudo bem! — disse Wukong, mais calmo. — Mas, vendo como me trataram, não vou entrar sozinho.
— Não se preocupe, eu entrarei contigo! — concluiu Taibai Jinxing, puxando-o pela mão.
Desta forma, eles se dirigiram para o Portão Sul. Quando estavam a poucos passos dele, Taibai Jinxing ergueu a voz e disse com todas as suas forças:
— Abram o portão, guardiões do Palácio Celestial, e deixem este respeitável imortal entrar! Ele vem da Região Inferior e foi convocado pelo próprio Imperador de Jade para entregar-lhe um decreto de reconciliação.
Viruḍhaka e os vários heróis divinos imediatamente baixaram suas armas e se afastaram, e desta forma, o Rei dos Macacos finalmente acreditou no que Taibai Jinxing lhe contou. Guiado pelo Estrela Dourada, ele finalmente entrou no palácio, maravilhado com tamanha beleza.
Era a primeira vez que Wukong visitava a Região Superior, e ele ficou profundamente impressionado com a magnificência do Salão Celestial, onde dez mil dardos de luz dourada giravam como um redemoinho formando um impressionante arco-íris de coral, e mil camadas de ar sagrado difundiam uma névoa púrpura. O Portão Sul era esplêndido, sendo coberto por tesselas verde-escuras brilhantes e encimado por impressionantes ameias de jade. Em ambos os lados haviam dezenas de sentinelas celestiais, alguns tão altos que seus corpos se projetavam acima dos bastiões, e todos empunhavam arcos e estandartes. Para onde quer que se olhasse, era possível ver seres celestiais protegidos por armaduras douradas, segurando em suas mãos endurecidas pela batalha alabardas e chicotes ou empunhando cimitarras e espadas.
Mas se o exterior era impressionante, seu interior o superava em muito. Seus salões eram como jardins nos quais cresciam apenas enormes pilares, circundados por dragões vermelhos cujas escamas de ouro puro brilhavam ao sol. Em seus amplos espaços abertos, haviam pontes visivelmente longas, sobre as quais pairavam fênixes com cabeças avermelhadas e plumagens brilhantes e multicoloridas. Às vezes, uma névoa cintilante refletia a luz bruxuleante do céu, depois tornava-se verde e ficava tão densa que obscurecia o fraco brilho das estrelas.
Em tal lugar maravilhoso ficavam as trinta e três mansões celestiais, que têm nomes como "Nuvem Espalhada", "Vaiśrvaṇa", "Pāncavidyā", "Suyāma", "Nirmāṇarati.".. e cujos cumes continham uma imponente besta dourada. Haviam também os setenta e dois salões do tesouro, com nomes como "Assembleia da Manhã", "Vazio Transcendente", "Luz Preciosa", "o Rei Celestial", "o Ministro Divino"... e cujas colunas tinham frisos de unicórnios de jade. No terraço de Shouxing (4), cresciam flores que não desabrocharam há mais de mil milênios, e ervas exóticas, usadas na preparação de diversos elixires, que não perdiam seu verdor há dez mil anos. Wukong passou pela Torre Dedicada ao Grande Sábio, onde pôde ver vestes de seda roxa brilhando como estrelas cintilantes, gorros em forma de hibisco carregados de ouro e pedras preciosas, grampos de cabelo de jade, sapatos de madrepérola, faixas vermelhas e ornamentos de ouro. Quando os sinos de ouro soaram, os memoriais dos Três Juízes (5) cruzaram o brilhante pátio escarlate, e quando os tambores celestiais foram ouvidos, dez mil sábios da corte honraram o Imperador de Jade.
Wukong também passou pelo Salão do Tesouro da Névoa Divina, onde as portas e molduras eram feitas de jade, e as pontas e pregos que as uniam eram de ouro puro. Haviam milhares de salões e corredores, e em todos os lugares era possível ver as mais perfeitas e elegantes esculturas. Haviam três ou quatro beirais, tão espaçosos que, em cada um deles, dragões e fênixes cuidavam de seus filhotes. Em seu ponto mais largo havia uma esplêndida cúpula redonda, no formato de um gigantesca cabaça de ouro púrpura, sob a qual as deusas guardiãs penduravam seus leques e as donzelas de jade erguiam seus véus imortais. Ferozes eram os marechais do céu que supervisionavam a corte, e dignos os oficiais divinos que protegiam o trono. No centro, em uma bandeja de cristal, havia um prato cheio de pílulas da longevidade, ao lado do qual havia vários vasos de cornalina com ramos de coral retorcidos projetando-se da graciosa abertura de suas bocas. Naquele salão celeste essa possível contemplar todo tipo de objetos estranhos, absolutamente diferentes dos que podem ser encontrados na terra, tais como arcos de ouro, carruagens de prata, flores de coral, plantas com botões de jade... Para o seu maior espanto, um coelho lápis-lazúli (6) aproximou-se do trono para prestar homenagem ao Rei dos Céus, enquanto um corvo dourado (6) veio voando para homenagear o Grande Sábio. Que sorte imensa a do Rei dos Macacos, de ser admitido nos mistérios do reino celeste, em vez de ser maculado pelo reino dos mortais.
Taibai Jinxing conduziu o Belo Rei dos Macacos à Sala do Tesouro da Névoa Divina, de onde foram levados, sem demora, à presença do Senhor dos Céus. Ao vê-lo, Taibai Jinxing imediatamente se prostrou com o rosto no chão. Wukong, por sua vez, permaneceu de pé, coçando a orelha desrespeitosamente, enquanto seu companheiro de viagem informava ao mestre o resultado de suas ações.
— Seu humilde servo — disse Taibai Jinxing — trouxe consigo, conforme seu desejo, o caprichoso imortal.
— Quem é esse imortal caprichoso de quem você fala? — perguntou o Imperador de Jade, condescendentemente.
Só então Wukong concordou em se curvar levemente e responder com altivez:
— Quem mais poderia ser além de mim, Sun Wukong?
Os oficiais celestes calaram-se, escandalizaram-se e comentaram entre si, mal-humorados:
— Que macaco rude! Não só não se prostrou diante do trono, como, ainda por cima, teve a audácia de responder sem que ninguém lhe perguntasse. Jamais vimos tanta insolência! É digno da pena de morte!
— Sun Wukong é um imortal caprichoso das Regiões Inferiores, que recentemente assumiu a aparência de um humano — disse o Imperador de Jade, respondendo a seus comentários. — É lógico, portanto, que ele desconheça a etiqueta da corte, então acho que desta vez devemos perdoar sua insolência.
Tal misericórdia despertou a admiração dos dignitários divinos, enquanto Wukong, percebendo a situação difícil em que se encontrava, cruzou as mãos sobre o peito e curvou-se profundamente, murmurando uma expressão ininteligível de gratidão. O Imperador de Jade então se voltou para seus subordinados e ordenou que eles verificassem se havia algum cargo vago que Sun Wukong pudesse preencher. Imediatamente, Wuqu Xingjin, o Espírito Estelar de Wu-Chu, deu um passo à frente, relatando respeitosamente:
— Em todas as dependências do Palácio Celestial, não há um único cargo vago, grande senhor. Apenas nos estábulos parece haver necessidade de um supervisor.
— Nesse caso - concluiu o Imperador de Jade — , que ele seja nomeado pi-ma-wen. Que se encarregue dos estábulos imperiais e cuide dos cavalos o melhor que puder.
Todos os cortesãos elogiaram a sábia decisão do imperador, exceto, é claro, o próprio Wukong, que, no entanto, não teve escolha a não ser se curvar profundamente e expressar em voz alta sua gratidão incondicional. O Imperador de Jade então se voltou para Mude Xingjin, o Espírito Estelar do Planeta Júpiter, e ordenou que ele acompanhasse seu novo oficial aos estábulos.
O Rei Macaco seguiu Mude Xingjin até os estábulos, pronto para cumprir suas novas responsabilidades da melhor maneira possível. Assim que ele o deixou sozinho, Wukong convocou todos os seus subordinados - supervisores adjuntos e assistentes, os contadores e mordomos e outros funcionários, grandes e pequenos, e pediu para que o atualizassem sobre a situação dos estábulos. Assim, ele pôde verificar que o número de cavalos celestiais era bem superior a mil, entre os quais se encontravam o famoso Lebre Vermelha, que pertenceu a Lu Bu e posteriormente à Guan Yu, além de inúmeros cavalos que pertenceram aos imperadores Zhou Mu-Huang, Qin Shi Huang e Han Wen-Di. Eram animais que não possuíam rivais em um raio de mil milhas. Os cavalos celestiais superavam todos os outros em sutileza, embora seu relincho se assemelhasse ao uivo do vento e seu galope assemelhasse a um trovão. Sem cansar, eles pisoteavam a geada e voavam acima das nuvens com uma energia inabalável.
O Rei dos Macacos revisou cuidadosamente as listas dos animais sob seus cuidados e fez uma inspeção cuidadosa de todas as instalações. As pessoas a seu cargo eram inúmeras, algumas encarregadas de obter as provisões; outras, de lavar e escovar os cavalos, cortar o feno e preparar a comida; e outras, por fim, de assegurar o bom funcionamento de todo o estabelecimento. Desde o primeiro dia, o novo pi-ma-wen não descansou um só momento, supervisionando pessoalmente o cuidado dos animais, preocupando-se com sua condição durante o dia e cuidando deles com paternal diligência à noite. Os cavalos que queriam dormir eram acordados e alimentados; os que queriam galopar eram apanhados e colocados nas baias. Quando os cavalos celestiais o viam, todos se comportavam muito bem e eram tão bem cuidados que e ganharam peso em pouquíssimo tempo.
Assim, passaram-se meio mês e os oficiais encarregados dos outros departamentos decidiram que havia chegado a hora parabenizar Wukong por suas conquistas e, finalmente, admiti-lo em seu círculo de imortais. Ofereceram-lhe, então, um esplêndido banquete, ao qual não faltou nenhum dos personagens mais famosos da corte. Quando chegou o momento dos brindes, o Rei dos Macacos aproveitou a ocasião para perguntar:
— Em qual posição dentro da hierarquia celestial está o cargo de pi-ma-wen que ocupo?
— Exatamente igual ao seu título — responderam-lhe, em tom de zombaria.
— Sim, mas qual é o seu grau? — Wukong insistiu.
— Sua posição carece completamente de grau — explicaram-lhe.
— Quer dizer que ele é tão alto que supera todos e não há ninguém acima dele? — perguntou inocentemente o Rei dos Macacos.
— De maneira alguma! — exclamaram, soltando uma gargalhada. — Sua posição é... como podemos dizer...? contrária a qualquer classificação.
— Como assim contrária a toda classificação? — perguntou, mais uma vez, o Rei dos Macacos.
— Na verdade, ela é a mais baixa de todas. Pense nisso com frieza e você perceberá que sua responsabilidade é cuidar exclusivamente de cavalos, o que, na verdade, qualquer um pode fazer. Desde a sua chegada, você se dedicou de corpo e alma a essa tarefa e que recompensa você recebeu até agora? Nenhuma! Se você conseguir manter os cavalos em forma, o máximo que farão é te elogiar vez ou outra. Mas, se os cavalos emagrecerem ou sofrerem algum tipo de ferimento, você será severamente repreendido, além de provavelmente receber alguma punição.
Ao ouvir isso, o coração do Rei Macaco se encheu de raiva, e rangendo os dentes amargamente, exclamou:
— Como é possível que eu seja tratado com tanto desprezo? Na Montanha das Flores e Frutos sou considerado rei e respeitado como patriarca. Quem teve a ideia de me traz aqui só para cuidar de animais e cavalos? Por que eles me tratam assim, quando todos sabem que eu tenho qualidades para ser mais do que um cavalariço comum, um trabalho de baixo escalão que só os menos inteligentes e os mais jovens fazem? Eu não o farei novamente! Me recuso! Estou indo embora agora mesmo!
Cego de raiva, Wukong um tremendo chute na mesa em que o banquete havia sido servido e puxou seu bastão de ferro de dentro da orelha, o qual num piscar de olhos ficou grosso como uma tigela de arroz. Desferindo golpes em todas as direções, ele deixou os estábulos imperiais e se dirigiu para o Portão Sul. Sabendo que ele agora ocupava o posto de pi-ma-wen, os guardiões celestiais não ousaram detê-lo e o deixaram sair livremente do Palácio Celestial.
Em um instante, Wukong montou em uma nuvem e voltou para a Montanha das Flores e Frutos. Ainda no ar, ele avistou seus quatro comandantes exercitando suas tropas, na companhia dos Reis Monstros das outras cavernas, e, levantando a voz, gritou para eles:
— Seu rei acabou de chegar!
Em um instante, uma multidão de macacos o cercaram, prostrando-se diante dele e batendo suas testas no chão. Em seguida, conduziram-no com grande fanfarra até a caverna, onde lhe ofereceram um esplêndido banquete de boas-vindas. Satisfeito, o Rei dos Macacos sentou-se em seu trono, e seus súditos lhe disseram respeitosamente:
— Receba as nossas mais sinceras felicitações, grande senhor. Tendo residido nas regiões celestes por mais de dez anos, é natural que assumamos que o senhor tenha obtido inúmeras glórias lá em cima, e retornado para nós em triunfo.
— Como assim mais de dez anos? — exclamou o Rei dos Macacos, surpreso — . Só estive fora por pouco mais de meio mês.
— Quando se vive no Céu, grande senhor — alguns de seus súditos o responderam — , perde-se totalmente a noção do tempo. Um dia lá em cima deve equivaler, no mínimo, a um ano na terra. Podemos saber que cargo o senhor ocupou durante vossa ausência?
— Tenho vergonha de dizer — respondeu o Rei dos Macacos, acenando com as mãos. — O Imperador de Jade não sabe apreciar o valor das pessoas. Ao ver minha aparência de macaco, ele me confiou uma posição chamada pi-ma-wen, sendo responsável por cuidar dos estábulos reais. É um trabalho de nível tão baixo que nem se enquadra na categoria de funcionário imperial. Claro, eu não sabia disso quando o aceitei. Para falar a verdade, eu até me diverti cuidando dos estábulos. Mas ao perguntar aos outros imortais, acabei descobrindo o quão degradante esse cargo era. Fiquei tão furioso que com um golpe só derrubei a mesa onde estavam me oferecendo um banquete , e imediatamente renunciei ao meu cargo. Essa é a razão pela qual agora estou de volta entre vocês.
— Bem vindo de volta ao seu lar! — disseram os vários macacos entusiasmados. — Nosso Grande Rei pode ser o soberano desta caverna sagrada com a maior honra e felicidade. Por que ele deveria partir para ser o cavalariço de alguém?
— Tragam vinho imediatamente e brindemos à saúde do nosso grande rei! — gritaram outros.
Enquanto eles já estavam mais animados, bebendo e conversando alegremente, um de seus súditos apareceu e o informou, dizendo:
— Grande senhor, lá fora há dois demônios com apenas um chifre, que desejam vê-lo.
— Mande-os entrar, ordenou o Rei dos Macacos.
Assim que os demônios o ouviram, ajeitaram um pouco suas roupas e correram para dentro da caverna, prostrando-se respeitosamente ao ver Sun Wukong.
— Posso saber por que vocês querem me ver? — perguntou o Belo Rei dos Macacos.
— Já faz algum tempo que desejávamos nos encontrar com o senhor, mas não ousávamos pedir uma audiência — confessaram os dois demônios. — Hoje, finalmente, soubemos que o Imperador Celestial lhe ofereceu um cargo muito importante em sua corte e que o senhor voltou com mais honras do que quando partiu. Isso nos encorajou a vir e presenteá-lo com esta túnica vermelha e dourada e, assim, unirmos à sua celebração. Se o senhor não se importa em lidar com pessoas tão vulgares e vis como nós, adoraríamos nos juntar ao seu serviço, mesmo que apenas como cães ou animais de carga.
Satisfeito com a sinceridade dos dois, o Rei dos Macacos aceitou o presente e o vestiu ali mesmo, enquanto os demais o homenageavam. Sua satisfação foi tão grande que, sem pensar duas vezes, Wukong nomeou os dois demônios como seus Comandantes da Vanguarda e Marechais dos Regimentos de Choque.
— Podemos perguntar-lhe — disseram humildemente os seus dois novos subordinados, depois de lhe agradecerem — que posição o senhor ocupou no Céu durante todo esse tempo em que esteve lá?
— O Imperador de Jade não sabe apreciar o valor das pessoas que o cercam! — respondeu o Rei dos Macacos. — Ele me tornou apenas um pi-ma-wen encarregado de seus estábulos.
— Como é possível? — exclamaram, escandalizados, os dois demônios. — Com os poderes que o senhor possui, ele apenas confiou-lhe o cuidado de seus cavalos? Não há nada que possa impedi-lo de assumir o posto de Grande Sábio, Sósia do Céu.
O Rei Macaco não conseguia esconder sua profunda satisfação. Era tão grande, na verdade, que era quase impossível para ele conter o entusiasmo e não começar a bater palmas. Ele se virou, sorrindo, para seus quatro comandantes e ordenou-lhes:
— Façam imediatamente um estandarte que diga "O Grande Sábio, Sósia do Céu", e coloque-o em um local bem visível. A partir de agora o título de Grande Rei está abolido, e todos os que quiserem se dirigir a mim devem usar esse outro título. Informem os Reis Demônios das outras cavernas sobre isso e, assim, evitaremos mal-entendidos irritantes.
No dia seguinte, o Imperador de Jade convocou seus cortesãos e se dispôs a ouvir os relatórios dos chefes dos diferentes departamentos. Ele mal havia se sentado quando o Mestre Celestial Zhang (7) apareceu no pátio vermelho, seguido pelo gerente interino dos estábulos imperiais e um de seus assistentes. Os três se prostraram com os rostos no chão e disseram a Sua Excelência:
— Ontem Sun Wukong, o imortal a quem confiaste o cuidado de vossos estábulos, considerou que a sua posição não era adequada às suas muitas qualidades e deixou o Palácio Celestial com uma atitude que não hesitamos em qualificar como um verdadeiro ato de rebeldia.
Ele mal havia terminado de dizer isso, quando o devaraja Virudhaka apareceu à frente dos guardas do Portão Sul e informou seu senhor, dizendo:
— Por motivos além de nossa compreensão, o novo pi-ma-wen deixou o palácio ontem e ainda não voltou.
Ao ouvir isso, o Imperador de Jade ficou furioso e ordenou:
— Você e seus subordinados podem retornar aos seus postos. Garanto-lhe que esta besta não ficará impune, pois pretendo enviar um grupo de soldados para detê-la.
O devaraja Li Jing (8) e seu terceiro filho, o príncipe Nezha, prontamente deram um passo à frente e, com um profundo respeito, disseram:
— Sua Majestade, apesar de não pertencermos ao grupo de seus súditos mais destacados, solicitamos vossa autorização para subjugar aquele monstro.
Impressionado com sua bravura, o Imperador de Jade nomeou Li Jing como comandante supremo da expedição, e promoveu o príncipe Nezha a Presidente da Assembleia dos Imortais. Assim, ambos foram constituídos responsáveis pela força expedicionária que deveria descer às Regiões Inferiores para cumprir o mandato do Imperador.
Após se curvarem e se despedirem do seu senhor, Li Jing e Nezha se retiraram e retornaram para as suas mansões. Eles então revisaram suas tropas, nomeando o deus Juling Shen (9) como Chefe da Vanguarda; o General Yu Du (9) como Comandante da Retaguarda, e o General Yakṣa como Oficial de Ligação (9). Sem demora, eles deixaram o palácio pelo Portão Sul e dirigiram-se diretamente para a Montanha das Flores e Frutos.
Depois de escolher um local adequado para o assentamento do acampamento, Juling Shen recebeu a ordem de atacar. O general ajustou sua armadura, pegou seu machado, o qual só usava em defesa da virtude e da ordem, e dirigiu-se com determinação para a Caverna da Cortina de Água.
À sua frente, ele viu uma grande multidão de monstros - entre os quais lobos, insetos, tigres, leopardos e outros animais semelhantes - pulando, uivando e agitando suas espadas e lanças incessantemente.
— Malditas bestas! gritou Juling Shen. — Vão e informem o pi-ma-wen que um general do Céu acaba de chegar com a ordem específica para prendê-lo. Digam a ele em nome do Imperador de Jade para se render e sair o mais rápido possível. Caso contrário, todos vocês serão aniquilados!
Os monstros correram desordenadamente em direção a caverna, onde gritaram para o seu senhor:
— Que desgraça! O infortúnio está prestes a nos atingir!
— Posso saber do que vocês estão falando? — perguntou, surpreso, o Rei dos Macacos.
— Lá fora há um guerreiro celestial — explicaram os monstros — , que diz vir em nome do Imperador de Jade para prendê-lo. Ele exige que o senhor saia o mais rápido possível e se renda, se não quiser que todos nós sejamos mortos.
O Rei dos Macacos imediatamente se levantou e ordenou com um gesto marcial:
— Tragam meu equipamento de batalha!
Sem perder tempo, Wukong colocou seu elmo de ouro vermelho na cabeça, protegeu o peito com a couraça de ouro amarelo, calçou os sapatos para andar nas nuvens e empunhou seu bastão de ferro com pontas de ouro. Ele imediatamente reuniu todo o seu exército, organizou-o em ordem de batalha e o conduziu para fora da caverna. Ao vê-lo, Juling Shen ficou pasmo. A aparência do Rei Macaco era tão impressionante que ele não conseguia tirar os olhos dele. Ele nunca tinha visto uma figura tão magnífica quanto a dele. A couraça de ouro que cobria seu corpo brilhava como se fosse uma imitação do sol, assim como o capacete que protegia sua cabeça. Tal traje imponente não desmerecia o bastão com pontas de ouro que segurava nas mãos, nem os sapatos de pisar em nuvens que seus pés calçavam. Para completar, seus olhos brilhavam com a fúria de mil estrelas flamejantes e sobre seus ombros destacava-se a dureza escarpada de suas duas orelhas, que já começavam, como todo o seu corpo, a se metamorfosear. Sua voz realmente soava como o toque de sinos, tornando extremamente difícil reconhecer nele o pi-ma-wen com a boca protuberante e os dentes amplamente espaçados que ousara se chamar de Sábio Sósia do Céu. Apesar de tudo, Juling Shen não recuou e perguntou em alta voz:
— Você me conhece, macaco maldito?
— Que tipo de deus sem personalidade é você? — respondeu o Grande Sábio imediatamente. — Acho que nunca nos conhecemos, então seria bom você me dizer seu nome o mais rápido possível.
— Como assim não me conhece, macaco metido? — perguntou novamente o enviado celeste. -Eu sou Juling Shen, Chefe da Vanguarda do Exército Celestial sob o comando do Honorável Li Jing, enviado pelo Imperador de Jade para obter sua rendição. Portanto, livre-se de todas as suas armas o mais rápido possível e submeta-se à bênção celestial, se não quiser que todas as criaturas desta montanha sejam aniquiladas. Você mesmo será reduzido a pó em poucos segundos, se ousar abrir a boca para dizer um simples não!
Ao ouvir essas palavras, Juling Shen arregalou os olhos o máximo que pôde e virou-se na direção que o vento soprava. Foi assim que descobriu um enorme mastro fora da caverna, do qual pendia um estandarte gigante onde se lia: "O Grande Sábio, Sósia do Céu". O deus começou a rir e exclamou com desprezo mal contido:
— Macaco estúpido! É incrível como você se tornou tolo e arrogante! Como pensa em reivindicar o título de "Grande Sábio, Sósia do Céu", quando é incapaz de enfrentar o poder destrutivo do meu machado?
Apontando para sua cabeça, Juling Shen o atacou, mas, sendo um lutador experiente, o Grande Sábio não se intimidou. Ele respondeu ao golpe imediatamente com seu bastão de ouro, e esta emocionante batalha começou.
As duas armas eram, de fato, incomparáveis. Enquanto o bastão de Wukong era chamado de Complacente, o machado de Juling Shen recebera o nome de Proclamador da Virtude. As duas colidiram repetidamente e nenhuma demonstrava a menor fraqueza ou dava sinais de ser superior a outra. Se uma possuía poderes secretos extraordinários, a outra não ficava muito atrás, mostrando abertamente sua força e poder. Aqueles que as manejavam eram, de fato, esplêndidos guerreiros. A concentração deles em cada golpe era tão grande que eles pareciam sábios debruçados sobre um códice. Mas sua ferocidade não era menor.
A cada encontro, os dois expiravam névoas e nuvens, levantando ondas de lama e tempestades de areia ao seu redor. Não poderia ser de outra forma, já que ambos eram guerreiros celestiais. Mas o poder metamorfoseador do Rei dos Macacos não conhecia limites e, no final, ele acabou levando a melhor sobre o rival. Seu bastão de ferro parecia um dragão brincando na água, enquanto o machado rival se assemelhava a uma fênix cortando flores com capricho, mas Juling Shen, apesar de ser conhecido em todo o mundo, não era páreo para o Grande Sábio. Com um único golpe de sua barra, Wukong era capaz de fazer desaparecer o corpo mais forte.
Juling Shen logo entendeu que não tinha chance contra um oponente tão formidável. No entanto, ele continuou a se defender da melhor maneira possível. O Grande Sábio desferiu um golpe terrível em sua cabeça, o qual Juling Shen oportunamente deteve com seu machado. Nesse momento Houve um estalo alto e o cabo do machado se partiu em dois. Juling Shen não teve escolha a não ser deixar o campo de batalha, fugindo vergonhosamente para salvar a vida.
— Idiota! - gritou, desdenhoso, o Grande Sábio. — Não pense que você conseguiu escapar com suas próprias forças. Se não acabei com você, é porque quero que volte para o seu mestre e entregue minha mensagem a ele.
Envergonhado, Juling Shen voltou ao acampamento e imediatamente foi ver o devaraja Li Jing. Ofegando como um animal ferido, ele se ajoelhou diante dele e disse:
— Esse pi-ma-wen possui poderes mágicos realmente extraordinários. Este guerreiro indigno não pôde prevalecer contra ele. Desonrado e derrotado, agora imploro sua misericórdia.
— Não há perdão para quem não sabe se comportar com virilidade no campo de batalha! exclamou Li Jing bruscamente. — Levem-no para fora e executem-no!
O príncipe Nezha então deu um passo à frente e, curvando-se respeitosamente diante de seu superior e pai, implorou por misericórdia, dizendo:
Li Jing não ignorou seu conselho e, voltando-se para Juling Shen, ordenou que ele se retirasse para sua tenda e aguardasse por sua decisão. Enquanto isso, o príncipe Nezha vestiu sua armadura e saiu com pressa do acampamento, indo em direção à Caverna da Cortina de Água.
Wukong dispensava suas tropas, quando de repente olhou para o alto e avistou o príncipe Nezha se aproximando com uma ferocidade nada condizente com sua extrema juventude. Seu cabelo mal chegava aos ombros, e as mechas que caíam sobre sua testa acentuavam ainda mais sua aparência juvenil. Era bastante claro que ele possuía uma mente rápida e inteligente, o que de forma alguma diminuía a nobreza e elegância de seu porte. Quem o via logo percebia que ele era um imortal tão autêntico quanto a fênix ou o unicórnio, dos quais poderia muito bem ser filho. Em suas veias corria o sangue do dragão e isso o tornava possuidor de características muito raras mesmo entre os imortais. A ternura de sua idade não era um obstáculo para ele dominar perfeitamente seis classes de magia guerreira. Para ele não havia segredo algum em voar, dar saltos magníficos e metamorfosear-se no que quisesse. Por isso, não havia nada de estranho no fato do Imperador de Jade tê-lo nomeado Presidente da Assembleia dos Imortais.
Ao vê-lo se aproximar, Wukong ergueu a voz e perguntou com evidente escárnio:
— Posso saber de quem você é irmão e o que quer vindo bater na minha porta?
— Maldito macaco rebelde! — exclamou Nezha. — Você não me conhece? Eu sou Nezha, o terceiro filho do devaraja Li Jing, e não estou aqui por vontade própria, mas por desejo expresso do Imperador de Jade, que me ordenou que viesse prendê-lo.
— Você me prender? Wukong respondeu, rindo. — Você nem sabe o que está dizendo, jovem príncipe. Seus dentes de leite ainda não caíram e o lanugo ainda não caiu de seu corpo, e você ousa falar comigo com tanta insolência? Eu deveria lhe ensinar uma lição, mas não vou. Não pretendo lutar com você. O que eu peço é que você dê uma olhada nas palavras que estão bordadas no meu estandarte, para que depois você possa transmiti-las literalmente ao Imperador de Jade. Se ele concordar em me conceder o cargo que reivindico, você não terá que lutar comigo, porque eu mesmo deporei minhas armas. Mas se ele se recusar a cumprir meus desejos, tenha certeza de que minhas armas me levarão direto ao próprio Salão do Tesouro da Névoa Divina.
Nezha olhou para cima e leu com espanto a inscrição "O Grande Sábio, Duplo do Céu". Tal audácia fê-lo perder a paciência e exclamar com desprezo:
— Que poder você tem para arrogar tal título? Saiba que eu não tenho o menor medo de você. E mais: farei você engolir minha espada.
— Isso não me assusta! — disse Wukong zombeteiramente. — Ficarei parado enquanto você tenta me golpear com sua espada, mas tenho certeza que você não vai me acertar!
Tamanha presunção deixou o jovem Nezha fora de si, que gritou furiosamente:
— Transformar!
Imediatamente, Nezha assumiu um forma terrível, dotada de três cabeças e seis braços, com os quais brandia seis armas: uma espada para matar monstros, uma cimitarra para desmembrar feras, uma corda para amarrar espíritos rebeldes, um chicote para domar demônios, uma esfera filigranada e uma roda de fogo, com as quais ele executou um mortífero ataque frontal.
— Oh! — exclamou Wukong, surpreso com tão inesperada exibição de poder. — Parece que o garotinho conhece alguns truques. Mas não há motivo para alarme. Eu também sou um mágico experiente - e gritou com todas as suas forças:
— Transformação!
Num abrir e fechar de olhos, Wukong transformou-se numa horrenda criatura de três cabeças e seis braços. Com um aceno, seu bastão complacente com pontas de ouro se multiplicou por três, cada um sendo empunhado por duas das seis mãos.
A batalha estava tão acirrada que era impossível prever um vencedor com certeza. Para quebrar o impasse que ela parecia ter alcançado, Nezha, com sua mente incansável, ordenou que suas seis armas mágicas se multiplicassem em bilhões e atacassem, todas ao mesmo tempo, a cabeça de Wukong. Destemido, o Rei Macaco riu e pediu que suas três barras de ferro se multiplicassem primeiro por mil, depois por dez mil e finalmente por um número além de qualquer cálculo. Assim, ele foi capaz de enfrentar o ataque de seu inimigo, enchendo o céu com um enxame tão numeroso de bastões que mais pareciam dragões dançantes. Ao ver tal espetáculo, os reis demônios das diferentes cavernas sentiram um medo mortal, correndo para se refugiar em seus covis. Sua atitude não era realmente covarde. A respiração cansada dos dois combatentes lembrava nuvens espessas e o movimento rápido de seus muitos braços lembrava o vento de um furacão. Seus gritos ferozes aterrorizaram todos que os ouviram, incluindo os soldados de ambos os lados que seguravam os estandartes de seus senhores. O medo destes era ainda maior, pois ninguém poderia prever de que lado cairia a sorte ou a quem corresponderia a glória da vitória.
Fazendo uso incessante de seus poderes sobrenaturais, Nezha e Wukong resistiram por mais de trinta rodadas. As seis armas de Nezha se tornaram dez mil, mas os três bastões de Wukong fizeram o mesmo. Eles se chocaram como gotas de chuva e meteoros no ar, mas a vitória ou a derrota ainda não podia ser determinada.
— Transforme-se!
O pêlo instantaneamente se tornou uma cópia tão perfeita de si mesmo que acabou enganando Nezha. Com um salto formidável, o verdadeiro Wukong se colocou atrás dele e desferiu um terrível golpe de bastão em seu ombro esquerdo.
Ainda perfomando sua magia, Nezha ouviu o assobio do ferro e tentou se esquivar apressadamente, mas não conseguiu esquivar rápido o suficiente e acabou sendo atingindo em cheio. A dor o fez interromper sua magia e, recolhendo suas seis armas fugiu, derrotado, em direção ao seu acampamento.
O devaraja Li Jing observava de longe o desenrolar da batalha e, vendo como as coisas estavam ficando ruins para seu filho, ele tentou intervir em sua ajuda, mas o príncipe o impediu, dizendo:
— Aquele pi-ma-wen tem, sim, poderes extraordinários. Você é testemunha. Nem mesmo eu, que domino perfeitamente as artes mágicas, fui capaz de dominá-lo. Além do mais, ele foi capaz de me causar esta ferida horrível no ombro.
— Se ele é tão poderoso quanto você diz — respondeu Li Jing, enquanto ficava pálido, — ninguém jamais poderá derrotá-lo!
— Ainda há esperança! — disse Nezha. — Na frente de sua caverna ele colocou um enorme estandarte, no qual pode ser lido: "O Grande Sábio, Sósia do Céu." Ele mesmo afirmou com orgulho insuportável que se o Imperador de Jade voluntariamente concordar em conceder-lhe esse título, ele imediatamente deporá as armas e a paz será restaurada. Mas se ele recusar, ele continuará a lutar até que coloque seus blasfemos pés na Sala do Tesouro da Névoa Divina.
— Nesse caso - concluiu Li Jing — , vamos suspender as hostilidades por enquanto e relatar suas palavras ao Imperador de Jade o mais rápido possível. Teremos tempo depois para retornar com mais soldados e derrubá-lo de uma vez por todas.
— Você tem razão! — exclamou Niú Mó Wáng, o Rei Touro Demônio. — De agora em diante, me chamarei de "Grande Sábio, Reflexo do Céu"!
— E eu serei conhecido como o "Grande Sábio, Senhor do Oceano"! — afirmou, por sua vez Jiāo Mó Wáng, o Rei Dragão Demônio.
— Eu assumirei o título de "Grande Sábio do Céu Caótico"! — anunciou entusiasmado Péng Mó Wáng, o Rei Peng Demônio.
— Eu serei respeitado como o "Grande Sábio, Senhor da Montanha"! — proclamou orgulhosamente Shī Tuó Wáng, o Rei Espírito Leão.
— E eu serei lembrado como o Grande Sábio da Brisa Serena! — disse Míhóu Wáng, o Rei Espírito Macaca.
— Tomarei o nome de "Grande Sábio, Flagelo dos Deuses"! — declarou, sorrindo, Yúróng Wáng, o Rei Espírito Macaco Dourado.
Li Jing e o príncipe Nezha dirigiram-se naquele exato momento ao Salão do Tesouro da Névoa Divina, para apresentar, na companhia dos oficiais de seu exército, um relato do ocorrido ao Senhor dos Céus.
— Seguindo vosso decreto sagrado — afirmaram com indescritível respeito, — seus súditos conduziram uma força expedicionária até às Regiões Inferiores com o intuito de prender Sun Wukong, o imortal rebelde. Porém, não tínhamos ideia de seu enorme poder, e não fomos capazes de prevalecer contra ele e cumprir a missão que nos foi ordenada. Portanto, rogamos a Vossa Majestade que multiplique nossas forças, para que possamos, desta forma, subjugá-lo.
— Como é possível que você peça reforços para subjugar um macaco comum? — perguntou o Imperador de Jade, surpreso.
— O nosso vergonhoso fracasso é merecedor da pena de morte — confessou o príncipe Nezha, destacando-se do grupo. — Esse macaco vulgar, como o senhor mesmo diz, tem um bastão de ferro que o torna praticamente invencível. Com ele, primeiro derrotou Juling Shen, e depois feriu seu servo no ombro. Ele se sente tão seguro com ele que mandou colocar um enorme estandarte na entrada de sua caverna, onde está escrito: "O Grande Sábio, Sósia do Céu". Ele chegou ao ponto de me dizer que, se o senhor concordasse em dar a ele esse título, ele imediatamente deporá as armas e fará uma aliança com vosso reino. Caso contrário, ele continuará a lutar e não parará até que coloque seus blasfemos pés nesta Sala do Tesouro da Névoa Divina.
— Como aquele macaco rebelde se atreve a ser tão insolente? — exclamou o Imperador de Jade, ainda sem crer em tudo o que ouvia. — Que meus melhores generais se reúnam e o executem sem demora.
Assim que ele terminou de dizer isso, Taibai Jinxing, a Estrela Dourada do Planeta Vênus, deu um passo a frente e disse:
— O macaco rebelde certamente tem uma língua muito leve, mas não sabe a diferença entre o que é certo e o que é errado. Mesmo se enviarmos novas tropas para combatê-lo, duvido muito que possamos subjugá-lo sem sofrer severas perdas. Acho, portanto, que o mais aconselhável seria que o senhor se mostrasse benigno e lhe enviasse uma nova oferta de reconciliação. O que o senhor pode perder ao nomeá-lo Grande Sábio, Sósia do Céu? Afinal, será um título completamente desprovido de cargo.
— O que você quer dizer com título desprovido de cargo? — perguntou, mais uma vez, o Imperador de Jade.
— Embora ele receba o título de Grande Sábio, Sósia do Céu, ele não receberá nenhum dever ou salário oficial. Vamos mantê-lo aqui no céu para que possamos acalmar sua mente perversa e fazê-lo desistir de sua loucura e arrogância. Desta forma, o universo e os oceanos voltarão a desfrutar da paz e tranquilidade que sempre tiveram.
— Suas palavras são precisas — reconheceu o Imperador de Jade. — Seguiremos seu conselho ao pé da letra — e então ordenou que Taibai Jinxing fosse o encarregado de transmitir sua decisão imperial à Sun Wukong.
Sem perder tempo, Taibai Jinxing deixou o palácio pelo Portão Sul, dirigindo-se, mais uma vez, para a Montanha das Flores e Frutos. Para sua surpresa, as coisas do lado de fora da Caverna da Cortina D'água haviam mudado um pouco, e tudo havia assumido um forte tom militar. Toda a região estava, de fato, repleta de monstros das mais variadas espécies, armados até os dentes com espadas, cimitarras, flechas e lanças. Assim que o viram, começaram a rosnar e pular, enquanto alguns lançavam suas mortíferas armas contra ele. Taibai Jinxing teve, então, que levantar a voz, dizendo:
— Escutem bem! Sou um enviado do Céu e trago uma mensagem do Senhor dos Céus para o Grande Sábio.
Os monstros então correram para o interior da caverna e anunciaram ao Grande Sábio:
— Há um ancião lá fora que diz ter vindo do Céu com uma mensagem do Imperador de Jade para o senhor.
— Mande-o entrar imediatamente! — exclamou Wukong com entusiasmo. Deve ser o mesmo emissário da outra vez, ou seja, a Estrela Dourada do Planeta Vênus. O céu não é muito dado a mudanças. Embora na minha visita anterior a esse reino, eu não tenha sido tratado com o respeito que merecia, familiarizei-me com as suas formas de agir e pude comprová-lo em mais do que uma ocasião. Em todo caso, estou convencido de que ele veio com melhores intenções do que da última vez.
— Entre, Estrela Dourada. Peço desculpas por não ter saído antes para recebê-lo.
Taibai Jinxing respondeu às suas saudações com uma reverência e entrou resolutamente na caverna, onde, sem tirar os olhos do sul (10) informou ao seu anfitrião:
— Creio que é meu dever informá-lo de tudo o que aconteceu. Uma vez que você rejeitou o cargo que lhe foi confiado e se ausentou dos estábulos imperiais, os encarregados dos estábulos se viram na necessidade de informar o Imperador de Jade sobre o ocorrido. Ao ouvir isso, Sua Majestade enfureceu-se e exclamou, ofendido: "O funcionalismo celestial está organizado de tal forma que todos os oficiais nomeados avançam de posições humildes para cargos elevados. O que há de errado com este sistema, para que ele se atreva a subvertê-lo tão descaradamente?" Seu abandono foi tomado, então, como uma rebelião aberta. Daí a campanha militar dirigida contra você pelo devaraja Li Jing e o príncipe Nezha foi organizada. Claro que ambos desconheciam o seu tremendo poder e consequentemente sofreram uma derrota vergonhosa, que devidamente reportaram ao Céu, juntamente com o fato de você ter colocado um estandarte à porta da sua caverna expressando o seu natural desejo de ser considerado o Grande Sábio, Sósia do Céu. Com toda a franqueza, devo dizer-lhe que muitos funcionários se recusaram a ceder ao seu pedido, então, arriscando levantar a ira do Senhor do Céu, ousei sugerir que seria muito mais conveniente para todos renunciar ao uso de violência e conceder-lhe o posto que você mesmo exigiu. Como era de se esperar de sua inteligência prodigiosa, o Imperador de Jade aceitou meu ponto de vista sem reservas, e é por isso que agora tenho o grande prazer de vir vê-lo.
— Já lhe dei dores de cabeça suficientes na última vez que me visitou, para que volte a confiar em mim - respondeu Wukong, sorrindo. Minha gratidão pelo que você fez é, portanto, inexprimível. Enfim, desculpe por insistir: Eles estão realmente dispostos a me conceder o título de Grande Sábio, Sósia do Céu?
— Posso garantir que um posto tão alto foi aprovado pelo próprio Imperador de Jade - respondeu Taibai Jinxing. - Ele fez isso momentos antes de eu partir para cá. A única coisa que posso dizer para quebrar sua relutância é que eu assumo a responsabilidade por tudo o que vier a acontecer.
Wukong ficou muito satisfeito com suas palavras, embora se lamentasse que Taibai Jinxing não aceitou o banquete que planejou oferecer em sua homenagem. Assim, ele não teve escolha a não ser subir na nuvem sagrada de Taibai Jinxing e dirigir-se até o Portão Sul, onde foram recebidos pelos generais e guardiões celestiais com as mãos cruzadas sobre o peito em sinal de respeito.
— Seguindo seus desejos, seu humilde servo trouxe até aqui o pi-ma-wen Sun Wukong.
O Rei dos Macacos curvou-se, respeitoso, e expressou seus mais sinceros agradecimentos pela graça recebida. O Imperador de Jade então se voltou para os dois arquitetos imperiais, os oficiais Zhang e Lu, e ordenou que construíssem a residência oficial do Grande Sábio, Sósia do Céu, no lado direito do Jardim do Pêssego Imortal. A mansão que eles ergueram consistia em duas grandes salas - uma chamada Paz e Silêncio, e a outra Serenidade do Espírito - atendidas por um verdadeiro enxame de servos e funcionários. Ao mesmo tempo, o Imperador de Jade ordenou aos Espíritos dos Cinco Polos que acompanhassem Wukong para tomar posse de seu novo cargo, dando-lhe, como sinal de amizade, duas garrafas do melhor vinho e dez ramalhetes de flores de ouro.
Apesar disso, ele advertiu Wukong novamente para controlar sua natureza rebelde e abster-se de todos os tipos de conduta imprópria. Wukong aceitou suas palavras com uma inesperada submissão, e retirou-se acompanhado pelos espíritos dos cinco polos para tomar posse de seu novo posto. Para comemorar, ele abriu as garrafas de vinho e brindou ao futuro brilhante que o aguardava. Quando os espíritos retornaram aos seus respectivos palácios, ele se assentou e começou a desfrutar sem medida dos inúmeros prazeres que o Céu lhe oferecia, agora completamente livre de todo o cuidado e preocupações. Seu nome estava escrito no Livro da Vida Eterna, não estando mais sujeito ao tempo, e a roda da vida
CLIQUE NO BANNER ABAIXO PARA RETORNAR AO
Notas do Capítulo IV: